São Bento e Robespierre
O filósofo alemão Friedrich Schiller, no seu impagável livro “A educação estética do homem”, analisa detalhadamente as dificuldades de se estabelecer uma ordem moral elevada, baseada em princípios racionais, sem uma educação estética que enobreça a sensibilidade, que prepare o corpo e o coração para que sigam a reta razão. Esse é o grande desafio […]
O filósofo alemão Friedrich Schiller, no seu impagável livro “A educação estética do homem”, analisa detalhadamente as dificuldades de se estabelecer uma ordem moral elevada, baseada em princípios racionais, sem uma educação estética que enobreça a sensibilidade, que prepare o corpo e o coração para que sigam a reta razão. Esse é o grande desafio da “construção do homem e do mundo” (para lembrar o título do ótimo livro de Michel Quoist, que li na adolescência).
De um lado, temos um brucutu clássico, entregue aos seus apetites; do outro, um homem idealizado, de valores elevados, mas que não se efetivam na vida cotidiana. O grande desafio da educação é levar a pessoa real, com todas as suas circunstâncias, ao encontro do modelo ideal, o que só se faz ao longo do tempo, ao custo de disciplina e muito aprendizado.
Não faltaram na história sujeitos que quiseram implantar um modelo superior de moralidade à força, como se um decreto pudesse fazer com que as pessoas se tornassem melhores de uma hora para a outra. A Revolução Francesa é um bom exemplo. Os iluministas imaginaram um sujeito puro, livre dos “preconceitos” religiosos, guiado exclusivamente pela razão, que construiria uma nova humanidade. Maximilien Robespierre, líder do partido jacobino, era um desses lunáticos. Na tentativa de revolucionar a França a todo custo, enviou milhares de pessoas à guilhotina e matou inúmeras outras em massacres pelo país afora. Acreditava que o ideal que o guiava lhe dava esse direito. Os revolucionários destruíram igrejas, mataram milhares de padres, mudaram o calendário, engalfinharam-se, matando-se uns aos outros na guilhotina e deixaram a França destroçada.
Outro homem, ao contrário, foi decisivo num outro sentido. Nascido logo após a queda do Império Romano do Ocidente, quando povos bárbaros tocavam o terror na Europa, São Bento fundou o que talvez seja a mais importante instituição para a construção da Europa civilizada: a Ordem Beneditina. Os mosteiros beneditinos, em primeiro lugar, conservaram o que havia de conhecimento e cultura do mundo antigo, mas também prepararam seus monges para a construção de si mesmos, através da regra da Ordem, essencial para o desenvolvimento de cultura refinada, trabalho árduo e profícuo e espiritualidade elevada. Nos mosteiros, o conhecimento foi cultivado e nasceu a ciência moderna. Os monges drenavam pântanos, fertilizavam terras estéreis, criavam tecnologia. Quando a paz prevaleceu fora dos seus muros, de lá saíram as escolas e universidades e uma ordem moral e política foi estabelecida.
Nossa cultura é acostumada a exaltar os iluministas da Revolução Francesa e desprezar os grandes construtores medievais da Europa, numa história ensinada muito mais como propaganda ideológica do que como análise de fatos. Nesses tempos de absurda decadência intelectual, moral e espiritual, é fundamental lembrarmos com respeito de São Bento e seus seguidores. Se pretendemos nos reerguer, é em exemplos como os deles que devemos nos inspirar.