Setembro Amarelo: Região de Brusque registra média de 20 suicídios ao ano

Especialistas apontam que em grande parte dos casos há um histórico de transtornos mentais, diagnosticados ou não

Setembro Amarelo: Região de Brusque registra média de 20 suicídios ao ano

Especialistas apontam que em grande parte dos casos há um histórico de transtornos mentais, diagnosticados ou não

A cada 40 segundos, uma pessoa tira a própria vida em todo o mundo. Isso representa, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em torno de 800 mil mortes em decorrência do suicídio por ano.

Ainda de acordo com a OMS, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos, atrás apenas dos acidentes de trânsito.

Os números são alarmantes e evidenciam a necessidade de se falar abertamente sobre o tema, que ainda é considerado um tabu e envolto em muito preconceito. O suicídio é uma questão de saúde pública. Tanto é que a OMS pediu aos governos que adotem planos de prevenção ao suicídio para tentar reduzir essas tristes estatísticas.

Mais próximo do que se imagina

Por ainda ser um tabu, muitas pessoas podem ter a sensação de que o suicídio não é uma realidade próxima. Entretanto, todos os anos, a região de Brusque registra casos de pessoas de todas as idades que veem na própria morte a única saída para acabar com o sofrimento. Entre os especialistas, é assim que o suicídio é encarado.

“Quem comete suicídio não quer acabar com a vida, quer acabar com o sofrimento”, explica o psicólogo e coordenador do curso de Psicologia do Centro Universitário de Brusque (Unifebe), Ademir Bernardino da Silva.

Dados do Instituto Médico Legal (IML) de Brusque e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostram que de 2012 a 2018 os números do suicídio na região – Brusque, Guabiruba, Botuverá, São João Batista e Nova Trento – mantém uma constante.

Quem comete suicídio não quer acabar com a vida, quer acabar com o sofrimento

Em 2012, os cinco municípios registraram 21 suicídios, sendo 10 só em Brusque. Em 2013 foram 20; em 2014, 22; em 2015, 25; em 2016, 24; em 2017, 11 – menor índice dos últimos oito anos -, em 2018, 21 e até abril de 2019, três.

A faixa etária observada nesses óbitos também se mantém constante. Em resumo, nos últimos oito anos, a faixa etária que mais se suicidou foi de 50 a 59 anos, seguida por 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 20 a 29 anos, 60 a 69 anos, 15 a 19 anos e 70 a 79 anos. 

Suicídio de homens é maior

Dos 147 óbitos por suicídio registrados na região desde 2012, mais de 80% foi de homens. O psicólogo e coordenador do curso de Psicologia da Unifebe, Ademir Bernardino da Silva, diz que o homem, naturalmente, tem mais dificuldade de buscar ajuda do que a mulher, não só quando se trata de saúde mental e, por isso, o número de suicídios de homens acaba sendo maior do que de mulheres.

Porém, esta não é apenas uma realidade da região. No mundo, a incidência de suicídio entre os homens é muito mais alta do que entre as mulheres, chegando a 15,6 mortes por 100 mil pessoas, ante sete mortes por 100 mil pessoas entre as mulheres.

O comportamento mais agressivo e o uso de métodos de suicídio mais letais também são os motivos pela alta taxa de suicídio entre os homens.

“A mulher pensa mais nos filhos, na família, em sua função materna. Sabe que tem um papel cuidador, um papel extremamente necessário. O homem também tem seu papel importante, mas é mais frio e demonstra menos suas emoções”, destaca o psicólogo.

Causas variáveis

O suicídio é multifatorial, ou seja, não há um único fator ou culpado para o ato. Especialistas, entretanto, apontam que em grande parte dos casos há um histórico de transtornos mentais, diagnosticados ou não, como depressão, ansiedade, esquizofrenia, bipolaridade, entre outros.

O psiquiatra do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Brusque, Felipe Gesser Cardoso, explica que a ideação suicida é resultado de um sofrimento extremo.

De acordo com ele, hoje, um dos diagnósticos de maior sofrimento e que levam as pessoas a pensarem em suicídio é a depressão. “Os sintomas podem estar associados à falta de vontade de fazer as coisas, falta de energia para fazer suas atividades do dia a dia. Os sintomas depressivos podem levar o paciente a um esgotamento, inclusive, com mudança de pensamento e ideação suicida”, diz.

O psiquiatra destaca que a depressão é uma das patologias de maior prevalência dentro dos transtornos de humor, que são os que mais levam a essas alterações e comportamentos suicidas.

Há ainda outras patologias que podem casar com características de impulsividade e tentativas de suicídio, como transtorno afetivo bipolar. “Os bipolares também são uma categoria de doença que num estado de mais euforia, ou grande depressão pode levar ao pensamento suicida”, explica.

É comum ouvirmos as pessoas falarem que tal pessoa se matou, mas não tinha nada, ou que não tinha Deus no coração. Não. Estamos falando de pessoas doentes mentais, que estão em algum grau de sofrimento, e esse grau de sofrimento leva a essa consequência, que é vista como uma fuga, uma forma de parar de sofrer

Felipe ressalta que é importante entender que todo suicida era uma pessoa com doença mental.

“Ninguém se suicida sem ter uma doença mental de base. Muitas vezes ela não era identificada, mas era uma pessoa em sofrimento mental. É comum ouvirmos as pessoas falarem que tal pessoa se matou, mas não tinha nada, ou que não tinha Deus no coração. Não. Estamos falando de pessoas doentes mentais, que estão em algum grau de sofrimento, e esse grau de sofrimento leva a essa consequência, que é vista como uma fuga, uma forma de parar de sofrer”.

O psicólogo Ademir Bernardino da Silva lembra também que a idealização suicida pode se potencializar quando associado a um transtorno mental e ao abuso de substâncias químicas como o álcool e a droga.

Hábitos de vida influenciam

Fatores ambientais, sociais e características genéticas também são considerados complicadores quando se fala em suicídio.

Silva destaca que há uma influência cultural que pode contribuir para o ato extremo. “Quanto maior o padrão de exigência, mais o ser humano tenta viver acima da condição humana e quanto mais tenta viver acima da condição humana, mais em desconformidade consigo mesmo está”, diz.

O psiquiatra Felipe Gesser Cardoso afirma que não existem estudos que demonstrem uma tendência suicida em termos de etnias. Informalmente, se discute os altos índices de suicídio em municípios com colonização alemã, por exemplo. Entretanto, o médico diz que não existe uma caracterização entre brancos e negros, germânicos ou latinos terem maior incidência para depressão.

Quanto maior o padrão de exigência, mais o ser humano tenta viver acima da condição humana e quanto mais eu tento viver acima da condição humana, mais em desconformidade comigo eu estou

“Isso é um mito que nós aqui da região Sul, que temos colonização germânica, acabamos sofrendo. O que acontece são características socioambientais. Talvez por uma personalidade mais fechada, ou objetivos de vida muito voltados ao trabalho”.

Na região, o maior índice de suicídio nos últimos oito anos foi de pessoas entre 50 e 59 anos. O psicólogo Silva diz que isso está relacionado com o fato de a pessoa não encontrar um sentido para vida.

“Chega um momento que as pessoas começam a questionar sobre a própria vida, sobre a existência, se vale a pena continuar da forma que está, às vezes profissionalmente, às vezes no relacionamento e aí promover mudanças, muitas vezes têm a perspectiva de ser algo tardio, não vê como possível”, diz.

“Qual o sentido de vida para as pessoas, quando as pessoas têm a sensação de vazio, que a vida não faz sentido, é um sinal de alerta importante, é mais comum em determinadas faixas etárias e a meia idade entra nesta questão”, completa.

O psicólogo também ressalta a cobrança exagerada que as pessoas têm consigo mesmas e que podem contribuir para o ato extremo. “Existe uma cobrança muito grande sobre eu tenho que ter, tenho que fazer, e muitas vezes as pessoas não conseguem viver, se sentem culpadas por questão de crenças e valores no processo de formação”.

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