Faz algum tempo que partes do ensaio biográfico escrito por Carlos Fouquet, “Vida e Obra do Doutor Blumenau” (Livro Centenário de Blumenau, 1950) chamou minha atenção. Diz Fouquet: (…) tudo quanto a um indivíduo é possível ser, fazer ou deixar de fazer é influenciado pelo que foram e são seus ascendentes e consanguíneos laterais. Terá ele de contar com a herança que neles se manifestou ou manifesta física, moral e mentalmente, como sendo as faces de sua própria existência. (…).
A reflexão trouxe à tona o pouco caso que presenciamos – e contra o que pouco ou nada fazemos – em relação ao patrimônio de interesse coletivo construído por grandes nomes da nossa história e que, dia após dia, está virando pó. E é sobre esse tema que convido o leitor a uma reflexão.
Ao andar pela cidade, preste atenção aos detalhes. Observe a arquitetura das casas, dos prédios e dos estabelecimentos comerciais. Observe as praças, atente para os monumentos. Olhe os jardins, atente para o colorido das flores e para o verde das árvores. Preste atenção aos detalhes… observe os passeios, as ruas e seus nomes. Analise as igrejas, os cemitérios e depois responda: o que resta do conjunto do patrimônio cultural que ainda é capaz de contar a história da cidade e representar o interesse coletivo?
E não pense você que, pelo simples fato de uma casa, jardim ou empresa estar delimitada por um muro ou cerca ele não seja de interesse público. Observe a “Villa Quisisana”, por exemplo, uma das construções mais emblemáticas da cidade. O palacete foi mandado construir por Edgar Von Buettner – fundador da empresa têxtil Buettner. Em pleno coração de Brusque, carregada de mistério, a mansão permanece intocada e os grandes portões que a protegem ainda permitem que se observe alguns detalhes da linda arquitetura cheia de história. Outro bom exemplo de propriedade privada de interesse público é o casarão Villa Ida, localizado dentro do terreno da Fábrica Renaux e que ainda pode ser admirado a partir da Avenida Primeiro de Maio.
São nomes de famílias que, assim como os Schlösser, construíram um polo têxtil que deu à cidade o título de “berço da fiação catarinense”.
E, em que pese as três empresas já não estarem ativas, ainda há tempo para que se preserve parte do seu legado histórico material. Caso nenhuma medida concreta seja tomada, em pouco tempo – graças à nossa memória curta e pouco espírito público – o nome Renaux, por exemplo, deixará de ser lembrado como fábrica de tecidos e talvez seja confundido com a marca de carros Renault.
Olhe novamente ao seu entorno…. Ainda existem alguns imóveis de interesse público, retratos vivos da história econômica e social. Você consegue identificá-los? Ou será que conhece e sabe mais de cidades ou países onde foi passear do que do lugar onde vive?
Que tal valorizamos o patrimônio que conta as histórias da nossa região, faces de nossa própria existência? O que está feito, está feito e muitos imóveis e praças que contavam a história da região de Brusque já viraram pó, com seus restos definitivamente sepultados em lixões e aterros… Em que pese a expressão bíblica “do pó vieste e ao pó voltarás”, a preservação de bens de interesse público é um “doar-se”, um compromisso com o coletivo e com a posteridade, bem como uma oportunidade para deixar marcas que continuarão a fazer parte da história mesmo muito tempo depois de voltarmos ao pó. Afinal, como diz a música Alegria, Alegria, de Caetano Veloso: “ eu vou, sem lenço, sem documento, nada no bolso ou nas mãos”.
Aqui sem nada chegamos, e sem nada partiremos, mas é nossa responsabilidade preservar o patrimônio de interesse coletivo para as próximas gerações.