João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Sapateiro

João José Leal

Promotor de Justiça, professor aposentado e membro da Academia Catarinense de Letras - [email protected]

Sapateiro

João José Leal

Quem já chegou à marca dos 60 anos, para cruzar a soleira da porta de entrada da implacável fase da vida chamada velhice, deve lembrar do tempo do sapateiro, então um profissional importante e indispensável em cada rua ou, ao menos, em cada bairro da cidade. Guri, ainda em Tijucas, muitas e muitas vezes, frequentei a sapataria de Aires Ternes, que funcionava num dos cômodos da casa de sua sogra, nossa vizinha de porta. Hoje, vejo que, além de excelente sapateiro era também um bom genro, pois trabalhava na casa da sogra. Pregando e batendo a sola de um sapato, Aires sempre tinha tempo e disposição para uma conversa amistosa, quase diária, com um guri de 11 anos.

O assunto se repetia a cada passagem pela sapataria, ao som do martelo batendo o couro, no preparo do solado que iria pisar o chão das ruas e dos quintais tijucanos, barulho e conversa envoltos no cheiro da cola de sapato que inebriava o ar da pequena e velha sala de paredes de madeira, desbotada e já sem pintura, com algumas páginas da revista O Cruzeiro, charges do humorista Péricles e seu sarcástico personagem Amigo da Onça, coladas naquelas paredes que tremiam ao passar dos poucos caminhões em trânsito pela rua principal de Tijucas, rumo às cidades do norte e do sul do Estado.

Ali ficava por alguns minutos a conversar sobre os jogos do Tiradentes, clube em que jogava meu irmão mais velho, sobre assuntos de escola e as molecagens feitas pela turma da Calçada do Cherém, tribo infantil da qual seu filho Lolô e eu fazíamos parte.

Num tempo em que tênis era somente um esporte inglês jogado com raquete na mão e Keds era coisa rara, vinda do estrangeiro, o sapato reinava absoluto para nos pés dos brasileiros com dinheiro suficiente para calçar esse luxo encouraçado, a pisar ruas e assoalhos dos ambientes mais elegantes e requintados deste país ainda pobre e de pés no chão. Nessa época, sapato era objeto de desejo de todos os mortais, os homens querendo pisar os degraus do sucesso profissional, seus bico-finos lustrados com graxa 2 Âncoras ou Nugget e as mulheres sonhando desfilar nos saltos altos da elegância e da glória feminina.

As sapatarias artesanais resistiram até a invasão da nova moda tenística e a produção industrial de calçados. Caprichosamente, os mestres sapateiros produziam peças artesanais que se ajustavam perfeitamente aos pés dos seus fregueses de caderno. O trabalho mais comum, no entanto, era troca dos tacões e das solas, meias ou inteiras, costuradas ou pregadas, porque era um tempo em que tudo se consertava pelas mãos caprichosas de hábeis artesãos, no manejo couro e do martelo para calçar bem a gente da sua comunidade.

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