Projeto “Eu Vejo Você” promove debate sobre questões raciais em Brusque
Idealizadora da iniciativa destaca a necessidade de dar visibilidade à população negra na cidade
Idealizadora da iniciativa destaca a necessidade de dar visibilidade à população negra na cidade
Estruturado em dezembro do ano passado e lançado em janeiro deste ano, o projeto social “Eu Vejo Você” busca promover um debate sobre questões raciais em Brusque e também fornecer ferramentas no combate ao racismo.
Estudante de Administração Pública, analista de estratégia de inclusão racial da TODXS
e monitora escolar na rede municipal, Shayene Ferreira de Jesus, 20 anos, é uma das responsáveis pelo projeto. Ela mora em Brusque há cerca de três anos, é natural de Salvador e destaca que o “Eu Vejo Você” foi criado pela falta de diálogo sobre questões raciais que ela percebeu na cidade.
“Brusque é tão diversa, mas a gente vê que está faltando diálogo e espaço. Dentro dessa percepção, a gente se juntou para criar o projeto. Temos a missão de sermos um combate ao racismo e também um empoderamento à comunidade negra. Inicialmente, a gente pensou em entrevistas pessoas negras de Brusque, trazer a cultura negra, mas a gente pensou que essa discussão não era só de pessoas pretas”
Shayene ressalta que é importante que a discussão sobre questões raciais na cidade seja feita por todos e o projeto se preocupa em trazer essa pluralidade para a discussão.
“Se a gente quer fazer uma mudança, tem que ser com todo mundo, pessoas brancas e não-brancas, falarem suas visões e perspectivas sobre o racismo”.
Entrevistas foram realizadas em janeiro nas ruas de Brusque para captar a percepção de pessoas aleatoriamente sobre o assunto. As perguntas tentavam entender se a população percebia o racismo na comunidade local.
“Procuramos não perguntar nada muito formal, acadêmico, porque isso não traz a democratização do acesso e não trabalha na intimidade da pessoa. As perguntas eram no sentido de se a pessoa se considerava racista, se a cidade era racista ou se a pessoa tinha alguma vivência”.
Shayene e Viviana Dias Almeida, 25, estudante de arquitetura e designer gráfica, que também organiza o projeto, concluíram, com base nas entrevistas, que “Brusque tem um racismo velado e silencioso, que resulta em uma desvalorização e invisibilidade de outras culturas”.
“A maioria dos brusquenses diziam que não consideravam a cidade racista, mas pessoas de fora diziam o contrário. A gente viu que estava todo mundo em uma bolha social, que a gente não conseguia enxergar o outro. Postamos as entrevistas nas nossas redes sociais e gostamos muito do retorno”.
Um outro eixo do projeto foi feito em março, em parceria com o Senac. A primeira formação era uma roda de conversa sobre mulheres negras. A segunda foi uma oficina para ensinar a fazer turbantes, já em formato digital por causa da pandemia.
Recentemente, o projeto, em parceira com o Instituto Federal (IFC), realizou uma formação antirracista de quase dois meses em prol da movimentação iniciada nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, homem negro, que foi morto por um policial branco, que o asfixiou por nove minutos com o joelho, na cidade de Minneapolis, e desencadeou série de manifestações ao redor do mundo.
“A ideia do projeto é ver o outro, abrir o espaço de diálogo, tirar da zona de conforto. Perceber se a pessoa do lado tem as mesmas condições e oportunidades dentro da cidade”.
Shayene conta que, em pesquisas feitas em grupos de anúncio de empregos no Facebook, o projeto percebeu muitos comentários xenofóbicos.
“Pelo que eu vi, pelas minhas vivências, a gente não está apontando: “Você é negro, não pode ocupar esse espaço”. Mas não há um espaço para que os negros e pessoas que vêm de fora possam se expressar culturalmente. Isso afeta intimamente porque está ligado à nossa identidade racial. A regionalidade é um fator importante como raça e não é discutido na cidade”.
Para uma mudança, Shayene acredita que é necessário reforçar o protagonismo negro na cidade e criar mais oportunidades para que todos tenham condições mais iguais.
“Na semana da consciência negra, em um evento na Fundação Cultural, não percebi o protagonismo de pessoas negras. O sentimento que tinha no espaço era de questionamento por uma falta de protagonismo negro. A mudança vai acontecer a partir da empatia, do diálogo, políticas públicas”.
Um mapeamento está sendo criado para reforçar a necessidade de um sistema de cotas tanto para o Prouni quanto para concursos públicos na cidade.
“É um passo para identificar que existem outras realidades na sociedade. É preciso destaque também as culturas, existe uma diversidade na cidade que precisa ser abordada. A partir disso, vão acontecer mudanças”.