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Resultado da fusão de Carlos Renaux e Paysandú, Brusque foi símbolo da recuperação do município

Após enchente de 1984, novo clube foi saída para que a cidade ainda contasse com futebol profissional

A história do Brusque Futebol Clube se confunde com a história da própria cidade. A capacidade de se reinventar, de ressurgir do caos para emergir à glória por meio do trabalho e da abnegação serve tanto para explicar o surgimento do quadricolor quanto da recuperação do município após uma das maiores tragédias registradas no berço da fiação catarinense: a enchente de 1984.

Município com o primeiro time de futebol profissional do estado, o Carlos Renaux – que junto ao Paysandú auxiliou na criação da Federação Catarinense de Futebol (FCF) -, Brusque viveu, no fim da década de 1980, um momento delicado para a sobrevivência do esporte mais amado do Brasil. Com problemas financeiros, os dois grandes rivais precisaram, em um ato de humildade, ceder à fusão e à divisão dos patrimônios para o surgimento do novo clube.

Em apenas cinco anos, o clube conquistou o maior título do futebol catarinense, e rapidamente virou o novo xodó dos brusquenses que viveram o período de plena atividade de Carlos Renaux e Paysandú. A partir dali, o Brusque se tornou a nova paixão da cidade.

Da tempestade…

Augusto Bauer destruído após a enchente de 1984: principal motivo da licença do Carlos Renaux. Foto: Acervo Jorge Mortiz/ Curto Fotos Antigas de Brusque

A data de 6 de agosto de 1984 ainda causa arrepios nos brusquenses de longa data. Depois de uma grande enchente que assolou a região do Vale do Itajaí, a cidade praticamente submergiu. Residências, empresas, escolas, estádios, lojas e indústrias foram invadidas pelas águas após uma imensa quantidade de chuva ter ocasionado a cheia do rio Itajaí-Mirim, que corta o Centro da cidade.

Junto com a cheia veio a desolação. Nas primeiras semanas depois do desastre climático que deixou a bucólica Brusque dos anos 1980 com um aspecto semelhante a um cenário pós-guerra, os cidadãos se viram diante de muitas perdas materiais e, graças ao pânico causado pelas horas de aflição, vieram o trauma e a sensação de terra arrasada.

Não poderia ser diferente para os dois clubes profissionais de futebol que representavam Brusque até então. Bicampeão catarinense dos anos 1950 e 1953, o Clube Atlético Carlos Renaux, dono do estádio Augusto Bauer, perdeu grande parte de seu patrimônio e o Paysandú não pôde contar com o seu próprio estádio por um bom tempo.

O estadual de 1984 iniciou no dia 18 de abril, e seguiu até o mês de novembro. Porém, o Renaux, que fazia uma campanha interessante até então, pediu licença do futebol profissional depois da enchente, e já não entrou em campo para a partida programada contra o Rio do Sul, em 16 de agosto. Já o Paysandú, sem campo, passou a jogar no Augusto Bauer e assim foi até o fim do campeonato, enquanto o estádio Cônsul Carlos Renaux era reformado.

Sem o Vovô e com o Paysandú em maus lençóis – foi rebaixado para a segunda divisão do Estadual no ano seguinte – Brusque vivia a iminência de deixar de ter, pela primeira vez em mais de 60 anos, uma equipe profissional de futebol. Até que um plano surgiu para impedir isso de acontecer.

… à bonança

Em 1987, o clube recém-formado fez uma apresentação das novas camisas. Foto: Reprodução / Arquivo Pessoal

Assim como muito se perde após uma catástrofe, na reconstrução surgem grandes criações. Pouco a pouco Brusque se reergueu, retomando seu caráter têxtil com a ascensão do comércio na rua Azambuja – uma via repleta de facções têxteis que recebia a visita de milhares de pessoas nas últimas décadas – e dando chances para um recomeço, como com o surgimento da Havan, na época uma pequena loja que fornecia aviamentos a estas fábricas e facções e hoje é uma das maiores potências em termos de lojas de departamento.

Foi da reconstrução de Brusque que o time que leva o seu nome surgiu. Apesar da rivalidade, os dirigentes de Paysandú e Carlos Renaux deram o braço a torcer ao plano de fusão para a fundação do Brusque Futebol Clube, no ano de 1987. A decisão foi reformar o Augusto Bauer e pegar a vaga na primeira divisão do Paysandú para o clube quadricolor.

Bastidores da fusão
Juca Loos, ex-presidente do Carlos Renaux, era diretor de patrimônio do tricolor no período da fusão. Ele explica como era a situação dos clubes e os bastidores do surgimento do novo clube.

“Os dois times viviam dificuldades financeiras, e então surgiu a ideia da fusão, baseada em casos de sucesso, como Joinville e Criciúma. O conselho do Carlos Renaux votou e o resultado foi muito apertado a favor da união com o Paysandú, devido à rivalidade que sempre existiu. Nenhuma decisão foi tomada com facilidade, levavam muito tempo. As reuniões eram realizadas nos espaços dos clubes e também na Sociedade Esportiva Bandeirante”, explica.

O Criciúma, embora não tenha surgido de fusão, surgiu para representar a cidade sozinho, ocupando o lugar antes pertencente aos extintos Comerciário, Próspera e Metropol, enquanto o Joinville foi o resultado da união de América e Caxias.

Segundo Loos, a fusão já era tema recorrente há muitos anos. “Desde os anos 1970 se comentava sobre isso, por causa do sucesso em outras cidades e porque os clubes viviam dificuldades financeiras”, completa.

Primeiro presidente do Brusque, Ciro Roza revelou detalhes da fusão. Foto: Marcos Borges

Primeiro presidente da história do Bruscão e considerado um dos maiores articuladores do projeto de união de Carlos Renaux e Paysandú, Ciro Roza comenta sobre a dificuldade em agradar aos dirigentes de ambos os clubes e a saída para colocar o plano em ação. “Fizemos um plebiscito e jogamos para a população decidir. Aí conseguimos mais de 80% de aprovação, e a partir disso todos compreenderam que a fusão era a melhor saída”, diz.

Roza, que foi prefeito de Brusque por três mandatos, entrou no mundo da cartolagem por uma brincadeira, como o próprio revela. “Sempre fui paysanduano, e o Wladimir (Appel, ex-presidente do Paysandú) era meu amigo, sempre queria que eu fosse presidente do clube, mas eu não queria. Em 1986 ele apostou comigo como seria campeão, e aí eu falei que se ele fosse mesmo eu pegaria o clube no ano seguinte. De fato eles conquistaram o título da segunda divisão e eu assumi em 87”.

O clube, porém, vivia problemas financeiros. Roza queria que Brusque voltasse a ter um clube campeão da elite estadual, como nos tempos idos do Carlos Renaux e do próprio Paysandú. “Mas quando eu comecei reparei que não ia ser tão fácil. O público se dividia entre Renaux e Paysandú, e até para pedir patrocínio era difícil porque os empresários torciam ou por um ou por outro”.

Portanto, para o ex-presidente do Bruscão, a fusão parou de ser um mero desejo ou capricho de um dirigente para se tornar uma necessidade, caso o município ainda desejasse contar com um clube de futebol profissional. Nos primeiros anos do clube, a ideia se provou acertada.

“Nós apostamos principalmente em um bom preparador físico. No início, os principais dirigentes do clube eram Rubens Facchini, Telmo Ruzinski, Nico Cardoso e Euzébio Pereira, o Caloca. Tínhamos um projeto de ser campeão em 10 anos, mas conseguimos ser em cinco”, afirma.

Contudo, não era Ciro Roza o presidente do Brusque no ano do título. Apesar de atuar ainda nos bastidores, o ex-prefeito deixou o clube de lado e deu vez para Amilcar Arnoldo Wehmuth, o Chico Wehmut, em 1992. Embora grande parte do elenco fosse remanescente da gestão Roza, foi sob o comando do novo presidente que o clube conquistou seus primeiros títulos, começando pela Copa Santa Catarina, no primeiro semestre, e pelo único título do Campeonato Catarinense.

Os primeiros anos

Registro do primeiro jogo oficial, pelo estadual de 1988, contra o Hercílio Luz. Foto: Arquivo Pessoal

A fusão que gerou o Brusque Futebol Clube data de 12 de outubro de 1987, mas foi apenas em 1988 que o clube participou de sua primeira competição oficial, o Campeonato Catarinense. Já naquele ano o recém-surgido quadricolor, que atuava no estádio Augusto Bauer, surpreendeu. O time terminou a competição na quarta colocação.

No plantel do clube estavam atletas renomados, como Washington, lateral-esquerdo ex-Santos e Botafogo, e alguns remanescentes do esquadro paysanduano. A primeira partida oficial foi realizada em 24 de janeiro de 1988, uma tarde de domingo ensolarada e de Augusto Bauer lotado. O autor do primeiro gol oficial foi de Robson Ludgero de Jesus, o Touchê, contra o adversário da tarde, o Hercílio Luz, de Tubarão. No fim do jogo o placar apontou o que seria um início com pé direito: vitória por 3 a 1.

Entre 1989 e 1991, o clube viveu momentos ruins, longe do protagonismo nas competições estaduais, mas já entrosava e formava o plantel que surpreenderia em 1992. Já em 1990, o time contratou aquele que seria um dos maiores ídolos de sua história, Edemar Luiz Alessio, o Palmito. Em 92, Claudio Freitas completou a trinca fundamental para a conquista estadual, com ele, Palmito e Washington.