Amanhece. Os moradores de Brusque saem de casa para seus compromissos e, durante o caminho, notam algo diferente no rio Itajaí-Mirim. Em determinado ponto, a cor da água está diferente do habitual. Manchas coloridas ou até mesmo espuma seguem o fluxo da correnteza e, aos poucos, tomam conta da água. Às vezes, a coloração diferente vem acompanhada de um forte odor. O rio, que corta Brusque e abastece a região, é agredido e sofre silenciosamente.
Cenas como esta acontecem com frequência na cidade. Somente neste ano, de março a setembro, foram detectadas oficialmente pelo menos sete situações de descarte de efluentes (resíduos provenientes das indústrias, dos esgotos e das redes pluviais) no rio. A maior parte dos casos aconteceu entre julho e agosto: foram cinco registros, em três pontos diferentes da cidade. Há, ainda, muitos outros casos que ficam à margem dos registros oficiais.
O Itajaí-Mirim tem sua coloração natural modificada, principalmente, pelo despejo de produtos químicos provenientes das indústrias têxteis, consolidadas no município, um polo do setor. De acordo com dados da prefeitura, há 26 tinturarias, 106 estamparias e 15 lavanderias licenciadas.
Esses números, entretanto, podem apresentar distorções, pois existem empresas que não possuem Alvará de Localização e Funcionamento e outras que já encerraram suas atividades, mas não comunicaram à prefeitura.
O licenciamento das empresas de pequeno porte cabe à Fundação do Meio Ambiente de Brusque (Fundema). Já o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) faz o licenciamento das empresas de grande porte. Segundo o órgão estadual, 10 tinturarias estão com a Licença Ambiental de Operação (LAO) dentro da validade no município.
Infelizmente, ainda temos casos de descarte desses efluentes com certa frequência em Brusque. São empresas que, por lucro, deixam de fazer o tratamento devido e acabam cometendo crime ambiental
Se de um lado o setor têxtil foi um dos grandes responsáveis por transformar Brusque em uma das principais potências do estado, de outro, tem gerado um alto preço para o meio ambiente, já que muitas empresas deste segmento ainda utilizam o rio para descartar os resíduos de sua produção sem o tratamento devido e especificado por lei.
“As lavanderias, tinturarias e estamparias geram os resíduos mais agressivos e que têm o maior impacto no meio ambiente. Infelizmente, ainda temos casos de descarte desses efluentes com certa frequência em Brusque. São empresas que, por lucro, deixam de fazer o tratamento devido e acabam cometendo crime ambiental”, diz o superintendente da Fundema, Cristiano Olinger.
Principais áreas de descarte
Da nascente, no município de Vidal Ramos, até Brusque, o rio Itajaí-Mirim tem aproximadamente 110 quilômetros de extensão. No perímetro urbano de Brusque, o rio está presente em 24 quilômetros.
Neste trecho dentro do município, existem quatro pontos críticos, onde são registrados mais casos de descarte de efluentes: a galeria da avenida Bepe Rosa, a Beira Rio, próximo aos Correios; próximo à Viva Academia; próximo à ponte da rua Beira Rio, no bairro Dom Joaquim; e também a saída da tubulação embaixo da ponte Mário Olinger, a ponte dos Bombeiros.
No ano passado, O Município em parceria com o Laboratório de Química do Centro Universitário de Brusque (Unifebe) realizou análises da água do rio Itajaí-Mirim e dos ribeirões do município.
Todas as análises tiveram um fator em comum: a hidrazina, substância altamente tóxica que pode ser prejudicial ao ser humano e ao meio ambiente.
De acordo com o relatório dos exames laboratoriais, no caso da região, a hidrazina “pode ter ligação com indústria têxtil, já que é utilizada como sequestrante de oxigênio de caldeiras e também como componente intermediário na composição de tecidos com elastano. Outra aplicação do componente é em agrotóxicos”.
A presença dessa substância é um indicativo forte de que há irregularidades cometidas no rio Itajaí-Mirim, com consequências relevantes não só para os animais que nele vivem, mas para o ser humano. As análises coletadas apontaram presença de elementos encontrados em tintas têxteis e produtos agrícolas até mesmo em ribeirões afastados da região central.
Quando alguém nota a presença de elementos estranhos no rio, geralmente já se passaram horas desde que o descarte fora feito, na calada da noite, enquanto a fiscalização literalmente dormia. Pela manhã, os esforços em identificar os culpados têm se mostrado em vão.
Ribeirões também sofrem com poluição
Há cerca de um ano, os moradores da rua Paulo Voss, no bairro Rio Branco, começaram a notar algo inabitual no ribeirão que passa no final da via. A água, antes cristalina, começou a ter aparência escura, acompanhada de um cheiro forte.
José Mafra Rodrigues, 42 anos, mora no local há 11. Nos fundos de sua casa, passa o ribeirão que se transformou em motivo de preocupação. De uma pequena tubulação sai muita espuma e um líquido de cor escura. O descarte, que ele e os vizinhos acreditam ser de alguma tinturaria ou estamparia próxima, acontece, principalmente, durante a noite e em dias de chuva forte.
O descarte já aconteceu tantas vezes que a areia do fundo do ribeirão está com aspecto diferente. À primeira vista, a água parece normal. Porém, logo o morador pega uma enxada e começa a mexer na areia no fundo do ribeirão. Imediatamente, a cor escura predomina e pode-se perceber a gravidade da situação.
“A areia parece mais um asfalto. Está preta, dura. Certamente é tinta. Quando ameaça chuva eles abrem a comporta e jogam tudo aqui”, lamenta o morador.
Rodrigues diz que o ribeirão tinha muitos peixes e que hoje é difícil encontrar os animais no local. “Tinha muito jundiá, a gente pescava e comia direto. De um ano pra cá ninguém mais chega muito perto, não tem como”.
Valdir Kohler, 68 anos, mora do outro lado do ribeirão. Ele também está chateado com a situação em que o local, antes limpo e preservado, se encontra hoje. Kohler mora em uma pequena chácara e cria alguns animais. Antes, a criação bebia a água do ribeirão. Hoje, com os sucessivos descartes, não é mais possível utilizá-la para esta finalidade.
“A água está se acabando. Não tem nem como usar, tenho que dar ‘água da rede’ para os animais. Não tem como chegar perto aqui, e quando dá enxurrada é um rio de água preta”.
A Fundema foi até o local algumas vezes. Segundo o superintendente do órgão, Cristiano Olinger, os fiscais subiram ribeirão acima para tentar localizar os responsáveis pelo descarte, mas nada de concreto foi encontrado. O órgão acredita que, neste caso, o descarte é de efluente doméstico.
“O que às vezes acontece é o descarte de esgoto sanitário. Infelizmente, temos ainda construções antigas que não possuem sistema de fossa e filtro ou estão defasados”.
De acordo com ele, muitas das manchas vistas no Itajaí-Mirim são provenientes do esgoto. A cidade, apesar de ser uma das mais desenvolvidas do estado, não tem nenhum tipo de tratamento e grande parte desses resíduos vão para o rio.
O longo período de estiagem que o município enfrentou no mês de julho, pode ter sido determinante para o grande número de casos de descarte no município, na visão de Olinger.
“Devido à estiagem, as tubulações estavam secas e foram só acumulando esgotamento irregular. Quando choveu, a água de resíduo domiciliar que estava acumulada nas tubulações foi lavada e provinda para o nosso rio. Temos, sim, situação de irregularidades por parte das empresas, mas também tivemos alguns casos de esgoto”.
Recentemente, com os sucessivos casos, técnicos da regional de Blumenau do IMA estiveram em Brusque e realizaram uma força-tarefa em parceria com a Fundema.
Os fiscais passaram em todas as empresas de estamparia e tinturaria da região e notificaram as que estavam com algum tipo de descumprimento das condicionantes ambientais.
Apesar das vistorias, o IMA informa que não foi possível detectar os responsáveis pelo despejo. No entanto, a fiscalização continua, inclusive, com ações previstas e sigilosas para garantir o sucesso das operações.
De acordo com o IMA, Brusque é a cidade onde há mais registro de descarte de efluentes no estado.
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