Após proibir venda de cachorrões, prefeitura recua e autoriza trabalho após às 22 horas
Cerca de 30 ambulantes cobraram explicações do governo ontem à tarde; Câmara trabalha na regulamentação da atividade
Cerca de 30 ambulantes que atuam vendendo lanches em Brusque estiveram na prefeitura na tarde desta terça-feira, 5, em busca de respostas.
Na noite de sexta-feira, fiscais do Instituto Brusquense de Planejamento (Ibplan) foram até os carrinhos localizados no Centro, acompanhados de dois policiais militares, para entregar notificação informando que a partir desta terça-feira, eles estariam proibidos de trabalhar.
Ao receberem a notificação, eles não foram informados dos motivos da proibição, apenas tiveram 24 horas úteis para acatar a decisão, sob pena de terem os carros guinchados e os alimentos recolhidos.
Os ambulantes ficaram boa parte da tarde esperando uma justificativa da prefeitura para o que aconteceu.
No início, foram atendidos pela procuradora Sônia Crespi, que não sabia informar o porquê da notificação, já que o projeto de lei que foi encaminhado para a Câmara de Vereadores no dia 30 de junho com o objetivo de regularizar a situação dos ambulantes no município ainda nem foi votado.
Sônia afirma que os vereadores protocolaram somente na segunda-feira, 4, emendas modificativas ao projeto de lei que regulariza os ambulantes. “Temos uma cobrança do Ministério Público desde 2015 para regularizar os ambulantes, mas o projeto está parado na Câmara”.
Após muita discussão e perguntas sem resposta, a procuradora solicitou que os ambulantes aguardassem até o fim de uma reunião que estava acontecendo no gabinete do prefeito Jonas Paegle sobre o assunto para terem os esclarecimentos.
Horas depois, o Procurador geral do município, Edson Ristow, entrou na sala para conversar com os ambulantes. Ristow afirmou que a atuação dos ambulantes em Brusque é ilegal e que, por este motivo, a prefeitura enviou projeto à Câmara para fazer a regulamentação.
“Temos uma lei que proíbe este tipo de atividade em vias públicas, com obstrução de calçadas, como acontece hoje. Ou regularizamos para o bem, ou a categoria fecha. Não tem como permitir um modus operandi ilegal na cidade”, diz.
Os ambulantes alegaram que em reunião com os vereadores que fazem parte da comissão que analisa o projeto na Câmara – Marcos Deichmann (Patriotas), Ana Helena Boos (PP) e Deivis da Silva (PMDB) – há cerca de um mês, foi combinado que seria dado um prazo de um ano para arrumarem um espaço para alocar os carrinhos ou então regularizarem a situação. Porém, com a notificação da prefeitura, isso não aconteceu.
“Nós queremos regularizar, queremos fazer as coisas certas para poder trabalhar sem problemas, mas ficou por isso mesmo e agora estamos proibidos de trabalhar. Não nos deram opção”, destaca Daniela da Silva, que trabalha vendendo cachorro-quente.
Ristow explica que para que haja a regularização, é preciso que os vereadores aprovem o projeto. Porém, ele não deixou claro de quem partiu a ordem de proibir o comércio de cachorro-quente e afins em Brusque a partir de ontem, quando questionado pela reportagem de O Município.
“Este assunto não estava na Procuradoria, exceto pela lei que foi feita para regularizar os ambulantes. A atividade é ilegal como está e precisa da aprovação da Câmara. Não pode causar prejuízo para outras atividades, mas há espaço para todos dentro dos limites da lei”.
Só a partir das 22 horas
Por fim, prefeitura e ambulantes entraram em um ‘acordo’. Ristow autorizou a continuidade do comércio de ambulantes em Brusque até que o projeto de lei seja votado, entretanto, o início da atividade deve ser a partir das 22h e não a partir das 18h30, como acontecia com a maioria. “Vamos fazer um acordo precário, até que se aprove a lei, não vamos impedir que essas pessoas trabalhem. Esta é uma prerrogativa que colocamos na mesa para evitar conflitos desnecessários”.
Em casos em que o carrinho de cachorro-quente está dentro de um terreno particular, a prefeitura não poderá interferir no horário de funcionamento. O prazo acordado é somente para aqueles que ocupam as vagas de estacionamento na rua.
Prefeitura x Câmara
Durante a reunião com os ambulantes, a prefeitura informou que às 17h de segunda-feira, 4, a Câmara protocolou um ofício sugerindo alterações no projeto que foi enviado à votação. Entre as alterações, segundo a prefeitura, os vereadores sugeriram a exclusão dos ambulantes classificados como tipo A – justamente os que trabalham com os carrinhos na área central e em alguns bairros.
Membro da Comissão de Constituição e Redação, que analisa o projeto de lei antes de enviar à votação, a vereadora Ana Helena Boos nega que foi sugerida a retirada desta categoria do projeto. “Em momento algum foi retirado o ambulante tipo A. O que estamos discutindo no projeto é sobre espaço público e privado, não a retirada dos ambulantes”, afirma.
Ana destaca que a comissão tem trabalhado para que o projeto de lei que será enviado à votação realmente possa ser aplicado. “Estamos há 20 anos sem essa regulamentação. O projeto está em trâmite de forma consciente, não seria em três meses que poderíamos aprovar esta lei”.
A vereadora diz que assim como os ambulantes, os membros da comissão também foram pegos de surpresa com a notificação expedida na sexta-feira. “A própria prefeitura está descumprindo a legislação. Nessa situação, dois tipos de prazos podem ser cumpridos: o do Código Tributário, que estipula o prazo de dez dias e o Estatuto do Microempreendedor Individual (MEI) que dá 30 dias. Mas foi dado 24 horas para eles”.
“Também geramos emprego”
Surpreendidos pela notificação, os ambulantes ficaram sem saber o que fazer. A maioria sustenta a família com a renda vinda da venda dos cachorros-quentes e outros lanches.
Antônio José Pereira Filho, o Pelé, atua na atividade há mais de dez anos. Hoje, além da barraquinha ao lado do Magazine Luíza, ele também tem uma lanchonete com ponto fixo. A clientela fiel, entretanto, é do cachorrão na rua.
“Na barraca eu tenho dois empregados que ficam ali, também estou gerando empregos. Tem muita gente que prefere comer ali, nos banquinhos, e para muitos que não têm poder aquisitivo, essa é a única opção de lanche”, diz.
Sidineia Ramos vende cachorro-quente no Águas Claras há cinco anos. Essa foi a alternativa que ela encontrou para sustentar os filhos, depois da separação do marido. “Naquela época, vim na prefeitura pedir sacolão porque não tinha como sustentar meus filhos, mas não consegui nada. Daí tive a ideia de fazer cachorro-quente pra vender”.
Ela conta que comprou o carrinho parcelado em 20 vezes e que o início não foi fácil, mas graças a isso, consegue sustentar a casa. “Faz cinco meses que terminei de pagar o carrinho. Agora que está começando a dar lucro. Se não puder trabalhar, como vou fazer? Vou passar fome?”, questiona.
Há um ano e meio, vender cachorro-quente na rua também foi a solução para o casal Gidresio Capistrano e Carmem Zavagli Cattani. Ele ficou desempregado e o filho do casal tem problema grave de saúde.
“Trabalho em frente ao Itaú. O ponto ali já existe há 30 anos, só estamos dando sequência. É dali que sai o dinheiro para pagar os remédios do meu filho que sofre com convulsões. Como minha esposa não pode trabalhar, também dou emprego para o José, que me ajuda”.