Trabalhador de 74 anos mantém vivo o conserto de guarda-chuvas em Blumenau
Ex-funcionário e agora proprietário de uma das poucas "clínicas de guarda-chuvas" de Santa Catarina conta sua história
Pensar em levar o guarda-chuvas para o conserto não é muito comum para os mais jovens, afinal, é até considerado barato comprar um novo. Porém, isso era bem normal há alguns anos, quando o objeto era bem mais caro e não se encontrava em cada esquina.
Essa demanda, aliás, era grande, e por isso em Blumenau existiu uma fábrica que fazia e consertava guarda-chuvas: a Guarda-Chuvas Creuz, de 1902. E foi nela que Rainoldo da Silva, hoje com 74 anos, começou a trabalhar no ramo, com apenas 19 anos, em 1965.
“O seu Curt Creuz foi o segundo dono, ele é filho do Max Creuz. Ele foi um paizão pra mim, considero assim. Ele foi o último a me criar, me colocou na empresa com menos de 20 anos, me ensinou muito e me ajudou muito na vida. Chegou a me emprestar dinheiro para eu comprar minha casa”, fala emocionado ao lembrar do ex-patrão.
Rainoldo começou como um auxiliar, montando os objetos. Aos poucos foi ganhando mais funções, aprendendo praticamente tudo que passava pela empresa, desde o conserto e estruturação dos guarda-chuvas e guarda-sóis, até a compra de materiais e serviços administrativos.
“O velhinho sempre me chamava e perguntava como estava a empresa, como estava a relação do estoque… e ele sempre vinha com um talão pra mim, quando tinha um dinheirinho ele ia lá perguntar pra mim o que a gente ia comprar”, lembra Rainoldo.
O trabalho como herança
O trabalhador seguiu na empresa até depois da morte do “segundo pai”, Curt Creuz, e saiu apenas em 1992, quando se aposentou. Porém, a história de Rainoldo da Silva com os guarda-chuvas não acabou por aí.
Cinco anos depois, o filho de Curt, Waldemar Creuz, que assumiu os negócios, foi até a casa de Rainoldo dizendo que a empresa havia fechado, mas que várias ferramentas e objetos haviam sobrado e que, se ele quisesse, poderia pegá-las. Foi assim que nasceu a Clínica de Guarda-Chuvas, em 1997.
“Eu fui lá, peguei e levei tudo para minha casa. Comecei a ver o que prestava e realizei o meu sonho de ter meu próprio negócio, e ainda continuando a história do velho Curt”.
Ele se mudou de endereço por algumas vezes, atuou na rua XV de Novembro, na antiga rodoviária – rua Padra Jacobs – e na Beira Rio, nº 341, no porão e nos fundos do Edifício Mauá, onde funciona atualmente.
“Sou feliz naquilo que faço e alegre por tudo que tenho. Eu amo isso aqui, porque foi onde conquistei tudo. E claro, com a ajuda do meu patrão, meu paizão. Até me emociono, porque tenho muito orgulho de estar tocando isso aqui, sei que lá no céu onde ele está, ele está me abençoando e me protegendo por isso. Faço tudo em homenagem a ele”, conta o agora responsável pela “quarta geração” do serviço em Blumenau.
Nos dias de hoje
Atualmente a Clínica dos Guarda-Chuvas continua funcionando em horário comercial, com Rainoldo atendendo clientes todos os dias. Ele segue fazendo e consertando as “sombrinhas”, os guarda-sóis, toldos, e até começou a fazer bolsas com a sobra de tecido dos outros objetos.
Para ele, o trabalho não é nem a garantia de sustento, isso vem da aposentadoria e dos ganhos da esposa. “Eu sigo porque amo. Todo dinheiro que ganho vai para a empresa continuar funcionando e eu permanecer aqui. De resto, o que sobra uso pro churrasco com cerveja do fim de semana, que também é sagrado, né?”, conclui com sorriso no rosto.
Extinção
Rainoldo conta que, além dele, conhece apenas outros dois estabelecimentos que fazem o que ele faz, um em Joinville e outro em Florianópolis. Por conta disso, ele atende clientes de toda Blumenau e Santa Catarina, “até o pessoal do extremo Oeste”, conta ele.
Mas essa escassez de trabalhadores, apesar de garantir mais clientes e não deixar seu Rainoldo sem serviço, deve trazer outro resultado daqui a tempo: a extinção.
“Provavelmente vai acabar. Eu até me disponibilizo a ensinar, não alguém que seja velho igual eu, aí não adianta, mas algum jovem com sangue nas veias eu ensinaria tudo, forneceria as peças… mas ninguém quer ganhar pouco nesse país. Eu faço porque amo muito”, finaliza.