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Selva

Há perigo nas esquinas da alquimia. Estando ardentes os animais não repousam. Sempre em sentinela, pousam aflitos em seus redemoinhos de razões. O rei leão cruza os braços e só rosna quando lhe convém. Enquanto isso, apressados instintos reverberam. Medos ancestrais cometem atrocidades. Sobre o jugo da vitória as atitudes se inflamam. Andam armados pela relva fina, rugindo cantigas escatológicas. Tubarões, crentes de que estão salvando as famílias, estilhaçam quem não está de acordo e arrancam seu coração e o comem na sala de jantar. Sucuris, só pelo simples fato de poder expor sua força, divertem-se em perseguir os mais fracos, criando torturas físicas e mentais. Coalas, simplesmente nada fazem, confortáveis que estão em apreciar o movimento selvagem.

A selva permanece muda. Em sua exuberância de fauna e flora, se vê paralisada, mesmo que atenta, enquanto seu perfume natural é invadido pelo cheio podre do sangue derramado. Há algumas rotas de fuga, trilhas inventadas, quase fictícias. Para acessá-las, somente com a poesia. Poucos são os que se arriscam… mas, quando o fazem criam ficções sinceras e conseguem uma invisibilidade potente. Nessas poucas fendas, há um respiradouro, como um convite a uma voz que não urra ou geme, mas que exala harmonia sem predestinação. Nos animais que dela se servem, pouco a pouco vão brotando novos membros em seus corpos amputados. São sutis, apesar de efervescentes. Uns pirilampos passam a ter olhos mais abertos e luminescentes. Há cotovias com palavras na boca que expressam sons melódicos e encantatórios.  Vacas profanas, de divinas tetas, com olfatos alterados, sentem o perfume do feno. Morcegos ouvem os sons do infinito. Elefantes conseguem tocar o mundo com delicadeza de pluma, sem se aproveitarem se seu tamanho avantajado.

Sinfonias pairam sobre a mata. Por vezes, um silêncio sugere calma. Nessa hora um pulsar retumba sobre o bosque em uníssono. E é quando, em suas idiossincrasias, os animais dormem. Adormecidos sonham com o que lhes faz bem: as alegrias, os amores, a vontade inebriante de cantar, o gosto de um beijo, o calor do abraço e do afeto. Apesar da inclemência do bosque, na mansidão do sono, todos recordam um mesmo âmago e não necessitam desfraldar bandeiras. Há alquimia nas esquinas, e não perigo.


Silvia Teske
– artista