Santa Catarina é referência nacional na solução de casos de pessoas desaparecidas
Delegacias catarinenses registram, em média, 8 a 10 boletins de ocorrência de desaparecimentos por dia
Era uma noite chuvosa de abril de 2013 quando o marido da artesã Maria Irma Padilha, 54 anos, desapareceu em São José. Faltou luz e ficou tudo escuro. A tempestade dificultava a conversa com a filha ao telefone, não se ouvia nada. “Foi desesperador, é uma coisa que não desejo para ninguém. A gente não consegue fazer nada, a vida vira de pernas pro ar. Só conseguia pensar naquilo”, relembra Irma com tristeza.
No dia em que receberia seu salário, o operador de máquina Marcos Roberto Sanchez Salvetto, 39, não voltou pra casa. Ele sofre de esquizofrenia e, naquele dia específico, teve uma crise de esquecimento. Não se lembrava de onde estava, de sua identidade, de seu endereço. Perdeu-se pelas ruas de São José. Na manhã do dia seguinte, Irma registrou o boletim de ocorrência na delegacia de Polícia Civil e as buscas começaram.
Desaparecido foi encontrado graças à divulgação de sua foto
Foram dois meses e 17 dias de uma ausência turbulenta. Irma ouviu fofocas terríveis sobre seu marido desaparecido e chegavam informações falsas com frequência. Foram várias as vezes em que ela foi ao Instituto Médico Legal (IML) reconhecer cadáveres sem nome. Até que um dia, finalmente, Marcos foi localizado na rua. Estava bastante machucado, sem o dinheiro do salário que tinha recebido. Uma pessoa reconheceu seu rosto pelas fotos de desaparecidos divulgadas pela Polícia Civil e pela Polícia Militar nos ambientes públicos, como terminais de ônibus e programas de TV.
O QUE FAZER EM CASO DE DESAPARECIMENTO
– Acionar familiares, amigos, vizinhos, escola;
– Procurar uma delegacia da Polícia Civil para registrar o boletim de ocorrência e exigir a busca
– Acionar o Programa SOS Desaparecidos;
– Levar foto atualizada de rosto, de frente, com descrição das vestimentas e o que aconteceu;
– Importante: não existe período mínimo de espera para iniciar as buscas
Santa Catarina tem 100% de casos cadastrados
Tanto na sede da Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas (DPPD) quanto na do Programa SOS Desaparecidos da Polícia Militar, as paredes estão forradas de rostos de crianças, jovens, idosos. Por trás de cada rosto, uma história de mistério e profunda tristeza. A divulgação massiva das fotos dos desaparecidos em Santa Catarina é apenas uma das ferramentas que auxiliam na localização de pessoas.
Santa Catarina é o único Estado com 100% dos casos de desaparecimentos cadastrados no Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, o Infoseg, um banco de dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública que reúne registros de órgãos públicos como Receita Federal, Ministério do Trabalho, Polícia Federal, Denatran, Conselho Nacional de Justiça, entre outros.
A atualização das informações no cadastro agiliza a localização de pessoas, mesmo que estejam fora de Santa Catarina, como explica o delegado Wanderley Redondo. O delegado é o titular da DPPD, unidade da Polícia Civil que é o órgão oficial do Estado para investigação e diligências em casos de desaparecimentos. As prioridades na investigação são para crianças, idosos e portadores de necessidades especiais.
“A Polícia Civil de Santa Catarina controla em tempo real o desaparecimento e o reaparecimento no Estado. Nossa equipe fica em contato permanente com as famílias que registraram o boletim de ocorrência para saber se a pessoa retornou ao lar ou não. A maioria não nos avisa quando o desaparecido é localizado”, afirma Redondo.
As delegacias catarinenses registram, em média, 8 a 10 boletins de ocorrência (BOs) de desaparecimentos por dia. Para manter o cadastro atualizado, a DPPD tem um gasto excessivo com telefone, tanto celular quanto fixo, para confirmar se cada uma dessas pessoas continua desaparecida. Geralmente, as famílias se esquecem de avisar quando a pessoa é localizada.
Um exemplo comum são os casos de turistas desaparecidos. A família faz o BO, a pessoa volta para casa e, depois, para a cidade de origem, mas o registro continua aberto em Santa Catarina.
ONDE BUSCAR AJUDA
SOS Desaparecidos
Telefone de plantão: (48) 99156-8264 (whatsapp)
Telefone da sede: (48) 3665-4715
PMSC: 190
Delegacia de Polícia da Pessoa Desaparecida (DPPD)
Telefone da sede: (48) 3665-5595
Disque-denúncia: 181
GAFAD – Grupo de Apoio aos Familiares de Desaparecidos
Telefones: (48) 3012-5542 / (48) 99845-4555
Santa Catarina tem amostras de DNA de familiares de desaparecidos
Um importante esforço da Polícia Civil catarinense é a organização de um banco de amostras de DNA de familiares de pessoas desaparecidas. De acordo com o delegado Redondo, Santa Catarina é o 4º Estado no país em volume de amostras, mas é o 1º se considerarmos proporcionalmente a população.
“Esse material vai para o sistema estadual e nacional. Caso um desaparecido catarinense seja localizado em qualquer ponto do país, poderá ser feita a checagem no sistema e a pessoa é identificada por meio do DNA”, valoriza o delegado.
A Delegacia de Polícia de Pessoas Desaparecidas foi criada em 2013 por decreto do Governador do Estado. Até então, não havia uma delegacia que cuidasse especificamente deste tipo de ocorrência. Com a inauguração, foi possível ter o controle da situação em Santa Catarina. Foram confirmados todos os casos de desaparecidos desde 2002, quando entrou em funcionamento o Sistema Integrado de Segurança Pública de SC.
O delegado Wanderley Redondo afirma que, na época, havia mais de 18,5 mil pessoas que constavam como desaparecidas. Num trabalho em conjunto com o Centro de Informática e Automação de Santa Catarina (Ciasc), foi feito um cruzamento de dados que corrigiu esses números e baixou para 6,5 mil casos. “Muitas vezes a pessoa estava desaparecida, mas tinha feito carteira de identidade, carteira de habilitação, então não estava desaparecida, de fato. A partir dali, começamos a analisar caso a caso, um trabalho que continua até hoje”, explica Redondo.
NÚMEROS OFICIAIS DE DESAPARECIDOS EM SC (março/2018)
Crianças: 14
Adolescentes: 354
Adultos: 1.523
Total: 1.889
Polícia Militar de Santa Catarina é a única do país a ter um programa voltado aos desaparecidos
Santa Catarina tem a única polícia militar do país com uma coordenadoria e equipe exclusiva para localizar desaparecidos. Criado em 2012, o programa SOS Desaparecidos aproveita a capilaridade da Polícia Militar, presente em todos os municípios do Estado, para apoiar as famílias diante de um desaparecimento, tanto na busca imediata quanto na ampla divulgação, seja por redes sociais, pela mídia, em eventos ou por meio de entidades parceiras.
A iniciativa da criação do programa foi do tenente-coronel Marcus Roberto Claudino. Em 2011, ele fez um trabalho acadêmico de pesquisa sobre o desaparecimento de pessoas em Santa Catarina. O material foi editado e se transformou no livro “Mortos Sem Sepultura – o Desaparecimento de Pessoas e seus Desdobramentos”.
Durante sua pesquisa, Claudino observou que os casos mais comuns de desaparecimentos, especialmente entre os adolescentes, são causados por fuga do lar, motivados por conflito familiar. “A família é a maior vítima, mas também a maior produtora de desaparecidos. Tem casos de maus tratos, abuso sexual, uso de drogas, pedofilia, violência, entre outros”, observa o coordenador.
Além de crianças e adolescentes, exigem atenção os idosos e as pessoas com alguma doença mental, como Alzheimer ou esquizofrenia. Nesses casos, é recomendado usar uma pulseira de identificação com o nome, o endereço e o telefone de um responsável. “O amor é a pedra angular, mas para evitar desaparecimentos, a palavra mágica é atenção”, recomenda Claudino.
Outros casos apoiados pelo programa SOS Desaparecidos se refere a famílias que buscam seus familiares. São casos de adoção, em que a pessoa deseja buscar seus pais biológicos, ou crimes de tráfico de pessoas. Claudino lembra que, nos anos 1980 e 1990, houve muitos casos de tráfico de bebês, que eram levados para adoção ilegal principalmente para Israel, mas também França e Itália.
Ao lado da sede do programa SOS Desaparecidos, no Terminal Rodoviário Rita Maria, em Florianópolis, funciona o Grupo de Apoio aos Familiares de Desaparecidos de Santa Catarina (Gafad). O ponto é estratégico. Muitas pessoas consideradas desaparecidas estão em situação de rua e querem retornar para suas famílias. A rodoviária é a porta de entrada e de saída. O Gafad é presidido por Aldaleia Conceição, aposentada que começou a trabalhar como voluntária para ajudar uma vizinha, cujo filho está desaparecido há mais de 35 anos.
Criado oficialmente em 2014 como organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), o Gafad oferece apoio familiar e prestaa orientações, oferecea atendimento psicológico, social e até jurídico, sempre por meio de uma rede de voluntários. O atendimento é presencial, pela internet ou por telefone.
“Muitos que chegam até nós não têm ideia do que fazer, de quais são os seus direitos, de como pedir ajuda. A população precisa tomar conhecimento de que existe o desaparecimento de pessoas e o tráfico de pessoas. É preciso conhecer para poder prevenir”, relata Aldaleia.
Os casos de idosos que somem têm aumentando, segundo a percepção da presidente do Gafad. “O idoso começa a ter esquecimentos banais, a família não leva a sério, até que um dia ele vai na padaria e não se lembra de como voltar. Isso vale também para adultos com doenças mentais”, relata Aldaleia.