Teorias e Pretensões
O que era inevitável está acontecendo. Uma profusão de artigos, reportagens e comentários acerca da renúncia do papa Bento XVI tem tomado os meios de comunicação. É engraçado, para não dizer irritante, a quantidade de pessoas avessas ou totalmente desligadas da religião e do catolicismo que destilam comentários ácidos, com pitadas de comicidade, como quem tripudiasse sobre um adversário nocauteado.
Como católico, tenho tentado ser paciente e tolerante, mas preciso registrar uma pérola que li na última sexta-feira. Ignorarei a bobagem específica sobre o papa, mas vou me fixar na parte “filosófica” do artigo. Pois é, na sexta eu fui ao médico em Blumenau, e, na espera, passei os olhos pelo “Jornal de Santa Catarina”. Chamou-me à atenção o artigo denominado “Ratzinger”, do colunista que se denomina “CAO”. Ele começa afirmando que estudou em escolas católicas, embora seja luterano de nascimento e que deve muito aos padres e formadores católicos que o instruíram. Mas diz que os inúmeros dogmas religiosos a que foi submetido “sucumbiram aos rudimentos da Física e da Lógica”. Diz ainda que outras tantas crenças foram “ceifadas do meu (seu) pensamento por, até bastante rasos, raciocínios cartesianos”.
Não poderia deixar passar essa. Primeiro porque a Física está a anos luz de poder desautorizar crenças ou dogmas religiosos, a menos que sejam crenças pueris, e a Lógica muito menos, já que é apenas uma ferramenta da linguagem.
Não tenho a menor dúvida de que não foram a Física e a Lógica que fizeram sucumbir as crenças do colunista, mas o Positivismo, uma teoria filosófica criada pelo francês Augusto Comte, para quem a ciência suplantaria todas as outras formas de explicação das coisas. Esse Positivismo, arraigado na educação brasileira, ajudou a formar muito preconceito, ligado a uma compreensão ingênua da própria ciência.
Mas eu ri sozinho ao ler a referência do colunista aos “raciocínios cartesianos”. Ele se referia aí a outro filósofo francês, Reneé Descartes (em latim, Descartes é Cartesius, daí o “cartesiano”). Descartes propõe o método da dúvida, para que não se acredite em nada que não tenha evidência explícita (de onde saiu a famosa frase: “Penso (duvido), logo existo”. O colunista, ao que parece, não leu a obra “Meditações Metafísicas”, em que Descartes aplica esse método. Em sua penúltima “meditação”, Descartes chega à conclusão de que “é necessário que eu confesse que Deus existe” e “reconheci que há um Deus, porque ao mesmo tempo reconheci que todas as outras coisas dependem dele”, e ainda, na última meditação, “agora não entendo outra coisa a não ser o próprio Deus, ou então a ordem e a disposição que Deus estabeleceu nas coisas criadas”, e por aí vai. Ou seja, os “raciocínios rasos” a que se refere o colunista são realmente muito rasos. Ademais, ou ele estudou Física com fontes a que eu nunca tive acesso, ou o que aprendeu sobre a religião é mais rasante que vôo de galinha. Positivismo, pouca ciência e alguma presunção costumam gerar muita confusão. Tenho profundo respeito pelas crenças e descrenças de cada pessoa, mas me causa asco quem imagina que quem tem fé ou professa alguma religião tenha intelecto de senhorinhas ingênuas e analfabetas, e tente sustentar isso com discursos pseudointelectuais.