Sopro
A boca se abre com intenções prematuras. Os lábios, antes encarcerados, libertam-se com suas nuances macias. São gordos, largos, adjacentes. Tremem…Ainda é uma novidade este estado de permissão. Aleatórios ao que os circunda, os lábios não usam batom. Carnudos, quase intolerantes, projetam-se para fora…oferecidos. Molhados e indiscretos parecem prontos para cometer insensatez.
Dentro um vulcão de impropérios. Fora um vazio silencioso, carregado de sonoridades escondidas. O caminho de se abrir, de molhar-se, de atirar-se para fora, como um sopro a prometer injurias, é imaturo.
No entanto, houve um silêncio anterior. Prolongado intensamente, perigosamente. Ficaram calados, costurados, inadequados. Então, é compreensível que estejam ansiosos. Até mesmo apressados por dizer. Talvez até gritar ininterruptamente…
Mas, também, calados mantiveram-se conectados com paisagens nunca antes navegadas. Além dos rios, havia feitiços. E mais além, as desconhecidas criaturas… aladas, irrisórias, estapafúrdias… Borboletas, cavalos-marinhos, sereias…Existiram mariposas desgovernadas e luzes sem ribaltas.
Descompassos. Arritmias. Condensação.
Na mescla dessas duas atividades internas, se contrapondo com o vazio externo. Os lábios estavam prontos e não iriam deixar de aproveitar a oportunidade que aparecia de abrir-se e comunicar-se.
Encaixaram-se, atrevidos e cientes do seu poder…e sopraram…um misto de silêncio e chiado, conjugado com palavras aleatórias, e significados flexíveis…e aquele som, meio bicho, meio saliva, indecência e atrevimento…provocaram uma avalanche de possibilidades…porque não havia uma palavra a ser dita…não, o que os lábios fizeram foi abrir-se para o mundo e soprar as delicadas joias guardadas sobre a imensidão do mundo que precisava preencher o seu vazio.
Silvia Teske – artista