Relembre a história do brusquense acusado de trair o Brasil na Primeira Guerra Mundial

Paulo Renaux foi o nome mais comentado na cidade após ter seu nome vinculado à ajuda aos alemães durante a guerra

Relembre a história do brusquense acusado de trair o Brasil na Primeira Guerra Mundial

Paulo Renaux foi o nome mais comentado na cidade após ter seu nome vinculado à ajuda aos alemães durante a guerra

Na década de 1910 Brusque já era uma cidade de 50 anos. A evolução do município era notável em comparação com os primeiros anos. A cidade já tinha, por exemplo, uma ponte metálica que ligava as margens do rio e casas de tijolos dominavam a área central. Na indústria, a Fábrica de Tecidos Cônsul Carlos Renaux só crescia e se consolidava como a maior do país.

Porém, foi no ano de 1917 que um boato sobre um membro da família Renaux se tornou assunto dentro das residências da região. Em matéria publicada no dia 15 de abril daquele ano, no jornal “O Dia: Órgão do Partido Republicano Catharinense”, foi dito que Paulo Renaux, filho de Carlos, teria supostamente tentado se matar após ser acusado de ajudar os alemães na Primeira Guerra Mundial.

Manchete

Segundo informações do periódico, Paulo teria ido até Florianópolis para adquirir armas e munições, o que alertou as autoridades brasileiras. Para elas, Paulo poderia estar realizando a compra para ajudar militares alemães que estavam no Brasil.

No texto, o jornal diz que a diligência foi feita sem as formalidades constitucionais, já que movimento lógico seria: acionar as autoridades militares para que elas se dirigissem à polícia do estado ou do governo, e solicitassem as providências necessárias. O que não foi feito, já que Paulo teria sido preso primeiro.

“O resultado foi completamente negativo, ficando evidente que se tratava de uma intriga. Realmente não seria com 500 cartuchos de Winchester e 300 de pistola Browing que Brusque iria insurgir-se contra o Brasil”, diz o periódico.

Consta ainda nas informações que Paulo foi forçado a ir até Florianópolis preso e que foi submetido a interrogatórios.

“Foi acatado de invencível depressão nervosa. Regressando ante-ontem para Brusque, tentou suicidar-se com um tiro de revólver, sendo ali transportado em melindroso estado”, termina a publicação.

Reprodução

Embora a informação tenha sido publicada na mídia impressa da época, a suposta tentativa de suicídio é contestada alguns historiadores e pesquisadores, que alegam não existir provas de que a tentativa de fato tenha acontecido. Para muitos também nunca houve nenhuma ajuda aos alemães por parte de Paulo.

“As histórias contadas naquela época demonstravam muito amor aos assuntos relacionados ao germanismo (Alemanha). É preciso cuidar pois nem sempre o que era publicado, era verídico”, alerta o escritor Saulo Adami.

Por se tratar de uma família influente, pesquisadores também afirmam ser compreensível que o assunto tenha sido ‘esquecido’ rapidamente na sociedade brusquense. Porém, alegam que de fato não era raro ver ‘alemães’ que tinham relevância na sociedade sendo ‘perseguidos’ e ‘pressionados’ por autoridades brasileiras, já que eram muito visados.

Contexto nacional

Para compreender a situação vivida por Paulo em Florianópolis, é preciso entender o contexto que o Brasil vivia com a Alemanha na época dos fatos.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Brasil adotou uma política de neutralidade, inicialmente mantendo-se afastado do conflito. No entanto, em 1917, o país declarou guerra às Potências Centrais, incluindo a Alemanha.

O presidente da República, Venceslau Brás, declara guerra contra o Império Alemão e seus aliados/Museu do Mar

A decisão de entrar na guerra foi motivada principalmente pelos ataques de submarinos alemães a navios brasileiros, como o afundamento do vapor “Paraná” (navio mercante de 4.466 toneladas). Três brasileiros morreram no ataque.

Vapor Paraná/Domínio Público

Dessa forma, durante o período em que o Brasil esteve oficialmente em guerra com a Alemanha, era possível considerar um traidor da pátria qualquer brasileiro que auxiliasse as forças alemãs, embora o termo não fosse muito utilizado na região de Brusque, que tinha predominância de colonização alemã.

A traição se aplicaria aos indivíduos que fornecessem informações, apoio logístico ou engajassem em atividades que beneficiassem diretamente o esforço de guerra alemão.

Para a pesquisadora Jaqueline Kühn, ao ler a publicação do jornal de época, é possível pensar sobre a dureza dos tempos de guerra para os alemães e seus descendentes estabelecidos na região.

Aniversário do Cônsul. Registro é da segunda metade dos anos 1930/Acervo Museu Casa de Brusque

Contexto local

Em se tratando da história de Brusque, são raros os documentos preservados relacionados à Primeira Guerra Mundial. Na biografia do pastor Wilhelm Gottfried Lange (“Testemunho de Fé”, 2003), escrita por Saulo Adami, ele fala sobre a visita de soldados e marinheiros alemães à Itajaí e Brusque, motivo de orgulho para a predominante população germânica.

“Ficamos em alegre companhia”, escreveu Lange, afirmando que viveu “dias bonitos, de entusiasmo patriótico, nos quais infelizmente o álcool teve papel importante, “à moda alemã”. Rudolf Lange, filho do pastor, alistou-se como voluntário no exército alemão, e há menções a outros soldados convocados ou voluntários relacionados a Brusque.

Embora os panoramas econômico e social do Brasil tenham sido afetados pela guerra, a comunidade acompanhava atenta a movimentação das tropas através do jornal “Brusquer Zeitung”, lançado em 1912.

Segundo o historiador Ayres Gevaerd, “a conquista de uma fortaleza ou de uma importante cidade, antes de ser efetivada, era publicada e devidamente festejada no Bar Luiz Krause com antecedência”.

“É deste período a criação de uma associação dos ex-combatentes alemães da guerra de 1914-1918, que teve curta duração. Mas, foram poucos os registros de confronto entre alemães e brasileiros em Brusque, diferente do que ocorreu a partir da década de 1930, quando o governo brasileiro passou a ver os descendentes dos imigrantes europeus, principalmente alemães e italianos, como, de fato, ‘traidores do Brasil’, decretando a proibição de falar outro idioma que não fosse o português”, complementa Saulo.

Suicídio do irmão e morte misteriosa do filho

Paulo, à época do ocorrido, era casado com Alvina Haendchen e estava esperando o nascimento do filho Ivo Renaux, que nasceria no dia 29 de julho. O herdeiro, que chegou a ocupar um cargo importante na indústria criada pelo avô, também ficaria marcado na história de Brusque por fazer parte de uma tragédia.

Porém poucos meses após tentar realizar a suposta tentativa de suicídio e ver o nascimento de Ivo, Paulo soube que o irmão, Carlos Renaux Junior, havia tirado própria vida aos 25 anos.

Conhecido como Pit, o jovem, nascido no dia 28 de junho de 1862, foi direcionado desde cedo para atividades ligadas à fábrica e à família e, assim, foi enviado à Alemanha para especializar-se em mecânica. Segundo informações, morreu no dia 11 de setembro de 1917.

Já Ivo foi encontrado morto em sua casa (Villa Ida) no dia 29 de julho de 1949. Dagmar, à época esposa dele, foi acusada de assassinato, mas foi absolvida em julgamento. Paulo, apesar de ‘vivenciar’ a morte trágica do irmão, não viu a do filho, já que faleceu em outubro de 1947, quase dois anos antes da morte de Ivo.

O caso de Ivo Renaux foi concluído no dia 30 de novembro de 1950, encerrado por falta de provas. A outra hipótese levantada para a morte foi a de suicídio, rejeitada pela maioria dos pesquisadores. As circunstâncias da tragédia são consideradas estranhas até hoje.

Histórico e vida

Paulo Renaux nasceu no dia 2 de agosto de 1894 e era um dos 11 filhos (dois morreram pouco tempo após o nascimento) de Carlos Renaux. Ele foi gerente das lojas começando com a Loja Pomerana e depois a loja Renaux. Foi diretor da empresa até 1933.

Foi casado com Alvina Haendchen e teve três filhos: Herbert Carlos, Ivo José e Carlos Cid. Anos depois separou-se de Alvina e se casou com Alma Gleich, mulher que conheceu na loja Renaux.

Ao lado de Alma, deixou os filhos em Brusque (que ficaram aos cuidados do irmão Otto Renaux) e abriu uma firma própria em Curitiba, onde montou uma malharia e abriu uma loja de fazendas (tecidos). Com a segunda mulher teve mais dois filhos: Marli e Norberto. Está sepultado ao lado da família no Cemitério Evangélico Luterano de Brusque.

Paulo e Alvina circulados/Adalberto Diegoli

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