Patrimônio Histórico: distinguindo os passados usáveis dos passados
Brusque possui um Inventário do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico datado de 2009 e aprovado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Natural, Histórico e Artístico Cultural na sessão de 2/03/2011. Letra morta, pois até a presente data Brusque possui apenas dois imóveis tombados: o Tiro de Guerra e o Casarão Hort. Por coincidência (ou não), 2009 é exatamente o ano em que transferi domicílio para Brusque e, desde então, venho acompanhando as celeumas que envolvem o tombamento e as demolições de imóveis que, em tese, deveriam estar protegidos em função do seu valor histórico, cultural, arquitetônico e ambiental para a população. E minha percepção é de que, para a maioria, o assunto “tombamento” traz grande desconforto, tal como “uma persona não grata”.
O tombamento do Tiro de Guerra 05-005 foi o primeiro passo para Brusque preservar a sua história e memória. Em minha opinião, o tombamento do Tiro de Guerra foi fácil, sem “muitas dores ou dissabores”, pois o imóvel pertence ao patrimônio público. O tombamento foi efetivado no dia 12/12/2012, inscrito no Livro de Tombos nº 1, página 1, inscrição 1: foi o primeiro imóvel tombado em Brusque. E só aconteceu 75 anos depois que o Decreto-Lei nº 25, de 30/11/1937 instituiu o tombamento no Brasil!
Passaram-se quase sete anos até que o segundo imóvel fosse tombado em Brusque, mesmo existindo algumas dezenas de outras construções antigas remanescentes que mereceriam ser tombadas. , e E o tombamento só foi efetivado depois de decisão da Vara da Fazenda da Comarca de Brusque. Importante lembrar que, em 2016, o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Brusque (Comupa) já havia deliberado a favor do tombamento do Casarão Hort, e nada foi feito. O tombamento do imóvel que pertenceu à família Hort foi inscrito no Livro de Tombos nº 1 de Brusque, página 2, inscrição 2, no dia 14/05/2019. Interessante observar que este imóvel não foi tombado por suas características construtivas, ou pelo seu ano de construção. E sim porque nele foi aberto o primeiro pacote com literatura adventista que chegou ao Brasil na década de 1880, por isso o seu tombamento representa um passo importante na preservação do edifício ligado ao início do adventismo no Brasil. Um autêntico reconhecimento da “alma histórica” do imóvel.
Mais recentemente, o Decreto Municipal nº 8.685, de 29/07/2020, instituiu o processo participativo de elaboração de diagnóstico e a execução de um plano de ação com o objetivo de revisar o Inventário do Patrimônio Arquitetônico Urbanístico, bem como a conservação dos imóveis protegidos por meio de tombamento, inventário, catálogo ou registro do Município de Brusque. Se efetivado, será algo muito positivo, pois um processo participativo bem conduzido leva a decisões sobre a dispensabilidade das edificações históricas em virtude do seu descarte, ou aponta para o seu reuso. Implica na abertura de processos de negociação da memória local que, reconstruída através de orientações, guias ou documentos, formaliza e institucionaliza uma narrativa do lugar para a posteridade. O processo participativo inclui novos atores e a escuta das pessoas envolvidas com o local, possibilita vislumbrar novas reinterpretações para o uso do imóvel, bem como a ação coletiva de luta pela defesa da preservação.
Finalizo com as palavras do escritor Andreas Huyssen (Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos e mídia, 2000): “Se o sentido de tempo vivido está sendo renegociado nas nossas culturas de memória contemporâneas, não devemos esquecer de que o tempo não é apenas o passado, sua preservação e transmissão. Se nós estamos, de fato sofrendo de um excesso de memória, devemos fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos passados”.