Preso era mantido como ‘escravo particular’ de agente prisional em Itajaí, diz MP-SC; veja detalhes do caso
Caso foi descoberto em 2017, mas processo administrativo contra o policial foi aberto apenas neste ano
Caso foi descoberto em 2017, mas processo administrativo contra o policial foi aberto apenas neste ano
Em janeiro deste ano, a Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa (SAP) de Santa Catarina abriu um procedimento administrativo para investigar um policial penal de Itajaí, denunciado por manter em sua própria casa um detento como escravo particular durante oito anos.
O Ministério Público (MPSC) denunciou o caso em 2018, mesmo ano em que uma sindicância da Secretaria de Justiça e Cidadania recomendou a abertura de um procedimento disciplinar contra o policial, iniciado apenas em 2022.
O Município teve acesso à denúncia do Ministério Público, que traz detalhes sobre as condições em que Antônio Arnaldo dos Santos era mantido até pouco antes de sua morte, cerca de quatro meses depois de voltar para a prisão.
Antônio foi preso em 2006, quando confessou um assassinato cometido após uma briga de bar. Na ocasião, ele foi condenado a 12 anos e seis meses de prisão em regime fechado.
Em 2008, Antônio foi autorizado a cumprir pena em regime domiciliar, pois contraiu tuberculose pulmonar e as condições do presídio não eram favoráveis para sua recuperação. Entretanto, ele deveria comprovar seu estado de saúde e a evolução do tratamento para o judiciário.
Como Antônio não cumpriu o acordo, em 2015 perdeu o benefício e teve a prisão decretada. Ele foi considerado foragido da Justiça, até ser localizado em 2017 na casa do agente prisional Galeno de Castro.
Em depoimento na delegacia, Antônio contou que cumpriu a prisão domiciliar durante dois meses na casa da irmã, até ser procurado por Galeno de Castro que apresentou um documento, afirmando que a partir daquele momento Antônio “era preso dele e não mais do Estado”.
Antônio foi trabalhar como caseiro do policial. No local, trabalhou durante oito anos sem receber remuneração, apenas moradia. No início dos anos 2000, Antônio já havia prestado serviços para Galeno, em condições semelhantes.
À época do depoimento, Antônio disse aos policiais “que das outras vezes podia sair rápido e ir até o bar ou visitar seus familiares, porém desta vez foi proibido até mesmo de frequentar a igreja que ficava próxima a casa, mesmo que fosse levado pelos missionários da igreja”.
Ele também relatou que em um ano chegou a ganhar cerca de R$ 100, mas precisou pedir ao policial sob a justificativa de que queria ver a família. “Às vezes fazia trabalhos escondidos na vizinhança para ganhar roupas e algum dinheiro, que escondia, para comprar alguns alimentos que também escondia”.
Ele iniciava no trabalho às 7h30 e parava por volta das 21h30. No domingo, trabalhava até às 16h. Antônio relatou ainda que não existia feriado e nunca parou um Natal nem em Ano Novo e que “por várias vezes necessitava deslocar de madrugada, sendo chamado para verificar como estavam os cachorros”. Ele também contou que era conhecido na região como “preso do Galeno”.
Analfabeto, ele afirmou que acreditou que tinha que cumprir a prisão domiciliar na casa do policial, por isso, nunca questionou.
De acordo com o Ministério Público, o policial encaminhou os relatórios de saúde de Antônio por algum tempo, mas depois deixou de fazê-lo, o que motivou a revogação da prisão domiciliar.
Antônio foi localizado pela polícia somente em 2017, na casa do policial. Na época, ele afirmou que sequer sabia que estava sendo considerado foragido da Justiça. No momento da prisão, inclusive, a esposa de Galeno teria dito aos policiais que não poderiam levá-lo “porque ele não era preso do Estado, era preso do Galeno”.
Antônio foi levado de volta para o presídio, mas morreu cerca de quatro meses depois, aos 42 anos.
Galeno de Castro está aposentado desde 2020 e, na denúncia, o Ministério Público (MP-SC) pede a anulação do benefício do ex-servidor público, pois ele teria se enriquecido de forma irregular.
“prevalecendo do cargo de agente penitenciário, subjugou o sentenciado agraciado pela prisão domiciliar a lhe prestar serviços como trabalhador doméstico em tempo integral, sem qualquer descanso ou remuneração, verdadeiramente como seu ‘preso particular’, servindo-lhe para assuntos estritamente pessoais e alheios ao interesse público”.
O órgão também pede a suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos e pagamento de multa de até três vezes o valor que recebia como agente prisional.
A defesa de Galeno de Castro se manifestou em petição no processo aberto pelo MP-SC. No documento, o advogado alega que Antônio foi para a casa do policial por vontade própria, “pois foi relegado pela família pelo seu precário estado de saúde, com o preconceito de um tuberculoso ex-alcoólatra”.
A defesa argumenta ainda que Antônio “era tratado como membro da família” e que Galeno “sempre cuidou da saúde dele”.
Em vídeo gravado em audiência após a morte de Antônio, Galeno afirma que “o presídio inteiro sabia da situação”.