Processo de aceitação do suicídio é doloroso e pode afetar a saúde mental dos familiares

Psicólogo orienta sobre como familiares e amigos podem lidar com o luto

Processo de aceitação do suicídio é doloroso e pode afetar a saúde mental dos familiares

Psicólogo orienta sobre como familiares e amigos podem lidar com o luto

Perder uma pessoa próxima não é fácil. Perder uma pessoa em decorrência do suicídio é ainda pior. O caminho entre a notícia da morte e a aceitação é extremamente doloroso e sofrido e pode, inclusive, afetar a saúde mental dos que ficam.

O ato solitário e extremo tem um efeito devastador nos familiares e amigos próximos. Um estudo da Universidade do Kentucky, nos Estados Unidos, revela que aproximadamente 135 pessoas são impactadas com um único suicídio. 

O duro processo de aceitação

Passados quatro anos da morte do irmão, Paula (nome fictício) ainda sofre e tem dificuldade de aceitar o que aconteceu. Ela havia dado a luz a poucos dias, quando recebeu a notícia de que o irmão, João (nome fictício), havia tentado o suicídio.

“Naquele dia parece que eu sabia que alguma coisa ia acontecer. Eu chorava muito, estava até com medo que tivesse com depressão pós-parto porque eu tinha acabado de ter minha filha, quando veio o telefonema da sogra dele, dizendo que ele estava passando mal”.

O marido de Paula foi até lá e só horas depois contou o que havia acontecido. “Era umas 15 horas quando meu marido me falou o que ele fez. Ele foi para o hospital, mas as chances de sobreviver eram poucas. Eu não acreditava no que estava acontecendo”.

Paula diz que na hora, e por muito tempo, se questionou sobre o motivo que o levou a cometer o ato extremo e também o culpou por não pensar no sofrimento causado em toda família.

”Na hora você só pensa no porquê. Que ele não podia ter feito isso, que não pensou no pai e na mãe. No primeiro momento, eu só quis culpá-lo. Ele não podia ter feito aquilo, ainda mais num momento que a gente estava tão feliz com o nascimento da minha filha”.

João chegou a ficar cinco dias no hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Paula afirma que ele nunca deu nenhum sinal de que estava sofrendo. Inclusive, no dia anterior ao ato, ele foi até a casa de Paula para visitar a sobrinha recém-nascida e aparentava estar feliz. 

“Ele era muito alegre. Não dava para entender. Deve ter sido uma depressão silenciosa porque ninguém nunca viu nada nele. Ele saiu daqui rindo, brincando e no outro dia recebemos a notícia”.

Paula diz que a família sofreu muito com a morte do irmão. Sua mãe foi a mais afetada e pouco tempo depois adoeceu e faleceu. “Ela não queria comer, ficou depressiva. Um ano e três meses depois ela faleceu de câncer, mas o médico sempre disse que o câncer que estava no pulmão dela era um câncer de dez anos, que estava parado e com a tristeza dela avançou muito rápido”.

Paula diz que o primeiro ano foi extremamente doloroso para toda a família, e até hoje ela não aceita o que aconteceu. “O sentimento de perda é terrível. Eu consigo aceitar a morte da minha mãe, mas do meu irmão, não. Eu penso nele todos os dias”, diz. 

“É uma coisa que ninguém espera, Você sempre pensa que pode acontecer com a família dos outros, nunca com a tua família. O mais difícil de tudo é aceitar que uma pessoa da tua família fez para morrer. Não é algo que aconteceu, ele provocou. Isso machuca muito”, completa.

Cicatrização lenta

O psicólogo Fillipe Martineghi diz que o impacto do sofrimento vivido após o suicídio para os familiares é enorme, podendo afetar a saúde mental e física dos enlutados, aumentando a vulnerabilidade para depressão, estresse pós-traumático e ansiedade, além do medo da possibilidade de outra pessoa próxima pôr fim a própria vida.

Ele explica que como em todo processo de luto, a pessoa precisa inicialmente conseguir aceitar a perda, expressar as emoções e os sentimentos decorrentes dela. “No caso do suicídio, o processo de luto tende a ser mais intenso e duradouro. Ocorre um lento processo de cicatrização, no qual a dificuldade da aceitação da morte é maior, podendo, em muitos casos, levar a pessoa enlutada à depressão”.

Martineghi diz que é importante a família tentar compreender que o ato suicida foi uma decisão da pessoa e não de quem ficou, por isso, os familiares devem procurar não se culpar por não terem percebido a situação a tempo de oferecer ajuda. 

“Além disso, é preciso tentar encontrar formas de viver com a ausência da pessoa, se acostumar com a saudade e até mudar a rotina. Para isso, fazer atividades que tragam prazer e estar próximo de amigos e pessoas queridas pode ajudar”.

O psicólogo afirma que é fundamental que a família busque uma rede de apoio nesses momentos, tanto de amigos e familiares com quem possam contar. “Muitas vezes, se necessário, buscar ajuda profissional para minimizar os danos psicológicos relacionados à perda”.

Observe os sinais

Segundo especialistas, pessoas que estão sofrendo transmitem sinais de uma atitude extrema. Confira:

– Há uma mudança brusca de comportamento, a pessoa se isola e deixa de interagir com familiares, amigos e colegas de trabalho.

– Elas começam a pesquisar formas de suicídio.

– Abandonam atividades de lazer sem substituí-las por outras.

– Falam que cometerão suicídio claramente ou dão a entender, com frases como ‘eu sou um incômodo para os outros’, ‘as pessoas ficariam melhor sem mim’, etc.

– No caso de crianças, perdem rendimento escolar.


Exposição nas redes sociais é nociva

É importante que cada vez mais se fale sobre o suicídio como forma de derrubar o tabu e também como prevenção. A campanha Setembro Amarelo foi criada justamente para isso. Entretanto, é preciso responsabilidade.

Expor a forma com que a morte ocorreu, as vítimas e familiares nas redes sociais, por exemplo, tem o efeito contrário e a visibilidade pode se tornar nociva.

Em Blumenau, um caso recente chamou a atenção e trouxe à tona a discussão sobre a exposição de suicídios nos grupos de WhatsApp e demais redes sociais.

Divulgar casos de suicídios nas redes sociais pode ser prejudicial | Foto: Pixabay

Um homem, que sofria de depressão, tirou a própria vida dentro de uma igreja. Imagens do interior da igreja e até fotos dos familiares da vítima circularam em grupos de WhatsApp.

O psicólogo Fillipe Martineghi explica que existe uma política de não divulgar notícias sobre suicídio por um motivo específico: a divulgação pode reforçar o ato.

“A divulgação do suicídio, além de desrespeitar a família e a própria pessoa que já se foi, pode acabar levando pessoas que estão passando por um momento de sofrimento extremo, a verem o ato como uma saída”.

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