Sindicatos tentam driblar fim da contribuição obrigatória com aprovação do desconto em assembleias
Porém, há resistência por parte dos empregadores em realizar o desconto sem autorização individual
Em teoria, a reforma da legislação trabalhista brasileira trouxe o fim da contribuição sindical obrigatória a todos os trabalhadores, que consiste no desconto do valor de um dia de trabalho por ano. Na prática, entretanto, é possível que essa contribuição continue a ser cobrada. A divergência será decidida em batalha jurídica que já teve os primeiros capítulos, mas que está longe do fim.
A lei 13.467, denominada de reforma trabalhista, altera o artigo 579 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dando-lhe uma nova redação. Em seu artigo 579, estabelece que o desconto “está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participem de uma determinada categoria econômica ou profissional”.
Em tese, há necessidade de o empregado assinar uma autorização expressa, como prevê o artigo 582 da nova CLT.
“Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento”.
Porém, sindicatos de Brusque, assim como em diversas partes do Brasil, tem se aproveitado de uma possível brecha da lei para manter a contribuição compulsória de todos os trabalhadores da categoria. Isso está sendo feito mediante a realização de assembleias, nas quais a aprovação do desconto pela maioria tem servido como base para manter a cobrança de contribuição.
Alguns sindicatos do município já fizeram esses atos. A mais recente é a do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Brusque e Guabiruba (Sintrivest). Em assembleia realizada no dia 24, os presentes aprovaram a manutenção do desconto anual para todos os trabalhadores do setor, independente da autorização individual.
A entidade entende que, atualmente, a autorização prévia e expressa do trabalhador prevista na lei pode ocorrer de forma coletiva, por meio de uma assembleia convocada exatamente para este fim. Isso, de acordo com orientações jurídicas que tem sido repassadas aos sindicatos.
O movimento vem de cima para baixo. Centrais sindicais brasileiras emitiram comunicados orientando que os sindicatos filiados façam exatamente o que fez o Sintrivest: assembleias específicas para aprovar a manutenção da contribuição.
A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), por exemplo, emitiu opinião no sentido de que não está expressa na lei a necessidade de haver uma manifestação individual do trabalhador.
Apesar disso, há sindicatos laborais que mantiveram a necessidade da autorização individual do empregado.
O Sindicato dos Bancários de Brusque, por exemplo, tornou público um edital no qual informa que os bancos deverão descontar a contribuição somente dos empregados que autorizaram individualmente o desconto.
Mario Dada, presidente do sindicato, afirma que no caso dos bancários foi realizada uma assembleia em que deliberou-se pela cobrança, mas se optou por manter a necessidade de autorização individual e expressa dos trabalhadores, embora ele acredite que ela possa ser desnecessária. “Existem pareceres jurídicos que dizem que a autorização pode ser de forma coletiva”, afirmou.
Entidades patronais estão
em dúvida sobre legalidade
Apesar do entendimento de que a cobrança da contribuição sindical por meio de aprovação em assembleia estar pacificado entre alguns sindicatos laborais, o mesmo não acontece com os sindicatos patronais.
No fim de janeiro, por exemplo, quatro deles convocaram uma coletiva de imprensa para pedir aos associados que continuem a fazer o pagamento, já que agora não existe mais a obrigatoriedade.
Marcelo Gevaerd, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Brusque (Sindilojas), afirma que, hoje, o entendimento do sindicato é de que o pagamento da contribuição é opcional, mas reconhece que, neste momento, existem muitas discussões jurídicas sobre o assunto.
Em relação à aprovação em assembleia, as dúvidas são ainda maiores. “É uma situação muito complicada, hoje é muito difícil falar [se é correto ou não]”.
Rita Conti, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Brusque (Sindivest), diz que o tema ainda precisa ser discutido, mas, na sua avaliação, não existe mais obrigação de contribuir com o sindicato, conforme a lei vigente.
A empresária afirma que o desconto acontece via empresa, e fazê-lo sem a anuência do trabalhador gera um risco, inclusive, de processos. “Não posso obrigar, o funcionário pode cobrar na Justiça depois”, avalia.
Ela afirma que a aprovação em assembleia é uma possibilidade plausível, mas sustenta que tem de haver o “sim” expresso do trabalhador, em relação ao desconto de um dia de trabalho.
“Tem que se criar um mecanismo para se obter esse ‘sim’ antes de fazer um desconto”, diz. Para Rita, o desconto ainda não pode ser feito sem autorização, até haver um entendimento jurídico que dê segurança a este ato.
Sindicato dos servidores
quer manter contribuição
Quem também aprovou em assembleia a cobrança de contribuição sindical obrigatória foi Sindicato dos Servidores Públicos de Brusque (Sinseb). A entidade publicou edital no qual notifica as prefeituras de Brusque, Botuverá e Guabiruba a realizarem o desconto de todos os servidores públicos.
A entidade ajuizou, inclusive, ações na Vara do Trabalho de Brusque, na qual pedia, liminarmente, que o Judiciário determinasse que as prefeituras fizessem o desconto da contribuição, de forma compulsória.
O sindicato alega a inconstitucionalidade dos artigos que mudaram a forma da cobrança da contribuição. No entanto, os pedidos não foram atendidos neste primeiro momento.
Conforme trecho de despacho do juiz Helio Romero, da 1ª Vara do Trabalho de Brusque, diante das alterações promovidas nos textos da lei que tratam da contribuição sindical, não há elementos que justifiquem a autorização para a cobrança neste momento, sendo que a questão deve ser melhor discutida no decorrer do processo.
Na prática, apesar da aprovação em assembleia, não há garantias de que as prefeituras promoverão o desconto. Aliás, a tendência é o contrário.
O procurador do município de Botuverá, Rodrigo Lazzarotti, afirma que, diante do entendimento do Judiciário, não havendo declaração de inconstitucionalidade da nova legislação trabalhista, o parecer da assessoria jurídica será no sentido de que se respeite-a, ou seja, mantendo a contribuição somente aos que autorizarem.
A questão, entretanto, ainda será bastante discutida em todas as instâncias do Judiciário. Parte dos pareceres que embasam a tentativa dos sindicatos de driblar a nova lei trabalhista vem, justamente, de magistrados da Justiça do Trabalho.
No ano passado, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) realizou um congresso para discutir a reforma trabalhista, o qual gerou uma resolução contendo aquilo que se aproxima da opinião dos juízes que dela fazem parte.
Essa resolução diz, entre outras coisas, que a contribuição sindical tem natureza de imposto e só poderia ser modificada por uma lei complementar, mas a reforma trabalhista se deu por meio de uma lei ordinária.
Além disso, a posição firmada pela Anamatra é de que uma decisão em assembleia pode valer por toda a categoria de trabalhadores. Cabe esclarecer que o documento, segundo a própria Anamatra, não tem valor legal, mas serve para o debate do tema.
Alguns especialistas no assunto, porém, adotam entendimento diferente. Vivian De Gann dos Santos, professora da Univali e especialista em Direito e Processo do Trabalho, afirma que, na sua avaliação, a contribuição deve ocorrer mediante autorização individual do empregado “especialmente diante da clareza do artigo 579 da CLT, alterado pela reforma trabalhista”.
“Contudo, há grande discussão sobre a validade do artigo, pois questiona-se se a lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) seria o meio adequado para retirar a obrigatoriedade da contribuição sindical – dada sua característica de tributo. Neste momento, há decisões judiciais que seguem as duas vertentes”, afirma Vivian.
Ela também destaca que tramitam no Supremo Tribunal Federal algumas ações sobre o tema, “de forma que após os julgamentos dessas demandas é que se terá uma posição jurídica sólida acerca do assunto”.