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Primavera em Outubro

Ela chegou desprevenida e descontínua. Já em finais de agosto rodeou minha sacada de amarelos e lilases. Depois fechou-se, achei que tinha se dado conta que não era o período de florir. Mas, que nada…antes de iniciar setembro, em saraivada de sementes e perfumes as orquídeas desabrocharam atrevidas e imponentes. Minha mudinha tímida de ora pro nobis, cresceu em fúria e já quase toma conta do jardim. Salsinhas, babosas, azedinhas…até mesmo os capins-de-cheiro povoam o espaço cercado de telas para que não fujam meus gatos. Que, aliás jogaram-se do quarto andar no mês passado…Sério, os passarinhos que rodeiam minha morada, fizeram eles acreditarem que podiam voar…esses louquinhos. Mas, voltando a primavera, sinto-a se anunciando mesmo, agora em outubro quando minhas amantes preferidas começam a desabrochar…minhas amarílis vermelhas, presente de meu amado Osmar, já fazem quase 20 anos. Todos os anos se apresentam e me dizem que nosso amor realmente existiu e foi lindo como elas…São potentes, quase fálicas. Seus talos começam a crescer com tanta insinuação que chegam a gerar indecência. Eretos, não se deixam abater nem mesmo pelo sol. São decididos, sabem exatamente para onde ir, linha reta a conquistar o mundo e o espaço perfeito para que a flor se abra e dela surjam as mais belas flores da imperatriz. Reinam absolutas em meu jardim e na minha alma. Seus pistilos revelam a delicadeza de seus segredos, em contraste com o poder carmim de pétalas gigantes. A origem grega de seu nome, amarusso, significa eu brilho, e como brilha! Conheço seu tempo e sei que terei no máximo uma semana para usufruir de sua grandiosidade. Aproveito essa semana para, também eu, apoderar-me de minha maturação. Para também brilhar nessa primavera de luzes e revelações, reconheço meus bulbos, rego minhas pétalas e aposto em meus pistilos recorrentes. Observo que meu vermelho já não é mais tão carmim, e me contento com a serenidade de pétalas mais tangíveis, alaranjando-se com a maturidade de minhas efervescências. Junto com minhas açucenas, na primavera saio do recolhimento do inverno, e passo a entregar-me ao sabor da vida, ao perfume afetivo das pessoas que povoam minha plantação, e aproveito, este momento tão precioso, para novamente preparar meu solo e jogar sementes… para que floresçam anarquias desvairadas e máculas extrovertidas.


Silvia Teske
– artista