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Tragédia de 2008: quais as causas de tantos estragos em Brusque

Combinação de chuva intensa, características da região e ocupação urbana desenfreada contribuíram para o caos

Das 135 mortes ocorridas durante a tragédia ambiental de 2008 no estado de Santa Catarina, mais de 80% foram causadas pela ocupação humana em áreas de preservação permanente. A conclusão é do geólogo Juarês Aumond, que analisou cada ponto de escorregamento de encostas no estado após a catástrofe.

Estudioso da tragédia geoclimática de 2008, Aumond publicou inúmeros artigos em livros e revistas científicas que tratam do tema. Ele avaliou a maioria dos escorregamentos de terra ocorridos, e tabulou suas causas, estudo pelo qual afirma categoricamente que as atitudes humanas foram combustível para o problema.

“Chegamos a conclusão que 82% das mortes não foi a natureza que provocou, fomos nós que construímos o desastre, pelo uso e ocupação de áreas que eram de preservação permanente, que por força da lei jamais poderiam ter sido ocupadas”, avalia.

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Isso se deu, segundo ele, pelo contínuo desmatamento, construção em encostas muito íngremes, nas margens dos rios, no topo dos morros. “A natureza resgatou o que era dela, e isso que levou a essas mortes e perdas econômicas”.

Residência atingida pelo escorregamento de um morro no bairro Primeiro de Maio | Foto: Arquivo O Município

A importância da vegetação

Em entrevista ao jornal O Município, Aumond discorreu sobre os fatores que, combinados, levaram à tragédia de tamanha dimensão, como a ocupação irregular e a chuva fora do padrão caída em 22 e 23 de novembro de 2008.

O geólogo destaca que a supressão da cobertura vegetal com a construção em áreas de preservação teve papel determinante para provocar os deslizamentos generalizados em Brusque. “Acima de 45 graus de declividade, pela lei ambiental, não pode ser ocupado, é propenso a escorregar. Se suprimimos a vegetação estamos preparando o desastre”, explica.

Isso porque o sistema de raízes da vegetação é visto como a melhor forma de ancorar uma encosta e evitar escorregamentos. Suprimida a cobertura vegetal, leva cerca de cinco a sete anos para as raízes apodrecerem. O lugar onde elas estavam fica vazio, e vai acumulando água, até atingir um limite. Quando esse limite é atingido, a terra desce.

Para o geólogo, a natureza sempre busca formas de reocupar lugares que lhe foram tomados. “Os rios estão aí há milhões de anos. Quando nós ocupamos as margens, suprimimos a vegetação, construímos, estamos ocupando um lugar que não é nosso, e o rio resgata aquilo que é dele, cedo ou tarde”.

A título de comparação, um documentário desenvolvido pelo geólogo no Parque Nacional da Serra do Itajaí, que está razoavelmente bem preservado, traz a informação de que ali praticamente não houve escorregamento e, quando houve, foi pequeno, ao contrário do que ocorreu em regiões desmatadas.

Segundo Aumond, a chuva intensa, contudo, também foi preponderante. Choveu na região do Morro do Baú, em Ilhota, 650 milímetros em três dias, e 500 na região de Brusque. É um terço do que costuma chover durante um ano inteiro em Santa Catarina.

O especialista, questionado sobre a culpa do poder público sobre a tragédia, diz que “não há dúvida” que há essa responsabilidade. Na sua avaliação, o Brasil tem uma legislação ambiental adequada, mas que não é cumprida. “Falta especialmente a aplicação da legislação ambiental, o controle dessas áreas de preservação”, diz.

Chuva intensa que caiu na cidade durante dois dias foi um dos fatores que desencadeou a tragédia | Foto: Arquivo O Município

As características naturais do Vale

Além da ocupação de lugares indevidos, da falta de fiscalização do poder público e da chuva intensa, características naturais do Vale do Itajaí também contribuíram para a tragédia.

De acordo com Aumond, a região tem uma formação geológica muito antiga. “O modelado do terreno, que nós chamamos de geomorfologia, é uma região muito ondulada, com muitas encostas íngremes e vales extremamente fechados e apertados”.

Além disso, a região é propensa a muita chuva, devido às condições geográficas. Brusque é bastante semelhante ao restante do Vale, afirma o geólogo, mas de forma menos intensa.

“Até 2008 não havíamos ocupado esses vales tão apertados, essas encostas muito íngremes, por isso que o desastre não foi tão grande aqui em Brusque”, afirma, comparando o município a outras cidades do Vale, que tiveram perdas maiores.

O geólogo Juarês Aumond elaborou diversos artigos com explicações técnicas sobre a catástrofe | Foto: Marcelo Reis

 Os estragos seriam contidos hoje?

De 2008 para cá, muita coisa evoluiu. A legislação, o controle da ocupação urbana, as tecnologias de prevenção de desastre. Mas toda essa evolução seria suficiente para conter os estragos causadas àquela época, se uma chuva semelhante castigasse o município hoje?

A tendência é que não. Segundo o diretor da Defesa Civil de Brusque, Carlos Alexandre Reis, “não tem como dizer que não ia acontecer [hoje], ia, porque foi uma força maior”.

No entanto, ele acredita que a perda de bens materiais seria menor, porque a Defesa Civil consegue alertar a população com mais antecedência, garantindo um tempo mínimo para evacuação e retirada dos pertences das casas. Apesar disso, nem todos atenderiam o chamado, pois muita gente não dá ouvidos aos alertas, segundo Reis.

Para o geólogo, nos últimos dez anos a população ocupou ainda mais áreas que deveriam ser preservadas.

“Estamos vendo que especialmente o migrante, que vem para Brusque à procura de emprego, não tem onde se instalar, essas pessoas vão se instalar nas encostas frágeis que levam a possíveis escorregamentos, devido à supressão da vegetação”, alerta o geólogo.

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Ainda hoje, portanto, o cenário é de grande ocupação em áreas consideradas de risco.

A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, contabiliza 42 ocupações em área de risco em Brusque, e mais 116 são contabilizadas pela Defesa Civil do município. De acordo Reis, os moradores são resistentes em desocupar os locais, mesmo quando há alerta de desastres.

“Existe uma represália, a população tem que entender que não é mais que não vai poder voltar, mas é importante a evacuação para evitar uma catástrofe maior”.

Muita gente não teve tempo de salvar seus pertences da cheia e do lamaçal em 2008. Ou permaneciam na casa e corriam risco de serem soterrados ou deixavam tudo para trás. Essas histórias serão contadas no próximo capítulo da série, nesta quarta-feira, 21.