Preconceito e cultura de “fugir do médico” prejudicam saúde dos homens
Especialistas dizem que os homens ainda vão pouco ao urologista por cultura de "fugir do médico"
Especialistas dizem que os homens ainda vão pouco ao urologista por cultura de "fugir do médico"
Criado em 2003, o Novembro Azul ainda engatinha no Brasil.. O principal desafio do movimento não é reduzir os números da incidência de câncer próstata (o foco da campanha) e de outras doenças que acometem os homens, mas mudar a cultura do público masculino – que se preocupa pouco com a saúde. A diminuição das enfermidades será uma consequência disto, porém, alcançar este objetivo é uma tarefa difícil, na opinião de especialistas.
O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer que mais atinge os homens no Brasil. Fica atrás apenas do câncer de pele do tipo não melanoma. Segundo números do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2014, 68,8 mil homens foram diagnosticados com a doença. Ou seja, 7,8 pacientes receberam a notícia de que estavam doentes a cada hora.
Em números absolutos, o câncer de próstata é o sexto mais comum entre ambos os sexos. É a quarta causa de morte por câncer no Brasil, e corresponde a 6% do total de óbitos deste grupo, conforme dados do governo federal. Em comparação com as mulheres, há mais casos da doença na próstata do que nas mamas, o que dá a dimensão do problema a ser enfrentado.
Embora tenha um alto índice de resolutibilidade – 90% -, um em cada 36 homens deve morrer de câncer de próstata. É uma estatística que não pode ser ignorada pelos serviços de saúde, por isso o SUS em todo o Brasil abraçou o Novembro Azul para tentar diminuir o número de perdas por causa da doença.
Parte destas mortes podem ser consideradas evitáveis. O urologista Humberto Teruo Eto explica que o câncer de próstata não tem sintomas nas suas fases iniciais. “Este é o grande problema. Como ele não tem sintoma, se descobre no estado avançado, por isso tem que se fazer a prevenção”, diz o médico.
A luta do urologista, da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e de outras entidades médicas, é para acabar com o preconceito. Eto comenta que a cultura de não ir ao médico ainda está enraizada nos homens. “O homem acha que nunca vai ter problema nenhum, acha que é o super-homem. E este é um grande problema, porque ele não faz prevenção e, de maneira geral, não se cuida”, diz o especialista.
Eto afirma, com a sua experiência de vários anos no consultório, que de modo geral os homens não vão ao médico regularmente. A mesma pesquisa da sociedade de urologia mostra que 51% dos homens nunca visitaram o urologista, uma especialidade importante a partir dos 45 anos para o público masculino.
É por este motivo que que quando o paciente vai ao consultório o médico diz que aproveita para pedir exames de sangue, colesterol, triglicerídeos e outros, para fazer o chamado “check-up”. O ideal seria que eles chegassem com estes testes já feitos e com histórico para comparação, mas, de modo geral, é difícil de isto acontecer.
A diretora da Atenção Básica da Secretaria de Saúde de Brusque, Valquíria Kohler, também identifica que os homens são mais reticentes em ir ao médico. “O homem da região é criado para pensar que ele é a pessoa forte”, afirma.
Segundo Valquíria, as mulheres representam a maioria dos atendimentos na rede pública de saúde do município. A proporcionalidade da população é determinante, mas também a cultura de “fugir dos médicos”, mesmo com as estatísticas incitando-os a fazer o contrário.
Conscientização na rede pública
A diretora da Atenção Básica explica que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município realizaram uma série de ações de conscientização relacionada ao Novembro Azul. São realizados exames em homens em algumas unidades em período estendido. A decoração do Centro de Serviços em Saúde e das UBS também foram feitas para lembrar o Novembro Azul.
A secretária de Saúde, Ivonir Zanatta Webster, a Crespa, diz que as ações visando a saúde do homem são intensificadas em novembro, porém, o atendimento e a preocupação devem ocorrer o ano todo. “Ele pode procurar a sua unidade de saúde qualquer dia do ano para cuidar da sua saúde. Lembro, ainda, que quanto mais cedo fazer o diagnóstico, mais cedo começamos o tratamento e o resultado final será satisfatório”, afirma.
62%
dos casos de câncer de próstata atingem homens acima dos 65 anos
90%
Taxa de cura do câncer de próstata se descoberto no início
Prevenção, diagnóstico e tratamento
De modo geral, não se pode dizer que exista prevenção ao câncer de próstata. Mas alguns fatores que predispõe o homem a esta doença, explica o médico Humberto Teruo Eto. A má alimentação é um dos principais fatores. Alimentos muito gordurosos são prejudiciais à saúde. Obesos também fazer parte de um grupo de risco ainda maior. O tabagismo e o sedentarismo completam a lista.
O urologista diz que, basicamente, o que é bom para o coração é bom para a próstata. “A próstata não fica lá isolada, tudo é uma coisa só. Temos que pensar no corpo como um conjunto e tratar tudo ao mesmo tempo”, diz. Por isso, ele recomenda comer bem, com uma dieta rica em legumes, vegetais e pouca gordura, e que se faça exercícios físicos.
Se não há fórmula mágica para evitar o câncer de próstata, a melhor maneira de combatê-lo é diagnosticá-lo precocemente. Recomenda-se que afrodescendentes ou homens que tenham histórico da doença na família façam o exame anualmente a partir dos 45 anos de idade. Quem não se encaixa neste perfil deve procurar o urologista a partir dos 50. “A gente tem que insistir para que o homem procure o médico porque se a gente descobre o câncer cedo, ele tem até 90% de chance de cura”, afirma o médico.
Há três formas de diagnóstico. A primeira é o exame de Antígeno Prostático Específico (PSA, sigla em inglês). É o famoso exame de sangue. Basicamente, se o índice for acima do normal há motivo para preocupação. No entanto, Eto afirma que o PSA é importante, porém, não deve ser aplicado sozinho. Isto porque a taxa de erro é de 15% a 20%, de acordo com o urologista.
“Até 20% dos homens com câncer de próstata têm o PSA baixo. Ele serve para pegar de maneira geral, porque não tem como fazer o exame de toque em todos. Se conseguirmos fazer o exame de sangue, quem sabe consigamos pegar alguma coisa. Mas ainda assim alguns passam, porque a taxa de 20% é muito alta”, diz.
O segundo modo de diagnóstico é o exame de toque – motivo de preconceito. Embora seja muito comentado por tratar da sexualidade do homem, o médico diz que não há motivo para alarde. O teste é indolor e dura poucos segundos. Ele é mais eficaz do que o PSA. O médico afirma que alguns pacientes chegam a sair do consultório quando sabem do procedimento preventivo, porém, não é algo muito comum.
Valquíria, da Secretaria de Saúde, diz que ainda existe muito preconceito com o exame de toque. “Tem uns homens que é só ouvir em exame de toque e já saem”, afirma. A rede pública oferece tanto o PSA quanto o exame manual. Dois urologistas do SUS atendem Brusque.
O terceiro modo de detecção é a biopsia, mas este é pouco usado. Ele é empregado somente quando há alguma suspeita mais forte da doença. A grosso modo, é tirado um pedaço da próstata para análise. O tratamento é feito com radioterapia, medicamentos ou cirurgia.
“É uma lambada saber que você tem câncer, você fica perdido”
Érico Avosani, 57 anos, é um exemplo de que o exame rotineiro é muito importante para combater o câncer de próstata. Ele teve a doença há nove anos e conseguiu se curar graças a um diagnóstico precoce e agora recomenda que todos consultem o urologista regularmente.
Avosani tem histórico de câncer na família: seu pai morreu de câncer de próstata e outros cinco tios também morreram por causa da doença, mas não necessariamente na próstata. Este é um dos indicadores mais importantes, assim como a idade. Ele conta que sempre teve medo da doença, por isso a partir dos 40 anos já começou a ir ao urologista. Por oito anos, os resultados foram normais.
Em 2006, quando ele tinha 48 anos, isto mudou. Ele fez o PSA (exame de sangue) e o de toque e não apresentou alteração. Ainda assim, foi necessário fazer a biopsia para saber se havia algo de errado. E tinha: três tumores malignos. “É uma lambada saber que você tem câncer, você fica perdido”, recorda. Por três meses, somente Avosani e sua mulher, Graciela Souto, sabiam da doença e mantiveram segredo dos demais.
O período foi complicado, diz, mas poderia ter sido pior. Ele afirma que o apoio da esposa foi fundamental para enfrentar a situação. No quarto mês, ele contou para as outras pessoas e o que ele recebeu foi uma enxurrada de más notícias. Todos falavam que ele ficaria sexualmente impotente e que teria incontinência urinária, entre outros problemas.
Avosani, com o apoio da mulher e das duas filhas, submeteu-se à cirurgia no quarto mês após saber da doença. Até hoje, não voltou. Ele acredita que se não tivesse feito o exame, não teria descoberto em tempo e poderia estar morto. Curado, o homem procura conscientizar amigos e familiares sobre a importância do exame de toque. Ele afirma que muitos fazem piada e tem preconceito, mas o teste pode salvar uma vida.
Quem deve fazer o exame
a partir dos 45 anos
Afrodescentes ou homens com histórico de câncer na família
a partir dos 50 anos
Homens de modo geral que se encaixam na outra categoria