“Sofremos junto com as famílias”: conheça a história, o cotidiano e os relatos de um coveiro de Brusque

Lee Majors trabalha no Cemitério Parque da Saudade há seis anos

“Sofremos junto com as famílias”: conheça a história, o cotidiano e os relatos de um coveiro de Brusque

Lee Majors trabalha no Cemitério Parque da Saudade há seis anos

Mais do que abrir covas no cemitério, ser coveiro nos dias atuais exige habilidades e conhecimentos que antes eram incomuns para a profissão. De pedreiro a carpinteiro, os profissionais de uma das áreas mais antigas do mundo precisam se adaptar e aprender sobre o trabalho de forma rápida.

Em entrevista exclusiva ao jornal O Município, o coveiro e morador de Brusque, Lee Majors de Souza Barroso, de 42 anos, conta suas histórias, medos, aflições e anseios no exercício da profissão. Mais do que apenas “abrir buracos”, o profissional conta que o “fim da vida” pode ensinar muito mais do que amedrontar.

João Henrique Krieger/O Município

Versatilidade

Natural de Manaus e trabalhando há mais de seis ano como coveiro no Cemitério Parque da Saudade, Lee relata que assim que chegou em Brusque, participou de um processo seletivo feito pela prefeitura. Quando foi aceito, ele foi enviado para o local e conta que aprendeu com a profissão ao longo do tempo. 

“É uma profissão que deveria ser mais valorizada. São poucas pessoas que gostam de exercer a função, mas precisamos nos sustentar. Da exumação ao sepultamento, há muitas tarefas que precisamos realizar. Hoje o profissional precisa ser versátil, visto que atuamos em diversas áreas como: motorista, carpinteiro, pedreiro e limpeza. É preciso saber fazer tudo”, revela Lee. 

João Henrique Krieger/O Município

Questionado sobre a parte difícil da profissão, o coveiro conta que quando alguém vai fazer teste, a primeira coisa que é analisada é como a pessoa lida com uma exumação. É neste ponto que Lee identifica se a pessoa está preparada para a função. Segundo o coveiro, a maioria das pessoas que faz o teste, no segundo dia não retorna mais.

“Não é fácil. É preciso ter um preparo psicológico grande. A gente aprende a viver no cemitério. Trabalhar dentro de um local como esse para mim é uma grande experiência de vida. Eu aprendi muitas lições trabalhando aqui”, complementa.

Cotidiano 

Quando chega no cemitério pela manhã, Lee conta que a primeira coisa do dia é checar se há algum velório ou enterro no local. Se houver, é preciso acompanhar, se não, ele vai realizar outras tarefas.

Não há uma ordem específica, mas todos os dias existem muitas coisas para fazer. Limpeza geral, jardinagem, concretar túmulos, trabalhar em escavações para novos túmulos, atividades de carpintaria, concretar “gavetas” e o que mais for solicitado.

Inclusive, questionado sobre as “gavetas”, Lee diz que a construção é uma novidade no cemitério. “É um local especial para que famílias possam colocar as cinzas dos parentes de uma maneira organizada. É novidade, logo a opção estará disponível para a comunidade”, revela.

João Henrique Krieger/O Município

Questionamentos

Durante a conversa, Lee comentou que os profissionais que trabalham no cemitério muitas vezes são criticados pela limpeza e ordem do local, mas o profissional dá uma outra versão sobre as críticas.

“A gente entende as críticas construtivas, mas estamos fazendo o possível. O local é gigante, há muitas tarefas no cotidiano. Respeitamos as reclamações, mas poucos aparecem para elogiar quando organizamos tudo. Trabalhamos com todo o cuidado do mundo, tudo é muito sensível. Lidamos com a tristeza das pessoas e entendemos os momentos de exaltação, mas é preciso ter consciência de que somos profissionais e temos família. Tenho certeza que eu e meus colegas sempre estaremos buscando dar o nosso melhor”, desabafa.

“É fácil virem aqui, gritar com a gente, bater foto de algo está fora do lugar ou sujo. Difícil é aparecer quando estamos trabalhando duro, realizando a limpeza geral, confortando uma família ou fazendo uma exumação delicada. Vejo poucas pessoas nestes momentos. É só vir e olhar, estamos aqui batalhando. Sempre estamos ocupados com a organização e limpeza do espaço. Sempre que alguém vier, terá um profissional cuidando de alguma coisa”.

João Henrique Krieger/O Município

Se engana quem pensa que no cemitério não existem regras. Segundo o profissional, no espaço não há privilégios, já que não existe a opção de escolher o local do sepultamento.

“Isso só é possível quando a família possui algum terreno aqui ou existe alguma ordem maior neste sentido. A ordem de enterro é sequencial, é preciso respeitar. Ricos e pobres, famosos e anônimos serão tratados da mesma maneira, com o mesmo respeito”, explica.

Pandemia

Entre os momentos difíceis que já viveu, o coveiro conta que trabalhou durante os anos duros da pandemia da Covid-19 e relembra, com tristeza, alguns momentos sofridos ao lado das famílias. Ele conta que, por muitas vezes, esqueceu que estava na “linha de frente” contra a doença fatal.

“Olhando de um certo ponto de vista, fazemos parte deste time (linha de frente). Muitas pessoas não puderam velar seus parentes, mas nós enterramos eles aqui. Eram corpos chegando todos os dias, muito triste. Além disso, havia medo. Tínhamos o nosso modo de nos proteger, mas também temos família. Foi uma época tensa para todos nós”, lembra.

O profissional revela que muitas vezes sentiu o medo de perder a família, já que convive com a angústia e o sentimento de perda diariamente. “É preciso ter um preparo, um psicológico pronto para viver situações como essas”.

João Henrique Krieger/O Município

Futuro

Questionado sobre o futuro, o coveiro responde que é preciso agradecer pela profissão e o emprego que tem, e que é preciso ser profissional independente da função.

“Sempre peço para que profissionais como eu possam ser mais valorizados. Nossa função não é para qualquer pessoa e, com toda a humildade, sem nós, não existiria isso tudo. Alguém precisa fazer esse trabalho “pesado” e por muitas vezes triste, essa é a minha função e gosto do que faço. Sentimos todas as dores e sofremos junto com as famílias”, conta.

João Henrique Krieger/O Município

“A juventude de hoje também precisa entender que esse momento da vida é importante. Vejo muitos túmulos esquecidos, filhos que não visitam os pais ou ao contrário. Um dia todos nós teremos o mesmo fim. Enquanto eu seguir atuando nesse ramo, trabalharei com respeito e profissionalismo”, conclui Lee.


– Assista agora:
História do Santuário de Azambuja, em Brusque, está retratada em seus vitrais

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