Que três discos de 1997 você levaria para uma ilha deserta?
A brincadeira é antiga (e bem boba!). O que levar para uma ilha deserta, em uma quantidade limitada de determinada categoria de bens? Foi fazendo esta pergunta que cheguei à conclusão de que 1997, ao contrário da década anterior e até ao contrário da cena cinematográfica, foi um ano mais de singles do que de álbuns.
Ou seja, os discos que eu levaria para uma ilha deserta teriam as mesmas faixas tocadas em looping…
Minha escolha pessoal de um trio de discos de 97 começa por aquele que encabeçou a maioria das listas de melhores do ano: Ok Computer, do Radiohead. Um álbum, que diferentemente da afirmação aí acima, é para se ouvir inteiro. Climático, inspirado, o ápice da discografia da banda de Thom Yorke. Há quem não goste (assim como há quem não goste, incluindo myself, do título seguinte da banda, Kid A). Se for para escolher destaques, podemos ficar com Paranoid Android e a suprema Karma Police, com seu clipe inesquecível.
O disco é perfeito para representar uma época de transição, em que o último movimento forte do rock, o grunge, já tinha perdido sua força e frescor e o que dava as cartas era a variedade e até uns cadinhos de experimentação.
O segundo disco do ano tem que ser o terceiro álbum do Oasis, Be Here Now. A banda já estava totalmente consolidada como a principal representante do rock inglês dos anos 90 e trouxe, para 97, hits como Stand by Me, Don’t Go Away e a faixa título. Reouvir é reencontrar uma sonoridade que traz memórias perfeitas e um balanço perfeito entre o rock e o pop de boa qualidade. Pena que os irmãos Gallagher tenham transformado a banda em um ringue circense. Egos, sempre eles…
Meu terceiro disco “ilhável” é um trabalho subestimado de David Bowie, Earthling, em que ele experimenta as sonoridades eletrônicas que já começavam a dominar a cena. Alguém aí ainda lembra do drum and bass e do jungle?
Aqui, de novo, o álbum se presta a uma audição da primeira à última faixa – ou talvez isso seja coisa de fã fanática. Mas, no caso de você querer só uma degustação, pode pedir a dupla Little Wonder e I’m Afraid of Americans. Duvido que você se arrependa.
Abrindo a escolha de discos para além da minha trinca pessoal, temos em seguida dois discos que se impõem por seus singles. Duas outras senhoras representantes do britpop daquela época, cada uma com um hit permanente: Blur, com seu quinto álbum, homônimo, que tem nada menos que que a contagiante Song 2. Uhu!
A outra é o Verve, com Urban Hymns e sua colagem stoniana maravilhosa de Bitter Sweet Symphony, que serviu como trilha de filme, de série, de vida. Sua ilha deserta vai ficar mais poética e sinfônica.
É claro, escolher discos antigos é sempre uma questão de memória emocional… e é por isso que nas escolhas dos amigos sempre aparecem aqueles pop mais descarados. É assim que meu blogbrother Hilário Junior a.ka. Metheoro, colocaria em sua lista as Spice Girls com seu Spiceworld. Aposto que ele não está sozinho. Longe disso.
Assim como minha amiga Helô não conseguiu deixar de incluir os Backstreet Boys, que lançaram em 97 o hit Everybody.
Girls bands e boys bands, tão típicas daquela época… assim como… os eletrônicos.
Renato Riffel e Edison Corrêa, em um raro encontro presencial há poucos dias aqui no meu sofá, fizeram questão de destacar a importância do The Prodigy – que lançou The Fat of the Land em 97, aquele que tem Smack My Bitch Up, dos Chemical Brothers de Dig Your Own Hole (com Block Rockin’ Beats) e do álbum de estreia do Daft Punk.
Pena que a cena eletrônica não tenha seguido ainda mais colada nessas influências, em lugar do vazio dos últimos anos.
Entre o pop, o rock, o eletrônico, as misturas e as experiências, fica claro que os anos finais dos 90 foram bastante fragmentados. Nunca mais, a não ser na seara do pop, tivemos tendências muito dominantes. O nicho é a palavra-chave. E é por causa disso que a gente pode se dar ao luxo de destacar discos que são absolutamente desconhecidos da maioria, como o experimental (evidentemente) Homogenic, de Björk. Ou The Boatman’s Call, de Nick Cave e seus Bad Seeds, tão profundo e lindo como toda a sua obra.
Como já deu para perceber, a proximidade da virada do milênio fez perder a graça desse exercício de reunir obras por seus anos de lançamento. Depois, a partir dali, tudo ficou mais episódico, mais isolado, menos compreensível enquanto similaridades.
A internet, o desmanche da indústria fonográfica – que se aquartelou ferozmente no pop, usando todas as suas armas para construir divas e pequenos príncipes e abandonando outros estilos, para o bem e para o mal – e a falta de uma curadoria que nos direcione para um ou outro lado… tudo fez com que as pequenas descobertas sejam quase um garimpo. É informação demais, tempo de menos… em uma época com muito menos empolgação musical real.