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Vale a pena ir ao cinema ver Bohemian Rhapsody?

Eu uso uma estratégia para quando tenho que lidar com filmes muito aguardados e que tratam de temas mais ou menos conhecidos: eu tento reduzir o quanto for possível as minhas expectativas. Isso é possível, na prática, lendo críticas não muito positivas sobre a obra.

O que foi muito fácil, em se tratando de Bohemian Rhapsody, provavelmente a biopic mais enrolada dos últimos anos – pensa só, o filme passou quase 8 anos até ser concluído! As primeiras críticas à história, que saíram assim que ele foi lançado, semana passada, não foram lá muito simpáticas.

Falavam que a história foi contada com leveza condescendente, dando pouco espaço para os excessos dos outros membros do Queen – e que mesmo Freddie Mercury, tão prioritário no filme que dá para dizer que é uma biografia dele e não da banda, não é apresentado em toda a sua profundidade. Há quem critique o espaço dado à relação dele com Mary Austin, em detrimento de focar na complexidade de ser gay (não assumido) naquele tempo de mais preconceito e da chegada da AIDS.

Com as expectativas devidamente rebaixadas, cheguei ao cinema. Deu para perceber, desde o começo, que o filme teria uma camada de referências sutis, do tipo que fãs mais atentos amam. A vinheta da 20th Century Fox teve seu áudio substituído por uma versão com guitarra, com o timbre inconfundível de Brian May. Ponto para o filme. Assim, de saída.

Outro ponto a favor é o destaque para a composição e gravação de alguns dos hits mais importantes do Queen. As escolhas de marketing também jogam uma luz sobre a indústria cinematográfica: como pode um executivo tarimbado como Ray Foster achar que Bohemian Rhapsody seja a escolha errada para o primeiro single de A Night at the Opera?

Aliás… nesta cena, um quase irreconhecível Mike Myers (ainda bem que o nome dele aparece nos créditos iniciais) tem a melhor fala do filme inteiro, quando diz que Bohemian Rhapsody nunca seria aquele tipo de música que faz a molecada bater cabeça (headbanging, no original) dentro de um carro. Quem viu Quanto Mais Idiota Melhor, protagonizado pelo mesmo Mike Myers, aplaude a ironia. Sutilezas.

A “escolha do executivo” seria I’m in love with my car”, música de Roger Taylor que a banda não considera boa o suficiente para ser um single – e que o filme nem chega a mostrar. Injustiça…

O desenrolar da história, infelizmente, deixa de lado a realidade em favor da fórmula “ascensão, sucesso, problemas decorrentes da fama, superação, final emocionante, embora trágico”. Vários fatos foram “reorganizados”, para deixar o filme mais emocionante. Um exemplo? Mercury ainda não sabia ser HIV positivo na época do Live Aid. Outro? A banda não estava “há anos sem tocar juntos”, em 1985. Mais um? Mercury conheceu seu último parceiro, Jim Hutton, em um bar gay e não em uma conversa cabeça de final de noite em uma festa em sua casa. Não seria possível manter o interesse sem essas licenças “poéticas”?

Aqui temos outros exemplos de realidade modificada…

Mesmo assim, o recorte do filme é bastante preciso. Mostra a banda – ok, não precisava forçar tanto a barra dizendo mil vezes que eles “são uma família” – e mostra um pouco da personalidade de seu vocalista. Foca mais em seu principal relacionamento heterossexual, sim, do que em seus relacionamentos homossexuais. Isso porque é unânime entre os biógrafos de Mercury que Mary Austin foi, sim, muito importante na vida do músico.

Colocando tudo na balança, vale muito a pena, sim, ver Bohemian Rhapsody com a experiência da sala de cinema. Duvido que você não saia de lá com desejo de ouvir mais músicas do Queen.

Só não seja aquela pessoa (conforme circulou no final de semana nas redes sociais) que vai ao cinema para vaiar e berrar frases homofóbicas. Ninguém merece tanto retrocesso.

Troca ator, troca diretor…

Uma das razões para que Bohemian Rhapsody tenha sido um projeto tão longo é o envolvimento de Brian May e Roger Taylor no filme. Não é fácil acomodar a visão de quem estava lá, fazendo parte da história, com os demais envolvidos. Tanto que o primeiro escolhido para o papel de Marcury, Sacha Baron Cohen, abandonou o filme, substituído por Rami Malek.

Não se sabe por que razões o diretor Bryan Singer, também não chegou ao final das filmagens. O filme foi terminado por Dexter Flatcher, que tinha sido seu primeiro diretor anunciado, mas que é creditado apenas como produtor executivo.

 

A ex-mulher de Brian May

Outra razão para Bohemian Rhapsody ter tido uma produção complicada é ter que lidar com a versão cinematográfica de pessoas reais – e que estão vivas. Foi assim que a primeira esposa de Brian May, Christine Mullen, foi simplesmente suprimida da versão final do filme. Consta que ela reclamou de como estaria sendo mostrada na história… e essa foi a resposta da produção.

Aliás, a vida pessoal do guitarrista, assim como de John Deacon e Roger Taylor, praticamente não é vista no filme. Só nos mostram que Taylor era adepto de trair a esposa com tietes. Que é o mínimo que se imagina, de rock stars como eles eram…

 

Os dentes de Freddie Mercury

Rami Malek faz, sem sombra de dúvida, uma excelente performance interpretando Freddie Mercury. Se isso é por causa ou apesar da prótese dentária, é questão para se discutir (dizem que ele levou a prótese para casa, como lembrança, ao final das filmagens). No filme, Mercury conta que a impressão de que ele tem dentes demais na boca é real: o vocalista tinha mesmo quatro dentes incisivos extras.

Mas o filme não conta uma curiosidade: consta que ele nunca corrigiu os dentes porque tinha medo de que, se mexesse neles, perderia seu alcance vocal. Que tal essa, dentistas?

Curiosidade de fã: veja onde foi a estreia de Rami Malek na TV (e, claro, não foi em Mr. Robot!).

Paul Prenter

Em Bohemian Rhapsody, a função de “grande vilão” foi designada para Paul Prenter, membro da equipe que empresariava o Queen e affair eventual de Mercury. No roteiro, ele acumula várias “culpas”: de ocupar o cantor com noites recheadas de sex and drugs e afastá-lo de seus “verdadeiros amigos”, como Mary Austin e o manager da banda. Claro que, para aceitar de bom grado tanta culpa, só estando morto: Prenter faleceu em 1991, também vítima da AIDS.

Em tempo: seu papel foi vivido por Allen Lech (é ele na foto aí ao lado), o Tom Branson de Downton Abbey.