Carta de Anita Garibaldi- Parte II
Retomando meu casamento com o sapateiro Manuel: arranjado, esse casamento jamais vingou. Nós éramos muito diferentes. Eu defendia a república, e ele a monarquia. Tínhamos uma relação fria e distante e não tivemos filhos. Nosso casamento nunca foi uma verdadeira união, e Manuel decidiu seguir os seus ideais, foi embora e dele não tive mais […]
Retomando meu casamento com o sapateiro Manuel: arranjado, esse casamento jamais vingou. Nós éramos muito diferentes. Eu defendia a república, e ele a monarquia. Tínhamos uma relação fria e distante e não tivemos filhos. Nosso casamento nunca foi uma verdadeira união, e Manuel decidiu seguir os seus ideais, foi embora e dele não tive mais notícias.
Era o ano de 1839 quando o exército farroupilha ocupou Laguna após derrotar os navios da Marinha Imperial. A ofensiva foi comandada pelo revolucionário general italiano Giuseppe Garibaldi, que havia desembarcado no Rio de Janeiro em 1835, fugindo de seu país, após lutar pela unificação da península itálica sob a forma de república. Com o fracasso do golpe, Giuseppe foi condenado à morte, e começou uma vida de exílio. Primeiro refugiou-se na França e depois veio para o Brasil. No ano de sua chegada eclodiu no Rio Grande do Sul um movimento republicano, chefiado por Bento Gonçalves. Garibaldi aderiu à Revolução Farroupilha e, com o seu auxílio, o movimento se propagou. Em julho de 1939, foi proclamada a República Juliana, que tinha Laguna como cidade-sede do governo.
Eu tinha 18 anos quando Giuseppe e eu nos conhecemos, em Laguna. Ele era mais velho que eu, charmoso e galanteador e, quando nos encontramos, foi amor à primeira vista. Apenas a minha morte, 10 anos depois, viria a nos separar em corpo. Passei a acompanhar o meu Giuseppe nas campanhas militares. Aprendi a manusear armas e me engajei na causa da República Juliana. Participei de combates contra as forças imperiais.
Em 4 novembro de 1839 tive o meu “Batismo de Fogo”, quando participei da Batalha Naval e fui atingida por um tiro, marcando, na enseada de Imbituba, minha primeira batalha de guerreira. Poucos dias depois, em 15 de novembro, participei da Batalha Naval na Barra de Laguna, iniciando o combate e salvando munições. Foi quando a República Catarinense foi derrotada pela Marinha do Império. A República Juliana não alcançou Florianópolis, e só durou quatro meses, até 15 de novembro de 1839.
Depois disso, segui com o meu grande amor e me despedi definitivamente de Laguna. Me transformei numa verdadeira guerreira e lutei ao lado de Giuseppe contra a monarquia e pela causa republicana. Durante a Batalha de Curitibanos fui capturada e aprisionada pelas tropas do Império. Me foi dito que Giuseppe havia sido morto pelos imperialistas. Não me conformei e, já grávida do nosso primeiro filho, fugi a cavalo e sai à procura do meu Giuseppe. Percorri 200 km a cavalo e, graças a Deus, consegui localizar a ele e os Farrapos nos Campos de Vacaria, no Rio Grande do Sul.
Anos depois, com bravura estive com ele nas lutas pela unificação da Itália. Meu Giuseppe comandou a Batalha do Gianícolo, em Roma. Quando foi necessário fugir de Roma, me vesti de soldado para não chamar a atenção. Sou considerada uma mulher empoderada para o meu tempo, e hoje sou conhecida no Brasil e na Itália como a “Heroína dos Dois Mundos”.
Materializando o nosso amor, em setembro de 1840 nasceu nosso primogênito. Ele recebeu o nome de Domingos Menotti Garibaldi. Dei à luz na cidade de Mostardas, no Rio Grande do Sul, e ele foi o único de nossos filhos que nasceu no Brasil.
Nós ainda estávamos envolvidos na Revolução Farroupilha e, poucos dias após o nascimento do nosso Menotti, Giuseppe foi até Viamão buscar itens imprescindíveis para a subsistência da família. Durante a sua ausência, o vilarejo foi tomado por um esquadrão legalista com a intenção de aprisionar o amor da minha vida. Avisada, envolvi nosso pequeno Menotti num lenço e o amarrei a tiracolo para mantê-lo aquecido ao peito, e fugi a galope. Naquele momento não me preocupei com a fome, o frio e a fadiga, ou com algum possível abalo à minha saúde. Precisava salvar nosso filho e a dignidade da família. E coragem nunca me faltou!