Arquivo de Edinéia Pereira da Silva
Removidas nos anos 60, curvas do rio Itajaí-Mirim podem ser solução para problemas enfrentados por Brusque
Modelo conhecido na Alemanha é visto com bons olhos por órgão ambiental do município, mas custo para implantação é obstáculo
Por Otávio Timm e Thiago Facchini
Um “retorno ao passado” é visto como alternativa para Brusque reduzir a velocidade do rio Itajaí-Mirim. Ao longo dos anos, a retificação do leito do rio, com eliminação de várias curvas a partir da década de 1960, gerou problemas de erosão e enxurradas. A reconstrução das curvas pode resolver problemas enfrentados hoje.
O entendimento é do superintendente da Fundação Municipal de Meio Ambiente (Fundema) de Brusque, Cristiano Olinger. No ano passado, uma comitiva brusquense visitou o distrito de Karlsruhe, na Alemanha, que realiza trabalho de desapropriação de terrenos às margens do rio local para reconstruir curvas e reduzir a velocidade de vazão.
“Quando você deixa o rio reto, sem as curvas naturais, cria mais velocidade, o que gera mais problemas de contenção das margens. A Alemanha e outros países da Europa estão em processo de renaturalização dos rios”, afirma Cristiano.
O superintendente explica que a retificação do leito do rio no passado buscou evitar transtornos relacionados às enchentes. Desta forma, com uma vazão rápida, as águas sobem e descem em curtos períodos. A Beira Rio também serve como canal extravasor de cheias e impede o avanço do rio sobre as casas.
No entanto, outros problemas foram gerados com a retificação. Agora, o planejamento da Fundema é buscar a reconstrução das curvas, mas em áreas pouco urbanizadas. Cristiano comenta que esta reconstrução, semelhante ao modelo alemão, poderia ser realizada em trecho do rio na região da localidade da Cristalina.
“O objetivo seria criar estas curvas em locais em que não há tantas residências, para que o rio tenha um espaço que consiga permanecer por mais tempo. Depois, quando as águas chegarem na cidade, poderão ter vazão”, analisa.
Na prática, com as curvas, o rio poderia chegar com menos velocidade ao Centro. A rapidez seria retomada na região central, em que está fora de cogitação construir curvas, para as águas não se acumularem na área urbana.
As conversas são iniciais. Se implementado, os trabalhos deveriam seguir o modelo do distrito alemão, em que terras são desapropriadas e as curvas são refeitas, mas o custo é alto. “Os países que fizeram isso são muito ricos. Estamos falando da Alemanha. São investimentos de bilhões de euros”, diz o superintendente.
A proposta da Fundema poderia ser adotada também por Itajaí, conforme sugere Cristiano. Na localidade do Campeche, interior do município, curvas poderiam ser criadas para reduzir a velocidade do rio durante o longo percurso até a área urbana de Itajaí, no bairro São Vicente, que sofre em períodos de cheias e enchentes.
“Rio pagou as contas das reformas urbanas”
Cloves Alexandre Castro, professor do Instituto Federal Catarinense (IFC) e pós-doutor em Geografia, considera benéfico o estudo da Fundema que visa recriar as curvas do rio Itajaí-Mirim. Ele entende que a proposta precisa ser levada também à área urbana, mas avalia que o início pela área rural da cidade seria um bom começo.
“O importante é começar e tudo bem iniciar a partir de um espaço menos degradado, que é o espaço rural. Vejo como um pontapé inicial para que, em tempos futuros, essa discussão possa ser ampliada para o campo do urbano. Os rios não podem ser deslocados da vida cotidiana da cidade”, afirma.
O professor explica que a retificação dos rios está associada a um projeto de urbanização que foi aderido pela sociedade brasileira no século XX. Ele entende que a retomada histórica é necessária.
Cloves relata que a cidade de São Paulo é vista como exemplo — equivocado, na análise do professor — deste modelo de ocupação urbana. Ele diz que a retificação dos rios paulistanos ocorreu a partir de um desejo da elite cafeeira de reproduzir modelos conhecidos em viagens à Europa.
“Os rios não se encaixavam naquele sonho. Então, a solução foi cortar as curvas. O rio cedeu espaço e pagou as contas das reformas urbanas. No caso de Brusque, felizmente, a administração pública repensa esse modelo de urbanização equivocado”.
O professor define enchente como “um produto da urbanização”. Ele aponta ainda para desigualdade social na forma em que as cidades são ocupadas, com áreas que alagam servindo de residência para pessoas com baixo poder aquisitivo, enquanto pessoas que possuem melhores condições econômicas vivem em áreas livres de desastres climáticos.
“As pessoas são afetadas por enchentes porque a área de inundação do rio foi ocupada. Precisamos repensar o critério de ocupação na cidade. As mudanças climáticas estão aí. É inaceitável determinadas famílias possuírem imensas áreas em regiões protegidas e um número significativo de famílias expostas a desastres”.
Retificação do rio Itajaí-Mirim
No passado, com a abertura de vias internas e ligações com cidades vizinhas, os bairros de Brusque cresceram e se urbanizaram. O crescimento acelerado causou sobrecarga em diversos sistemas urbanos: viário, drenagem, saneamento, uso do solo e preservação ambiental.
A cidade interveio no curso do rio Itajaí-Mirim, transformando-o para conter enchentes, vencer obstáculos geográficos e abrir espaço para novas ocupações. O rio passou a ser moldado de acordo com as necessidades urbanas.
Décadas depois, Brusque teria um canal extravasor, construído para aumentar a vazão da água e evitar alagamentos no Centro. Contudo, bairros à jusante, ou seja, no sentido ao litoral, passaram a sofrer com as consequências da transferência dessas áreas inundáveis e com os impactos ambientais.
As enchentes em Brusque não são novidade. Com o passar dos anos, esses eventos se tornaram frequentes e causaram prejuízos incalculáveis à economia das cidades do Vale do Itajaí.
Após três grandes enchentes em um curto período, entre as décadas de 1950 e 1960, o governo federal reconheceu a gravidade do problema e deu início aos estudos para conter os danos. A principal proposta foi a construção de barragens.
O debate sobre as barragens se estendeu até 1961, quando outra enchente de grandes proporções atingiu o Vale. Em Brusque, 90% da área urbana ficou alagada. Com 17 mil habitantes, a cidade teve quase todas as casas atingidas. O rio Itajaí-Mirim subiu 10,46 metros acima do nível normal, exigindo medidas urgentes.
Assim, foram iniciadas as construções das barragens Sul, em Ituporanga, e Oeste, em Taió, além da retificação dos rios do Vale do Itajaí. A retificação facilitou a construção de estradas e a urbanização das margens, além da contenção de enchentes.
Na década de 1990, Brusque construiu um canal extravasor, a avenida Beira Rio. Porém, o trabalho para que a estrutura existisse começou em 1962, quando o leito do rio passou a ser modificado com o uso de máquinas.
Das 82 curvas originais, restaram 28. Com isso, a velocidade de vazão aumentou e o risco de enchentes diminuiu, mas também se alterou a paisagem natural da cidade.
A enchente que mudou tudo
Nos primeiros anos da década de 1980, a retificação do Itajaí-Mirim era considerada uma solução definitiva contra as enchentes em Brusque. Em 1983, enquanto cidades como Itajaí e Blumenau enfrentavam grandes prejuízos com enchentes, Brusque escapou quase ilesa, o que reforçou essa percepção.
Entretanto, tudo mudou em 6 de agosto de 1984, quando, após dias de chuva intensa, o rio transbordou e inundou completamente a cidade. A correnteza arrastou muros, árvores e casas. A destruição foi tão grande que Brusque ficou irreconhecível. O que antes era uma cidade em pleno desenvolvimento virou um cenário de medo e incerteza.
Cerca de 20 mil pessoas ficaram desabrigadas e contaram com a solidariedade de todo o país. O prejuízo econômico foi enorme. Segundo relatório da Secretaria de Indústria e Comércio, publicado no jornal O Município em 21 de setembro de 1984, 82 indústrias foram atingidas e 77 paralisadas, afetando 3,6 mil trabalhadores.
Para muitos moradores, a enchente de 1984 foi um divisor de águas. Além das perdas materiais, a tragédia deixou marcas emocionais profundas. Famílias inteiras precisaram recomeçar do zero. A então cidade em desenvolvimento precisou interromper projetos e redirecionar recursos para socorrer os atingidos.
A retificação do rio, que antes era considerada uma solução eficiente, passou a ser questionada. Especialistas e moradores começaram a discutir os impactos ambientais, a falta de planejamento urbano e a ocupação desordenada das margens.
A enchente de 1984 também provocou mudanças na legislação e nos planos de defesa civil. A partir daquele evento, houve mais atenção à previsão de chuvas, aos alertas e aos protocolos de emergência.
Nota: esta reportagem utilizou como fontes para o contexto histórico do rio Itajaí-Mirim o acervo documental do Brusque Memória, do Museu Casa de Brusque, e o trabalho de conclusão de curso de Thaís Parente, apresentado em 2011 no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Regional de Blumenau (Furb).
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Brusquense, Ivete Appel foi escolhida Brotinho do Mês do Carlinhos Bar nos anos 60: