Por que a Justiça libertou o motorista do acidente que matou motociclista na SC-108
Decisão trouxe comparações com caso Evanio Prestini e gerou dúvidas sobre tratamento dado a condutores alcoolizados
A Justiça concedeu liberdade provisória ao motorista envolvido no acidente que matou Gian Pasta, 31 anos, na madrugada de domingo. Pasta morreu na hora e Gilmar Jandre, 51 anos, havia sido preso em flagrante por embriaguez ao volante, mas deixou a prisão depois da audiência de custódia.
A soltura de Jandre, que é policial militar reformado, causou indignação nas redes sociais. Muitos questionam o motivo da decisão ser diferente em relação a Evanio Prestini, motorista do Jaguar que bateu em um Palio e causou a morte de duas jovens na BR-470, em Gaspar. Prestini também estava alcoolizado.
Se por um lado Prestini teve todos os pedidos de habeas corpus negado, Jandre saiu da prisão no mesmo dia em que bateu a caminhonete na SC-108. Operadores do Direito explicam, porém, que cada situação depende da análise do juiz.
O promotor Odair Tramontin reconhece que a tendência em casos como esse é o condutor ficar preso, mas a análise é caso a caso.
O conjunto de provas no momento da audiência também é importante, complementa a especialista em Direito de Trânsito Márcia Pontes. Prestini já havia sido multado por cometer diversas infrações (em uma delas invadiu um bar com o veículo), foi filmado ao lado de bebidas horas antes do acidente e dirigindo em zigue-zague naquela madrugada.
No domingo, Jandre fez dois testes do bafômetro da Polícia Militar Rodoviária. O primeiro acusou 0,42 mg/L. O segundo, 50 minutos depois, apontou 0,37 mg/L. O advogado criminalista Rodrigo Novelli salienta que só o resultado positivo não é motivo suficiente para manter alguém atrás das grades.
“Mesmo com fatos semelhantes, as circunstâncias são diferentes, pode haver situações que o juiz entenda que naquele caso não mereça ser imposta uma prisão, pelo menos não naquele momento. Mas mesmo que a pessoa responda em liberdade, isso não isenta ela de uma futura prisão”, exemplifica Novelli.
O juiz Juliano Rafael Bogo, da 1ª Vara Criminal, explicou na decisão dele que não houve comprovação de que o PM representaria um perigo à sociedade. Além disso, frisou que a gravidade do crime e a repercussão social não são “fundamentos suficientes para decretação da prisão preventiva”.
Bogo também citou que, apesar de Jandre ter sido condenado em 2016 por violência doméstica, ele não responde a outros processos e não há indícios de histórico de infrações de trânsito. O PM acumulou, entre 2014 e 2017, 46 pontos na carteira por infrações como ultrapassagem em linha dupla contínua e direção acima da velocidade (20%) – em um dos anos chegou a somar 20 pontos.
“Logo, tratando-se de evento decorrente, ao que tudo indica, de conduta imprudente,
porque efetuou uma manobra de conversão sem as cautelas necessárias, não há
que se falar em risco de reiteração criminosa, a justificar a prisão preventiva”, finalizou o magistrado.
O acidente
Jandre declarou aos policiais que estava em direção a Massaranduba quando reduziu a velocidade e viu o motociclista. Como não enxergou pelos espelhos retrovisores outros veículos próximos, virou à esquerda, sem utilizar o acostamento. Com isso, bloqueou a passagem de Gian, que chegou a tentar desviar pela direita, mas não conseguiu evitar a batida frontal.
O PM deve responder por homicídio culposo ao volante, com o agravante da embriaguez. Para este crime de trânsito a pena varia de cinco a oito anos, com suspensão do direito de dirigir.
“Em tese, todas as pessoas que bebem e dirigem e matam vão responder por homicídio culposo, que é uma pena menor. E elas têm o direito de responder em liberdade, a não ser que tenha sido condenada por crime de trânsito ou que toda hora esteja causando acidente. O juiz olha a ‘ficha’ da pessoa”, detalha Márcia.
A reportagem tentou contato com o defensor público que o representa, mas ele não estava na instituição.
Comoção pública
Para Novelli, a opinião pública jamais pode pautar um juiz, mas reconhece que cada pessoa pode entender um mesmo fato de maneiras diferentes. Por isso existe a possibilidade do recurso na esfera jurídica.
Márcia acredita que a comoção pública não é determinante, mas é uma forma de mobilização e que deve partir da família.
“Não é a comoção popular que mantêm uma pessoa presa, são as provas do processo”, conclui.