Professor universitário é indiciado por ameaça e assédio sexual contra alunas no Norte de SC
Polícia concluiu a investigação em agosto
Polícia concluiu a investigação em agosto
Por Isabel Lima.
Indiciado por ameaça, perseguição, violência psicológica contra mulher, assédio e importunação sexual contra alunas, Elisandro Lotin de Souza é professor de Direito da Faculdade Guilherme Guimbala (ACE), em Joinville. Ele foi afastado do cargo antes do retorno às aulas neste segundo semestre de 2022.
Segundo o delegado da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami), Pedro Alves, as investigações sobre o caso foram concluídas em 16 de agosto e encaminhadas ao Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC).
Cerca de 18 pessoas prestaram depoimento em pouco mais de um mês de investigação. Em uma das fases do inquérito, no dia 28 de julho, o professor teve o celular apreendido. Naquele momento, a Justiça emitiu medida protetiva para as testemunhas e vítimas do processo e determinou o afastamento dele da instituição de ensino.
Como o processo corre em sigilo por se tratar de crime sexual, a reportagem não teve acesso à quantidade exata de mulheres vitimadas. Pelo menos seis participaram da investigação, de acordo com a professora Carla Schettert, que teria sido a primeira pessoa a receber as denúncias e encaminhar o caso ao MP-SC.
O caso chegou ao MP-SC após a professora de Direito ministrar uma aula sobre assédio e outros crimes sexuais. Para a advogada, que já atuou na Polícia Militar de Santa Catarina, é comum que os estudantes a procurem após alguma aula para tirar dúvidas sobre casos pessoais ou de conhecidos.
Carla é professora da mesma instituição que o acusado. Ela ministra aulas de penal e criminologia. Após uma aula, uma das vítimas a procurou e relatou a situação que, ao primeiro ver da professora, era de um relacionamento tóxico. Mas ao longo da conversa, ela identificou ameaças e outras violações.
“Me surpreendi porque já conheço essa pessoa há muito tempo”, conta sobre quando a aluna mencionou o nome do acusado. Elisandro é sargento aposentado da Polícia Militar. Carla confessa que ficou em dúvida se não seria só um relacionamento entre os dois, o que não seria crime, visto que não existe nenhuma lei que proíba essa ligação.
Carla também é mestranda em psicologia forense na Universidade Tuiuti do Paraná e decidiu estudar assédio sexual no ambiente acadêmico. Para desenvolver o trabalho, ela precisou realizar entrevistas e pediu aos representantes estudantis que informassem aos alunos a procurá-la caso tivessem interesse em compartilhar algum relato.
A pesquisadora conta que se surpreendeu. Doze alunas a procuraram para relatar situações de assédio vindas do mesmo professor. Ela ressalta que todas as conversas aconteceram de forma privada. Elas não sabiam que outras colegas teriam vivido experiências semelhantes. “Só eu sabia quem tinha feito as entrevistas [para o mestrado], não eram amigas, eram falas diferentes”, pontua Carla.
Com base nos relatos recebidos, a professora decidiu levar o caso para o MP-SC. Porém, antes disso perguntou para as alunas. “Algumas quiseram, mas algumas ficaram com medo. Porque o modus operandi dele era ir na casa delas, levar material no trabalho, levar livro”, conta. Segundo a professora, as vítimas se sentem inseguras devido à influência e poder de Elisandro.
Das 12 que prestaram depoimento para a mestranda, seis decidiram seguir em frente com a denúncia, o que motivou outras vítimas e testemunhas a prestarem depoimento. Carla afirma ter juntado fotos, vídeos, prints (fotos da tela) e outras provas das violações.
“Eu, com 27 anos de advocacia, nunca acompanhei nada igual. Fico imaginando que se essas meninas fossem sozinhas, elas estariam liquidadas”, comenta. Para ela, o ambiente da instituição mudou depois do afastamento do professor. Dois lados foram estabelecidos: os que apoiam as vítimas e os que defendem o acusado. Segundo a professora, entre eles estão tanto alunos, quanto outros docentes.
Pedro Alves, delegado do caso, explica que, em casos de envolvimento entre aluno e professor, só há crime quando há abuso de hierarquia. Por exemplo, chantagear uma aluna para sair por ter dado um ponto em alguma disciplina seria assédio.
Como o processo é sigiloso, a reportagem não teve acesso aos detalhes da investigação. Segundo relatos de testemunhas, as chantagens estariam presentes nas relações que o professor estabelecia com alguns estudantes.
A reportagem do jornal O Município Joinville conversou com testemunhas do caso. Uma delas afirma que o acusado teria ligado mais de 30 vezes para uma das vítimas e a procurado no ambiente de trabalho.
Outra testemunha, estudante da ACE, conta que o professor tinha o costume de responder stories (publicações que somem em 24 horas na rede social Instagram) das alunas e conversar no WhatsApp para se aproximar. “Não tenho nenhum outro professor tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino que se aproxime tanto dos discentes”, comenta.
“Sabia que ele assediava mas pensava que não passava de uma atitude antiética por parte dele, não sabia de tudo, então não sabia da grandeza disso tudo”, relata. “Não sei se a faculdade aborda isso junto aos docentes, explicando pra eles que esse tipo de atitude é antiético, mas de qualquer forma, ele deveria saber, nós alunos sabemos”, completa.
O jornal O Município Joinville procurou a defesa do acusado. Os advogados Danúbia Medeiros Bächtold e Guilherme Luciano Vieira, negam as acusações. Eles alegam que o professor “não ofereceu vantagem acadêmica, não ameaçou, não intimidou e não coagiu”. “O que se tem contra o investigado é apenas uma narrativa incriminatória”. A defesa afirma, ainda, que o professor chegou a ter uma relação extraconjugal com uma aluna, consensualmente, mas que não são atos criminosos.
O segundo semestre começou com o professor afastado. Conforme depoimentos recebidos pela reportagem do jornal O Municipio Joinville, vítimas e testemunhas do caso teriam sofrido com comentários vindo de alunos e professores que seriam defensores do acusado. Algumas pensam em desistir do curso, outras já teriam deixado de frequentar aulas de professores amigos do indiciado.
A sensação de repressão levou o Movimento Feminista da Diversidade a realizar um ato de apoio às vítimas em frente à instituição na noite de 11 de agosto. De acordo com uma representante do movimento, Anelise Wisbeck, a manifestação foi organizada para acolher as vítimas. “Elas estão se sentindo intimidadas”, afirma.
As testemunhas ouvidas pela reportagem lembram que foi organizado um grupo de apoio ao professor, mas que acabou perdendo força. De alguma forma, essas pessoas tiveram acesso ao nome dos depoentes. A professora Carla acredita que o próprio acusado, por ter acesso ao processo, teria espalhado essas informações.
Carla inclusive, diz ter sido vítima de calúnia. O boato de que ela seria uma amante do acusado chegou a circular no ambiente da instituição. Já o relato das vítimas não passaria de vingança por que a relação entre elas e o acusado teria acabado.
Elisandro, de 49 anos, é aposentado da Polícia Militar e membro da Associação Nacional de Praças (Anaspra). Ele teria entrado na instituição durante a pandemia, enquanto as aulas ainda eram online.
Bem relacionado, o professor “era sempre muito gentil”, segundo uma testemunha. Para a professora Carla, por ter bom currículo, ser simpático e solícito, “pra muita gente, [ele é] alguém acima de qualquer suspeita”.
Em um áudio que o professor teria enviado a um apoiador, ele assume que era casado até pouco tempo atrás. “Moralmente podem me culpar, moralmente eu aceito a condenação. Agora criminal é um absurdo, não tem o menor fundamento.”, afirma no áudio.
Para os advogados de Elisandro, que confirmaram o casamento do cliente e o caso extraconjulgal com uma das alunas, “o caso ter repercussões sociais, mas os atos não são criminosos”. A defesa do professor ainda afirma que o cliente não foi ouvido no inquérito policial. Segundo a Polícia Civil, ele ainda deve ser ouvido.
O acusado já recebeu o Prêmio Viva, na categoria Eles por Elas, em 2018. Essa premiação nacional reverencia homens que lutam pelos direitos das mulheres. Na ocasião, o indiciado foi reconhecido pela distribuição de uma cartilha contra a violência dentro dos quarteis de polícia.
“Temos um problema grave de violência contra a mulher e homens também precisam se envolver com isso. Estamos vivendo no século XXI e não cabe mais a violência contra a mulher, nem a discriminação.”, teria dito a revista Marie Claire após receber o troféu.
Questionada sobre os procedimentos internos realizados após a denúncia, a ACE afirma “dar fiel cumprimento às ordens das autoridades competentes, e, em razão do sigilo determinado pelas autoridades está impedida de dar maiores detalhes”.
Segundo duas testemunhas, algumas vítimas teriam solicitado apoio do Núcleo de Extensão Maria da Penha, que presta apoio psicológico a mulheres da comunidade vítimas de violência, mas não teriam sido bem atendidas. Sobre isso, a faculdade alega ter feito a apuração e não encontrado registro das solicitações.
“Todos as/os discentes, ao iniciar seu curso de graduação, são instruídos a registrar por escrito suas queixas, dúvidas ou solicitações na secretaria da faculdade, sendo respondidas formalmente dentro de um prazo legal definido pela instituição, e é dessa forma que tomamos ciência dos pleitos de alunas e alunos de todos os cursos”, explica o setor de Direito.
Já sobre o apoio prestado às vítimas, a faculdade afirma repudiar e repelir quaisquer “atos ou condutas que, de qualquer forma, violem ou possam violar a dignidade, a honra, o respeito, a tolerância ou os direitos e garantias mais básicos de quaisquer pessoas, diretamente envolvida nas atividades da Instituição ou pessoas da comunidade”.
De acordo com uma testemunha, “depois de um tempo a instituição disse que colocaria o núcleo de psicologia à disposição das vítimas.” Entretanto, embora o acusado não frequente mais a instituição, ele ainda faz parte do corpo docente. Segundo a professora que descobriu os assédios, todas as provas que ela coletou foram entregues à instituição.
Em resposta ao jornal O Municipio Joinville, a Faculdade Guilherme Guimbala “pondera que não é investigada e que não há qualquer mácula em relação às suas atividades institucionais, sendo que, por não ser investigada, não tem acesso às informações relativas a qualquer procedimento investigatório, e se coloca à disposição para maiores esclarecimentos pertinentes”.
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