Pôquer movimenta dezenas de jogadores em Brusque, entre amadores e semiprofissionais
Pessoas jogam sem dinheiro na mesa, em ambiente que foge do senso comum sobre a modalidade
Cercado pela atmosfera de cassino e dos jogos de azar, o pôquer resiste como um jogo de cartas que, apesar de seus ambientes e origens, já possui status de esporte em diversas partes do mundo e é cada vez mais tratado como algo que exige “mais habilidade do que sorte”.
Campeonatos internacionais são transmitidos por canais de TV de todo o mundo, inclusive no Brasil, com o Fox Sports. Em 2017 e em 2018, Balneário Camboriú foi sede da primeira etapa do Kings Series of Poker, torneio brasileiro que conta com premiações superiores a R$ 1 milhão.
Em Brusque, o jogo também ganha cada vez mais relevância, ainda que se reserve aos ambientes mais recreativos e amadores, com poucos jogadores marcando presença entre os profissionais. Além disso, o município sempre foi uma terceira força, atrás de Balneário Camboriú e Blumenau.
Ricardo Plotegher, atual proprietário do Royal Club Poker, localizado no bairro Guarani, afirma que atualmente é difícil Brusque sediar grandes torneios, por causa da força de municípios próximos. “Temos Blumenau, uma cidade maior do Vale logo ao lado, e Balneário Camboriú, que vive de si própria, do outro. Por questões logísticas e mercadológicas, é mais fácil para os organizadores irem para estes municípios.”
Plotegher explica que, no início do jogo no Vale do Itajaí, em meados dos anos 2000, havia um circuito com aproximadamente 70 pessoas jogando entre Brusque, Balneário Camboriú e Blumenau. No entanto, com a expansão do pôquer para outras cidades, os municípios começaram a criar seus núcleos, e estes jogadores itinerantes ficaram cada vez mais fixos. “Hoje existem muitos ‘home games’, partidas informais em residências. Sinceramente, não conheço outro clube ativo em Brusque”, explica.
O clube
O Royal Poker Club foi fundado em 2007 e passou por diversos administradores, até chegar nas mãos do empresário Ricardo Plotegher. O clube também passou por diversos lugares até se estabelecer em 2015 na rua General Osório, no bairro Guarani. Membro da Federação Catarinense de Pôquer, o Royal consegue se manter, pagando suas despesas e seus funcionários freelancers, mas nem seus administradores nem seus jogadores vivem da atividade.
Diferente da ideia que o senso comum tem do pôquer, com quantias que ultrapassam dezenas de milhares de reais em jogo, o Royal sequer possui dinheiro em disputa nas rodadas. Os participantes pagam apenas a taxa de inscrição quando entram nos torneios após 21h, além do valor para os conjuntos de fichas de jogo. As partidas são realizadas às segundas, terças e quintas, a partir das 20h. Há também torneios aos sábados à tarde.
“As pessoas pensam que pôquer é algo para ricos, no mesmo nível do golfe, do tênis, do kart. Mas não é assim, temos pessoas das mais diversas classes sociais. São valores baixos, as pessoas que jogam não vivem do pôquer, mas querem o ambiente profissional, o clima profissional. Então trazemos tudo isto para elas”, explica Plotegher.
O ambiente é completamente profissional, simulando as glamourosas mesas de pôquer que ficaram famosas na cultura pop. Decoração temática, confortáveis cadeiras giratórias com encosto alto, iluminação fraca e três luminárias direcionadas em cada uma das diversas mesas. As fichas são feitas de cerâmica, em formato oficial, e quem distribui as cartas são “dealers” contratados.
Com os baixos valores, é preciso se “esforçar” muito para um jogador perder R$ 100 em uma noite. Os torneios duram mais de 3h e as premiações giram em torno de R$ 1 mil. Uma das principais maneiras de o clube ganhar dinheiro é com os lanches e as bebidas da cantina e até com os jantares organizados às terças e quintas.
Plotegher calcula que cerca de 200 pessoas jogam regularmente no Royal. A faixa etária é bastante diversa, com jogadores entre 23 e 60 anos. O público é predominantemente masculino, mas a inclusão de mulheres é crescente. “Tentamos incluir mais mulheres com isenção na taxa de inscrição. Algumas jogam regularmente. Muitos casais também vem jogar. O ambiente é muito respeitoso, e existem rivalidades que são sempre sadias”, explica.
O clube possui rankings anuais e semestrais, e os primeiros colocados recebem prêmios. Ao fim do ano, o vencedor leva um MacBook, enquanto o segundo e o terceiro colocado faturam relógios de luxo.
O nome Royal vem da jogada mais poderosa do pôquer: o Royal Flush. É quando a mão do jogador, combinada com as cartas na mesa, formam a sequência ás-rei-dama-valete-10 com o mesmo naipe. “Mas tem gente que joga aqui há 10 anos e nunca fez um Royal Flush”, ri Plotegher.
Do online à administração do Royal
Ricardo Plotegher começou a jogar pôquer com amigos, em casa, em partidas sem nenhuma pretensão. Após pegar o gosto, começou a jogar pôquer online, e daí partiu para campeonatos continentais e nacionais. Apesar de não ter conquistado grandes resultados, afirma que valeram a experiência e os contatos e amizades com grandes nomes do jogo.
Hoje, Plotegher se reserva mais a administrar o clube e a conviver com seus amigos no Royal, e explica que não tem mais tempo de jogar como mais gosta. “É um hobby que demanda muito tempo. Eventos maiores te exigem dois, três dias, dedicados exclusivamente àquilo”.
Apesar de ter começado no pôquer online e de ainda jogar na internet, o empresário avisa que pode ser um hábito perigoso. Enquanto o jogo presencial tem hora e lugar para terminar, o online só depende da vontade do jogador para ser encerrado. “É algo que fica disponível sempre, tem menos limites, você joga com o notebook no colo, no sofá da sala. Então é mais nocivo, e é fácil viciar”.
A mãezona do pôquer
A mãe de Ricardo Plotegher é também considerada a mãezona dos jogadores no Royal. Vera Lúcia Plotegher começou a jogar pôquer em sua versão online, com seu filho. Foi paixão à primeira vista, e não teve problema nenhum em apoiar o filho “Nossa família adora um jogo, é toda de jogo. É um prazer para mim estar aqui, o clima é muito bom”, conta.
Aos 62 anos, ela cuida do bar e da cozinha do clube e, “quando não tem nada para fazer, vai jogar”. Há inclusive dias em que ela tira o primeiro lugar do torneio, com uma atitude bastante sincera. No pôquer, o blefe é uma arma importante, mas Vera prefere não utilizá-la. Quando não tem um jogo bom, ela desiste, ou como se diz na linguagem típica, “dá fold”. E quando o jogo encaixa e ela tem as cartas que lhe dão grande chance de vencer, não mede apostas. “Quando ela dá all-in [aposta todas as fichas que tem] o pessoal já pula fora, porque sabe que ela vai ganhar”, comenta o filho Ricardo.
Vera destaca a imprevisibilidade do jogo em duas histórias opostas. Na semana anterior a entrevista, ela tinha a alta pontuação de 800 mil em fichas até o intervalo das 22h. Depois do intervalo, a sorte mudou completamente, as decisões não eram mais tão espertas e os jogos não encaixavam mais. A derrota veio tão rápida que ela sequer pôde chegar à final do torneio, mesmo depois de ter estado em alta. “Por outro lado, já cheguei às finais com apenas 30 mil em fichas e consegui ganhar o torneio”, explica.
Em 26 de março, dia da entrevista, Vera estava em terceiro lugar no ranking trimestral. Ela admite, no entanto, que não consegue levar o jogo a sério o tempo todo. “Eu poderia jogar mais sério, ficar concentrada sempre, poderia subir no ranking, mas tem dias em que eu só quero brincar e pronto.”
A ideia de Vera é trazer mais mulheres para o clube, principalmente suas grandes amigas de outros jogos. “Minha turma da cacheta, uma velharada igual a mim, não vem. Sempre chamo. Elas não sabem jogar, mas se viessem uma vez, tenho certeza de que não sairiam mais daqui. Se eu convencer uma, o resto vai vir atrás”, garante.
Estudo e mais estudo
Rafael Alves de Andrade trabalha no clube há um ano, cuidando das redes sociais e é dealer (função de distribuir as cartas e organizar o jogo) freelancer. Aprendeu a jogar pôquer em 2010, participando de partidas sem dinheiro até 2015, quando o campeão brasileiro Rodrigo Garrido abriu um clube em Gaspar, sua cidade natal. A partir de então, Andrade começou a estudar o jogo avidamente, e pretende participar de todas as etapas do campeonato catarinense em 2018.
“O jogo não é nem um pouco simples. Ele é simples se você só quiser brincar. É como xadrez, você pode simplesmente saber as funções de cada peça e ir jogando. Mas é possível descobrir um jogo totalmente diferente se quiser se aprofundar”, compara.
Jogando apenas 20% das mãos que recebe, ele se define como um jogador de estilo “tight agressivo”, que joga apenas quando tem mãos boas, mas que faz grandes apostas. “É o estilo que mais ganha dinheiro”, explica. Seguido do estilo tight agressivo, está o tight passivo, mais cauteloso. O loose passivo fica na terceira posição em termos de chances de lucro, e o loose agressivo é o estilo mais difícil, porque disputa diversas rodadas com apostas grandes, mesmo quando não tem bons jogos. “O loose passivo joga mãos erradas no momento errado, sem blefes.”
“A dona Vera, por exemplo, se encaixa em um estilo tight passivo. É fácil ver o que ela tem, ela aposta quando tem uma boa mão”, avalia Andrade.
Com os estudos aprofundados de pôquer, Andrade afirma que passou a fazer mais planos de vida. Segundo ele, o pôquer é um esporte que premia a longo prazo, as projeções, o planejamento e a estratégia. “Aprendo muito com o pôquer. Acho que todos deveriam tentar aprender.”
Estigma e preconceito
Típico do cassino e cercado pelos chamados “jogos de azar”, o pôquer sofre com um estigma de ser um jogo voltado para pessoas ricas, com alto risco de perda de grandes quantias. Há anos no pôquer, Ricardo Plotheger tem a visão oposta.
“As pessoas não sabem o que é jogo de azar e de sorte. Existe esse preconceito, porque vem à mente a imagem de ambiente com bebida, de grandes perdas de dinheiro. Posso mostrar laudos de criminalística, estudos acadêmicos, quem não quer entender não vai entender. Não adianta.”
Rafael Andrade faz a comparação do pôquer com xadrez e de suas origens no imaginário da sociedade. A atmosfera intelectual do jogo de tabuleiro contrasta com o ambiente boêmio e cercado por jogos que dependem de pura sorte e puro azar. Para ele, parte do preconceito será extinto com o passar das gerações, quando os jovens que jogam pôquer hoje forem pais e avós.
“O xadrez sempre vem com uma propaganda positiva. Você vê um filme com dois intelectuais milionários jogando xadrez, e vê cenas de crime nos cassinos, com pôquer. Pôquer é o único jogo que não é de azar dentro de um cassino. Tem gente que perde tudo jogando canastra, dominó, cacheta, ou pôquer. Tudo depende do que estiver em jogo.”