Uma década atrás, Brusque enfrentou maior desastre ambiental do século
O jornal O Município passa a publicar, a partir desta segunda-feira, 19, uma série de reportagens especiais sobre a tragédia de 2008, desastre climático que gerou escorregamento de morros e encostas e elevação do nível dos rios, obrigando milhares de famílias a deixarem suas casas em Brusque e no Vale do Itajaí. Nesta primeira reportagem, trazemos informações que mostram […]
O jornal O Município passa a publicar, a partir desta segunda-feira, 19, uma série de reportagens especiais sobre a tragédia de 2008, desastre climático que gerou escorregamento de morros e encostas e elevação do nível dos rios, obrigando milhares de famílias a deixarem suas casas em Brusque e no Vale do Itajaí. Nesta primeira reportagem, trazemos informações que mostram o alcance e os prejuízos causados, e como os danos afetaram a população.
Ninguém em Brusque estava mais triste, no dia 22 de novembro de 2008, do que Maria Bittencourt. À época já aposentada, ela perdeu, naquele dia, o filho André Alexandre Bittencourt, morto aos 28 anos.
Ele foi, no município, a única vítima fatal da tragédia causada pelas fortes chuvas e, sobretudo, pela ocupação humana em áreas que deveriam ser preservadas.
André faleceu enquanto consertava uma calha no telhado da casa onde morava, na localidade de Cerâmica Reis, no Steffen. Parte de uma encosta próxima da residência desceu e o soterrou imediatamente.
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Além de Maria, milhares de pessoas encontravam-se desesperadas e sem saber o que fazer naquele 22, data em que ocorreu a que é considerada por especialistas a maior tragédia climática da história de Santa Catarina: a grande enchente de 2008 no Vale do Itajaí, que trouxe consigo destruição, perdas materiais e mortes.
O episódio foi desencadeado por uma chuva estimada em 500 milímetros em pouco mais de dois dias – em algumas cidades do Vale quase chegou a 600, após meses de chuvas constantes. O temporal, além de causar uma grande enchente, acabou por chicotear as fragilizadas encostas e morros onde a população, ainda hoje, teima em se instalar.
“Foi mais do que uma enchente, foi o que chamamos de desastres de movimento de massa, popularmente conhecidos como escorregamentos, e foi classificada como a maior tragédia geoclimática da história do estado de Santa Catarina”, explica o geólogo Juarês Aumond, especialista que se dedicou a documentar e analisar as causas da tragédia.
O resultado foi imediato: casas destruídas, famílias ilhadas, ruas alagadas, estradas castigadas pela força das águas, em que o asfalto cedeu. O barro tomou conta de tudo. Foi-se a energia elétrica, o abastecimento de água, o caos estava instalado.
Os números da tragédia foram aumentando a cada hora. Ao fim, a Defesa Civil de Brusque contabilizou 3.354 ocorrências, das quais 200 quedas de postes de energia elétrica, 18 pontes destruídas e 155 quedas de árvores.
O Corpo de Bombeiros teve que resgatar 700 pessoas com botes, e foram feitos 300 cortes emergenciais de árvores cuja queda era iminente. Em Brusque, a morte de André foi a única registrada, mas no estado foram 135 em uma semana. Apenas em Ilhota, um dos municípios mais atingidos, mais de 40 faleceram.
As autoridades estimaram que a catástrofe atingiu quase 2 milhões de catarinenses. No total, 63 cidades decretaram situação de emergência e 14 entraram em calamidade pública.
A tragédia foi um estímulo a solidariedade, como poucas vezes se viu no Brasil. O país inteiro enviou 4,2 milhões de quilos de alimentos e mais de 10 mil pessoas ajudaram diretamente na recuperação das cidades.
Um mau presságio no ar
Quem viveu aquele período tem uma história parecida para contar: havia um sentimento, um presságio de que algo ruim poderia acontecer naquele ano, em relação ao clima.
O geólogo Juarês Aumond recorda que a tragédia foi detonada por uma chuva excepcional ocorrida nos dias 22 e 23 de novembro, mas os meteorologistas já haviam notado, meses antes, um comportamento incomum no volume de precipitações.
“Desde junho de 2008 chovia pouco, mas continuamente, e em novembro o céu desabou”, relembra. A chuva contínua que caia há meses, portanto, estava desestabilizando o solo, e o dilúvio do fim de novembro aproveitou-se dessa instabilidade para provocar escorregamentos de grandes proporções.
O ex-prefeito Ciro Roza, que estava para terminar seu terceiro mandato à frente da prefeitura, também estava incomodado com a chuva intermitente.
“Desde maio até agosto deu uns dez dias de sol, depois voltou a chover de novo. A terra estava encharcada. Depois tivemos uma precipitação muito grande, choveu muito num espaço curto de tempo”, recorda.
Quando Roza concedeu esta entrevista, em outubro, o tempo estava semelhante ao registrado em 2008, com chuva contínua em pequenas quantidades, o que o fez observar que o cenário climático deste ano estava “muito parecido” com 2008.
Mas a comparação logo parou, com uma espécie de prece. “Eu espero que nunca mais aconteça”, disse.
O ex-prefeito diz que, naquele ano, o risco de uma tragédia ser causada pela chuva intensa era conhecido dele e da sua equipe desde junho, tendo em vista que a chuva não parava e o nível do rio sempre se mantinha elevado. Mesmo com dias de sol, não chegava ao patamar normal, porque a terra estava encharcada.
“A gente sabia, pela meteorologia, que ia chover bastante, mas torcia para que ela caísse de forma diluída e não em um espaço curto de tempo”, afirma.
Famílias afetadas no município
Após os dois dias de grandes precipitações, a prefeitura começou a contabilizar os danos. Quase 600 casas haviam sido atingidas com deslizamentos, e 210 não puderam ser reconstruídas.
Foram 3,5 mil os desabrigados, alojados em casas de parentes e em abrigos improvisados pela Defesa Civil em escolas. Quedas de barreiras apareciam a cada esquina. Foram 1.511 registradas pela Defesa Civil.
O rio Itajaí-Mirim chegou a um dos maiores níveis atingidos até então: 8,75 metros no Centro. No entanto, o número foi sensivelmente menor do que em 1984 e em 2011, três anos depois.
Nesse cenário, até mesmo a reação das autoridades à catástrofe estava prejudicada: o então prefeito Ciro Roza, por exemplo, passou a noite do dia 22 para 23 de novembro “ilhado” no bairro Santa Terezinha, sem sequer poder vir até a prefeitura para reunir seus comandados e tomar medidas de contenção dos estragos.
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Dias após a tragédia, a Defesa Civil divulgou que os prejuízos causados pela cheia e pelos deslizamentos foram estimados em R$ 60 milhões, somente em perdas de bens materiais e recursos necessários para reconstrução.
A chuva parou só no dia 12 de dezembro, o que prejudicou seriamente os trabalhos de reconstrução. Ciro Roza afirma que obras de seu governo ficaram pela metade, pois não houve tempo do solo secar para que fossem retomadas, concluídas e entregues.
Mas quais foram os fatores determinantes e causadores de tamanha tragédia? Qual a contribuição da geografia do Vale do Itajaí para o desastre? E da ocupação humana em locais de risco? Essas perguntas serão respondidas na próxima reportagem da série, a ser publicada nesta terça-feira, 20.