Região de Brusque tem 17 pacientes à espera de um transplante de órgão; conheça histórias
Órgão com maior demanda em todo o estado é o rim; entenda como funciona o processo para doação e transplante
Aos 26 anos, Leidaiane Santos do Nascimento é uma das 17 pessoas da região que aguardam na fila para receber um transplante de órgãos. Os dois rins da moradora do bairro Imigrantes, em Guabiruba, pararam de funcionar e, para voltar a viver com mais qualidade e tranquilidade, ela necessita de um novo órgão.
Em dezembro de 2020, Leidaiane começou a se sentir mal, com muito cansaço e enjoo. Não conseguia caminhar e nem fazer seu trabalho como costureira.
“No início até achei que estava grávida. Fui postergando a ida ao médico, até que em julho fui fazer alguns exames. Quando o médico viu o resultado, ele ficou muito assustado. Eu estava com uma anemia muito forte, e ele disse que não sabia como eu estava em pé ainda”.
Imediatamente, o médico encaminhou Leidaiane para o Hospital Azambuja, onde ela ficou internada durante uma semana. “A médica que me atendeu no hospital disse que iriam investigar o que estava acontecendo, porque para minha idade não era normal. Ela descobriu que meus dois rins estavam atrofiados e por isso eu estava me sentindo tão mal”.
Logo, ela já iniciou a hemodiálise, que continua fazendo três vezes por semana, e por ser um caso considerado bastante grave, também iniciou o processo para entrar na fila para o transplante, auxiliada pela Renal Vida. Ela deu entrada na documentação em novembro e desde fevereiro está apta para receber o novo órgão.
Até hoje, ela não sabe o que causou a falência de seus rins. Como um deles já estava paralisado totalmente e o outro funciona apenas 5%, não foi possível fazer os exames necessários. “Para descobrir o que causou, é preciso fazer uma biópsia, que é tirar um pedaço do rim. Como meu rim funciona só 5%, ele não aguenta passar por uma biópsia, por isso não conseguimos saber o que causou”.
“Ansiedade come a gente por dentro todos os dias”
Há quase três meses, Leidaiane convive com a espera. Desde fevereiro, ela está preparada para ser chamada para receber o novo rim a qualquer momento. “Pode ser hoje, amanhã, daqui um mês, daqui um ano. A qualquer hora posso receber uma ligação. A ansiedade come a gente por dentro todos os dias”, diz.
Por estar somente com um rim funcionando com 5% da capacidade, Leidaiane precisa tomar uma série de cuidados enquanto aguarda pelo novo órgão. A alimentação da moradora de Guabiruba, por exemplo, precisa ser bem controlada. “Tenho muita restrição na alimentação. A maioria dos alimentos tem fósforo e potássio e se eu comer muito desses alimentos, aumenta o fósforo e o potássio no meu sangue e eu corro o risco de ter um infarto”.
Além de precisar cuidar muito da alimentação, Leidaiane também não pode ingerir muito líquido. “Posso beber só 500 ml de líquido por dia. Se eu bebo mais, o líquido pode ir para o meu pulmão e eu não conseguir respirar. Tenho muito medo que algo aconteça e eu tenha que deixar meu filho de 5 anos sozinho”, diz.
“É inevitável ficar ansiosa”
A moradora de Brusque Gessica Sartoretto Baranowski, 27 anos, está na fila à espera de um rim há 11 meses. Ela nasceu com uma condição rara de duplicidade de alguns órgãos, e já na infância precisou fazer a remoção de três rins.
“Fazendo exames de rotina, em 2016 acusou um estágio avançado de insuficiência renal, por isso iniciei o tratamento conservador, com acompanhamento de médico nefrologista e dieta alimentar, e em 2021 precisei iniciar o tratamento com a hemodiálise”.
Logo após iniciar a hemodiálise na Renal Vida, Gessica entrou na fila para receber um novo rim. Desde então, está na expectativa da tão esperada ligação.
“Em virtude de não haver uma data pré-determinada, é inevitável ficar ansiosa e com a expectativa alta de ser chamada. A espera nem sempre é fácil e simples, pois temos que lidar com os desafios da doença e do tratamento, como alimentação regrada e principalmente a ingestão de líquidos. Apesar dos desafios eu tento continuar com a mesma rotina que eu tinha antes do tratamento, tento fazer tudo o que eu fazia”.
De acordo com ela, ter uma rede de apoio durante esta espera é fundamental. “Tanto a rede de apoio familiar, quanto os amigos e até a clínica que sempre está disponível a nos ajudar no que for, é muito importante nessa espera”.
A moradora de Brusque acredita que cada vez mais as pessoas estão conscientes sobre a importância da doação de órgãos, mesmo assim, faz questão de lembrar que um ‘sim’ pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
“Nunca é demais buscarmos informações de como funciona esse processo. Santa Catarina já possui um número significativo de transplantes realizados e acredito que com as novas gerações cada vez mais esses números vão aumentar, por isso é importante sempre deixarmos claro para nossa família o interesse de ser doador. Não tenha receio em ser um doador, ajude a salvar vidas”.
“Me sinto com 40 anos de novo”
Foi no domingo, 24 de janeiro de 2022, que o morador do bairro Jardim Maluche, Paulo Sebastião Libardo, 62 anos, ganhou uma nova chance de viver. Após um ano e um mês na fila para receber um transplante de rim, ele recebeu a tão aguardada ligação o chamando para a cirurgia, por volta das 21h.
“Eu fiz aniversário no dia 21 e no dia 24 ganhei esse presentão. Era um domingo, eu trabalhei o dia todo lavando as coisas da casa, do quintal com jato, e aí a noite quando eu estava no banho ligaram informando que tinha um rim disponível para mim”, conta.
À meia-noite, o aposentado já estava em Blumenau, no Hospital Santa Isabel, para se preparar para a cirurgia, que foi feita no dia 25 de janeiro, às 7h. “Cinco dias após a cirurgia, eles me liberaram para vir para casa. Foi tudo muito tranquilo. Claro que em casa, precisei de uma série de cuidados, mas hoje, estou muito bem. Me sinto com 40 anos de novo”.
Paulo descobriu que tinha rins policísticos – doença que possui como principal característica a formação de inúmeras dilatações semelhantes a bolhas de diferentes tamanhos – aos 40 anos.
“Eu comecei a cuidar da alimentação. Fiquei oito anos tratando, mas no fim não adiantou mais. Tive que fazer hemodiálise, que me ajudou muito também, mas aí decidiram que poderia receber o transplante, e iniciei o processo”.
Enquanto aguardava na fila, Paulo estava vivendo com os dois rins comprometidos, cada um funcionando apenas com 5% da capacidade. “Foi um período difícil, me sentia fraco, inchei muito. Eu sou muito devoto a Deus, rezava muito. Eu ia para a hemodiálise e ficava lá quietinho, rezando. Eu achei que o meu transplante demoraria a chegar, mas chegou rápido e eu consegui. Estou muito bem”.
Paulo é a prova de que um gesto simples, como autorizar a doação de órgãos, pode transformar totalmente a vida de uma pessoa. “Sou muito grato ao meu doador”.
Os números na região
Atualmente, Brusque tem 15 pacientes na fila de espera para receber um transplante de órgãos e tecidos. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 10 pessoas esperam por um rim, quatro por córnea e um por fígado. Em Guabiruba, outros dois pacientes aguardam por um rim.
Em Santa Catarina, 1.169 pacientes esperam por um transplante. Rim e córnea são os órgãos com maior fila de espera. Até abril, 545 pessoas esperavam por um rim e outras 469 por córnea.
Outros 60 pacientes aguardam por um fígado; 43 esperam por medula óssea; 35 por tecido ósseo; 25 por rim/pâncreas; dois por pâncreas e outros dois por coração.
O médico intensivista e coordenador adjunto da SC Transplantes, Rafael Lisboa de Souza, explica que o paciente deve seguir alguns critérios clínicos para poder ser incluído na lista de espera por um transplante de órgãos.
No caso do rim, que é o órgão com maior demanda na região e também no estado, o paciente que evolui para uma insuficiência renal crônica e necessita fazer hemodiálise, provavelmente será inscrito para receber um transplante.
“Para receber o rim, um dos critérios é a tipagem sanguínea. O paciente precisa receber um órgão compatível com ele, então os rins precisam ter compatibilidade genética entre o doador e o receptor. No caso dos rins, também é levada em consideração a data da inscrição na fila do transplante e a gravidade do caso daquele paciente”.
De acordo com o médico, a maioria dos transplantes de rim são feitos por meio de doadores mortos. “É muito raro este tipo de transplante entre vivos. Como Santa Catarina tem bons índices, não estimulamos esse tipo de doação, porque é comum que a pessoa consiga um doador em um tempo razoável. Na doação entre vivos, estaremos colocando duas pessoas em risco. O doador vivo vai perder um rim, o que pode acarretar problemas no futuro, além do próprio risco do procedimento”.
Os critérios para receber transplante de outros órgãos são semelhantes, segundo o médico intensivista. No caso do fígado, o principal é a compatibilidade sanguínea entre o doador e o receptor, porém, a gravidade do caso também é levada em consideração. “Um paciente com cirrose avançada, por exemplo, sempre estará na frente daquele que tem cirrose moderada ou mais leve”.
No caso do transplante de pulmão, coração e do fígado também são levadas em consideração as características físicas do doador e do receptor. “A altura e o peso do receptor e doador precisam ser semelhantes, porque não podemos implantar um órgão pequeno em um receptor grande ou vice-versa”.
Hospitais doadores
Em Santa Catarina, cerca de 60 hospitais são considerados doadores, ou seja, que fazem o procedimento de retirada dos órgãos para doação. O Hospital Azambuja é um deles. De acordo com dados da SC Transplantes, no ano passado, o hospital brusquense realizou 13 doações de órgãos. Já neste ano, até abril, foram feitas três captações.
Por outro lado, o transplante em si é realizado em hospitais específicos. A cirurgia de transplante de rim, por exemplo, só é realizada em Joinville, Blumenau, Itajaí, Chapecó, Criciúma e Florianópolis.
Todo o procedimento que envolve a retirada do órgão do doador, até o transplante para o receptor é bastante complexo e tem um tempo máximo para poder ser realizado.
“Quando a pessoa é contatada e aceita o procedimento, o órgão tem um tempo máximo que pode ser retirado do doador até ser implantado no receptor. O rim é o que tem mais viabilidade. O ideal é que seja em torno de 24h, mas pode até 36h”.
Outros órgãos como fígado, coração e pulmão tem o tempo bem reduzido. O fígado precisa ser implantado entre 12h a 18h. Já o coração e o pulmão, o máximo é 6h após a retirada do corpo do doador.
A importância de avisar a família
Santa Catarina é o estado que mais realiza transplantes de órgãos no país. De acordo com o médico Rafael Lisboa de Souza, a média do estado é de mais de 40 doadores por milhão de população, número três vezes maior do que a média nacional, que é de 15 doadores por milhão de população. “Nos últimos 15 anos, Santa Catarina lidera a doação no Brasil”.
Apesar dos bons índices, o médico reforça a importância do diálogo. Manifestar a vontade de ser um doador de órgãos para a família é fundamental para contribuir com que esses índices sejam ainda melhores.
“A principal mensagem é que a pessoa converse com a família e informe o desejo de ser doador. Na hora que ocorre a morte, a família tem a liberdade de decidir se autoriza ou não a doação. Quando a pessoa informa que quer ser doador, em 100% dos casos a família respeita a vontade e doa os órgãos. Quando não ocorre a conversa, fica mais difícil, a família precisa decidir por conta. É uma conversa que pode salvar muitas vidas”.