Tiro de Guerra de Brusque completa 100 anos de fundação
Confira depoimentos de pessoas que marcaram a história do TG 05-005
O ano de 2016 marca uma comemoração especial para Brusque: o centenário do Tiro de Guerra. Fundado em 8 de dezembro de 1916, a instituição representa um braço do Exército Brasileiro no município e propicia a prestação do serviço militar inicial aos jovens de 18 anos. A cada ano, uma nova turma passa pelo TG e ao fim dos nove meses de formação, os jovens reservistas estão aptos a desempenhar tarefas na paz e na guerra.
Quando iniciou as atividades, a instituição recebeu o nome de TG 317. À época, 68 atiradores participaram das instruções desenvolvidas no Schützenverein (Sociedade de Atiradores). Porém, o TG precisou suspender as atividades por uma década, após a assinatura do armistício da I Guerra Mundial, em 11 de novembro de 1918, que pôs fim ao conflito internacional.
Com um movimento organizado por pessoas da sociedade brusquense, o Tiro de Guerra foi reativado em 1928, com instruções realizadas nas dependências da prefeitura. Apenas em 1941 foi construída a sede do TG, que permanece até hoje na rua Felipe Schmidt, no bairro São Luiz.
Na inauguração do prédio, estiveram presentes o interventor federal Nereu Ramos, general Ari Pires, comandante da 5ª região militar, com sede em Curitiba, no Paraná, o chefe do estado maior, coronel Sousa Lima e as autoridades municipais.
Durante a II Guerra Mundial, alguns ex-atiradores do TG participaram da Força Expedicionária Brasileira. De Brusque, 47 soldados defenderam a pátria na Itália. Em 1945, o TG passou a se chamar Tiro de Guerra 170 e somente em 8 de maio de 1979 é que recebeu a denominação de TG 05-005, que permanece até hoje.
Em 12 de dezembro de 2012, o prédio do Tiro de Guerra foi o primeiro patrimônio histórico do município a ser tombado. Na mesma data, houve a inauguração da revitalização do prédio. A reforma contou com troca do telhado, forro, substituição da instalação elétrica e hidráulica, pintura, jardinagem, reformas nas salas administrativas e instalação de câmeras de segurança.
O atual chefe de instrução, subtenente Tomaz Jacinto Rodrigues, afirma que a existência do órgão há tanto tempo no município confirma o esforço contínuo por parte da população e do governo municipal. “A demanda administrativa para a manutenção da formação do atirador é proveniente de acordo com a prefeitura. Da outra parte, o Exército se encarrega de conceder os profissionais habilitados para a execução da formação e da representação institucional, além do fornecimento de materiais”.
Com um TG no município, os jovens brusquenses têm a possibilidade de prestar o serviço militar inicial sem deixar a cidade e, ao mesmo tempo, conciliar os estudos e o trabalho.
Para o subtenente, o Tiro de Guerra de Brusque é uma referência para os que planejam ingressar no Exército e adquirirem os conceitos do “servir à pátria”. Ele acrescenta que os conceitos da formação militar são vislumbrados diariamente pelas empresas que buscam o jovem com o afinamento da disciplina e hierarquia. Para ele, os pais avaliam que é uma oportunidade para o filho amadurecer e ter novas oportunidades, além de aprender “ensinamentos fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade justa e igualitária”. “No TG, os jovens aprendem esse convívio ao dividirem, auxiliarem e tomarem conhecimento das leis que regem a sociedade, sendo futuros difusores do civismo, patriotismo e cidadania à sua sociedade e aos seus sucessores”.
Além de prestarem o serviço militar inicial, os jovens que passam pelo TG podem atuar na Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e na Defesa Territorial, participar na Defesa Civil e colaborar em projetos de ação comunitária.
Doutor Nica: dedicação e amor ao TG
Em 2015, após a morte de João Antônio Schaefer, o doutor Nica, aos 97 anos, o prédio do Tiro de Guerra recebeu o seu nome. A homenagem não é à toa: o médico dedicou 46 anos de sua vida ao cargo de diretor-presidente do TG.
O escritor Saulo Adami relata no livro Doutor Nica que “assim que começou a desempenhar as atividades profissionais em Brusque, havia o interesse em transformar o TG, administrado pelo município, em uma entidade particular”. Porém, a pedido do prefeito Paulo Bianchini, o órgão permaneceu municipal.
Doutor Nica, que era primeiro tenente, assumiu a direção pela primeira vez em 18 de janeiro de 1947 e permaneceu até 2 de outubro de 1948, quando foi substituído pelo 2º tenente Reynaldo Eugênio Kososky. Porém, em 25 de janeiro de 1951, o médico reassumiu o posto.
A filha do médico, Mariane Schaefer Minatti, de 51 anos, lembra do amor e dedicação do pai ao Tiro de Guerra. Mesmo após deixar a direção, doutor Nica não deixava de acompanhar as atividades da instituição e estava sempre presente em todos os momentos. “Meu pai aprendeu muito ao servir ao Exército. Ele trabalhava muito a questão de valores com nossa família”, conta.
Mariane lembra que as três palavras mais importantes sempre ditas pelo pai eram: perdão, fé e amor. Doutor Nica, que foi bastante dedicado à cidade, ao país e à família, sempre levava os filhos ao Tiro de Guerra. “Como ele era muito religioso e estava sempre nos festejos e homenagens cívicas, nós, filhos, criamos também um amor enorme pela instituição”.
Alguns dias antes de morrer, o médico pediu para a filha o levar até o Tiro de Guerra. Apesar de não conseguir sair do carro, pois já não conseguia mais caminhar, ficou parado na frente da instituição e foi recebido pelos chefes de instrução. “Ele ficou lembrando de como tinha sido feliz naquele local”, emociona-se Mariane ao relembrar.
Por conta do trabalho no Exército e de contribuições às Forças Armadas, doutor Nica recebeu algumas medalhas de honra. Segundo a jornalista Patrícia Lima, no livro de Saulo Adami, as mais importantes foram entregues em nome do ministro da Guerra, general Sílvio Frota, em 1974, e do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1997.
O médico também recebeu a medalha de Pacificador, que distingue militares e civis, nacionais ou estrangeiros, que tenham se destacado na prestação de serviços relevantes ao Exército Brasileiro. Em 2007, ele ainda recebeu a medalha de Mérito Parceria Comunitária, pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina e Lions Clube Catarinense.
Amor de pai para filhos
O amor de doutor Nica pelo Tiro de Guerra foi tão marcante aos filhos que o legado permanece. Agora, os filhos continuam amigos do TG e participam dos principais momentos da instituição. Segundo Mariane, ela e os irmãos buscarão recursos financeiros para que os trabalhos executados pelo pai continuem. “No Tiro de Guerra se trabalha muito os valores éticos e morais e isso é importante para o jovem, pois o país está se esquecendo disso”, analisa.
Mariane, que tem formação em Língua Portuguesa e Literatura, pretende criar um projeto para levar palestras sobre família, drogas e valores éticos aos jovens atiradores. “Queremos fazer uma parceria com o TG, pois nós, filhos, queremos perpetuar o trabalho do pai naquele local”, afirma.
A segunda casa do 101
Por mais de duas décadas, Ivo da Silva, de 71 anos, prestou serviços de manutenção ao Tiro de Guerra. Durante esse período, conheceu muitos jovens que passaram pelo local, que depois tiveram filhos que também foram atiradores. Foi no convívio com os atiradores que o homem foi apelidado de 101. Com grande amor pelo local, 101 fazia muito além da sua obrigação profissional para que o TG se tornasse melhor para as pessoas que passavam por lá.
Para ele, o Tiro de Guerra se tornou uma segunda casa, pois era onde passava grande parte do tempo. “Aquele lugar é maravilhoso, é um exemplo de vida, foi um dos melhores lugares em que trabalhei. Foi uma grande experiência para mim”, diz.
Em seu tempo de juventude, Silva não teve a oportunidade de servir ao Exército, pois com a morte da mãe, o pai pediu que ele fosse dispensado para trabalhar e ajudar nas despesas de casa. “Se hoje fosse para servir, eu iria, pois gosto muito das atividades do Exército. Criei uma paixão muito grande”.
101 lembra que como era o funcionário mais antigo em atividade e fazia todos os serviços de manutenção, ganhava a confiança dos sargentos. Durante os períodos de férias, ele ficava com a chave do TG para cuidar do local. “E eu fazia por amor mesmo. Ia para lá de manhã e saía tarde da noite”.
Ainda hoje, mesmo aposentado, 101 passa quase todos os dias pelo Tiro de Guerra para ver como está e ajudar quando necessário.
Experiência de grande aprendizado
Em 1995, o capitão da reserva Danilo Pacheco Escaramusa, de 62 anos, chegava a Brusque para ser instrutor no Tiro de Guerra. No ano seguinte, ele assumiu a chefia, função em que permaneceu por quatro anos. “Foi uma experiência diferente, pois antes trabalhava no operacional e no administrativo”, conta.
Durante o tempo em que permaneceu no TG, Escaramusa teve a oportunidade de trabalhar ao lado do médico doutor Nica. “Aprendi muito com ele, pois se dedicava integralmente ao TG. Sempre que precisasse, estava à disposição”, lembra.
Para Escaramusa, o TG teve grandes evoluções ao longos dos anos e sempre com um papel importante, especialmente nos movimentos de integração e auxílio à comunidade, além de participação na Defesa Civil. “É muito importante a passagem do jovem pelo TG, é um ano inesquecível, em que se faz grandes amizades e se adquire um conhecimento para a vida, além do crescimento e experiência profissional”.
O capitão da reserva acrescenta que os anos em que atuou no Tiro de Guerra foram mais do que apenas instruir os jovens atiradores, mas também de grande aprendizado. “A gente sempre tem mais a aprender do que a ensinar e isso foi muito marcante para mim”, diz.
Meio século de lembranças
No mesmo ano em que o Tiro de Guerra comemora os 100 anos, a turma de ex-atiradores de 1966 completa 50 anos que serviram ao Exército Brasileiro. Daquela turma, Oscar José Lauritzen, de 69 anos, e Gilson Roberto Deichmann, 69, relembram grandes momentos e histórias de aprendizado.
Para comemorar a data, a turma organizou um encontro, em maio, onde quase todos os 58 membros participaram.
Entre as lições mais marcantes aprendidas no TG, Deichmann ressalta que a pontualidade e o respeito com os outros é o que levou para a vida. “Tivemos conhecimento de muitas coisas, como noções de civismo, respeito às ordens, hierarquia e cumprimento de horários. Tudo isso é realmente importante para um jovem de 18, 19 anos”, diz.
Lauritzen lembra que serviu no período da ditadura militar, com isso, os chefes de instrução eram mais rigorosos e passavam bastante tempo de plantão. “Íamos para o TG de domingo a domingo. Chegávamos de manhã e não tínhamos hora para sair”.
Na época, cada atirador tinha apenas uma farda, que na visão de Deichmann era “feia”. Todos os dias, após chegarem em casa, os atiradores já tinham que lavar o uniforme para usá-lo no dia seguinte. Apenas na segunda-feira era permitido não usar a farda.
Os ex-atiradores lembram de um momento marcante durante os nove meses que passaram pelo TG: o Campeonato Brasileiro de Tênis, que foi realizado em Brusque. “Nós ficamos de guarda no evento, e foi a primeira vez que aconteceu em Santa Catarina. Então uma parte da turma cuidava do alojamento dos homens, no Seminário de Azambuja, e outra parte no alojamento feminino, no Colégio São Luiz”, conta Lauritzen.
Para ele, o serviço prestado durante o campeonato o fez se sentir mais importante e com mais responsabilidade, pois eles precisavam vigiar o tempo todo.
Restaram grandes amizades na turma de 66. Dos 58 atiradores, 12 já faleceram. “A gente sempre lembra com carinho de todos, mas tem alguns que a gente se apegou mais, até porque já estudávamos juntos na escola, e com isso a amizade permanece até hoje”, diz Deichmann.
Escola de obediência
Em 1969, Jorge Bianchini, de 66 anos, preencheu uma das vagas da turma de atiradores do Tiro de Guerra. Para ele, foi um ano sensacional, de grandes aprendizados. “É uma escola de obediência, de formação do caráter do homem”, afirma.
Na época de sua convocação para servir ao Exército, Bianchini teve um impasse, pois iria prestar o vestibular para Engenharia Agrônoma, em Blumenau. Com isso, precisou deixar um grande sonho para trás e, tempos depois, se formou em Contabilidade. “Não me arrependo da escolha, pois com certeza o rumo da minha história mudou para melhor com essa passagem pelo TG”.
As amizades também foram marcantes para ele, pois lembra que a maioria já se conhecia da escola, e ao servirem juntos, os laços se fortaleceram ainda mais. “Tanto é que desde então, sempre fizemos encontros a cada cinco anos para reencontrar a turma”, conta.
Dos 69 ex-atiradores da sua turma, Bianchini diz que 14 já morreram. Por isso, durante os encontros, sempre prestam homenagens aos colegas falecidos. “Agora já estamos preparando nossa festa de 50 anos, em 2019”, afirma. Ele ressalta que nos encontros feitos pela turma, geralmente entre 80% a 90% dos ex-atiradores participam, especialmente os que moram fora da cidade.
Honra em servir ao Exército
Para José Moacir Merico, de 73 anos, servir ao Exército era questão de honra para o jovem e sua família. Ele afirma que foi no Tiro de Guerra, em 1962, que aprendeu o que é a vida real. “Tive grandes ensinamentos de disciplina e comportamento, mas naquela época a gente já trazia muito de casa também, pois os pais eram mais rigorosos também quanto a isso”.
Merico diz que servia com alegria, pois se sentia responsável com 18 anos. “Servi ao Exército em uma época turbulenta, com crise política, e tínhamos que ficar muito de plantão, caso ocorresse algum problema”, lembra. Ele ressalta que foram momentos essenciais para sua formação pessoal. “São ensinamentos e modo de vida que trouxe para o dia a dia e busquei repassar aos meus filhos e netos”, conta.
Uma das maiores lembranças que Merico guarda do TG até hoje com grande carinho e cuidado, é seu certificado de reservista. Das amizades conquistadas no Tiro de Guerra, muitas ainda permanecem.