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Venezuelanos contam como fugiram da miséria e ganharam nova chance em Brusque

Vindos das mais diferentes regiões da Venezuela, eles foram acolhidos e tentam retomar o que perderam

Após anos de sofrimento e incertezas em seu país de origem, centenas de venezuelanos ganharam a oportunidade de reconstruir suas vidas em Santa Catarina. Desde o fim de outubro, 17 imigrantes estão trabalhando na empresa Sancris, na unidade do bairro Steffen, em Brusque.

O emprego é a chance de eles trilharem um novo caminho, longe da fome, da insegurança e da miséria que se alastra pelo país. Tudo o que viveram para conseguir chegar ao Brasil e tentar uma vida melhor nunca será esquecido, pelo contrário, é o que dá motivação para buscarem uma vida melhor para eles e seus familiares – muitos, inclusive, que continuam lá.

Quem ficou na Venezuela enfrenta falta de alimentos, produtos de higiene e remédios. A inflação passa dos 200.000% ao ano, aumentando o preço de insumos básicos, quando conseguem encontrá-los.

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O novo estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta que a Venezuela é o país latino-americano que teve os maiores aumentos em matéria de fome e desnutrição no biênio 2016-2018.

A situação caótica provocou uma enorme onda migratória de venezuelanos para os países vizinhos. Estima-se que mais de 120 mil já tenham cruzado a fronteira com o Brasil nos últimos anos.

Sair de seu país de origem não estava nos planos de muitos dos imigrantes anos atrás. Deixar tudo que se conquistou em anos de trabalho foi uma questão de sobrevivência.

O Município conversou com quatro imigrantes que foram contratados como auxiliar de produção na Sancris. Eles, que moram em Balneário Camboriú por intermédio de igreja evangélica, relatam a situação difícil que tiveram de enfrentar até chegarem em Santa Catarina, onde ganharam a chance de recomeçar.

Presente de aniversário

Maria Gabriela Khatif, 18 anos, chegou ao Brasil acompanhada da mãe e duas irmãs há um ano e dois meses. A família morava em Margarita e decidiu sair do país após passar muita necessidade.

A jovem conta que era estudante na Venezuela, mas não conseguiu concluir o Ensino Médio, pois a situação estava cada vez mais caótica.

“Não tínhamos o que comer. Quando eu estudava, passei cinco dias sem comer. Eu estudava de manhã em escola pública, eles davam almoço, mas tinha muito roubo. Roubavam muita comida e o almoço que era pra cinco dias, só durava dois”, conta.

Maria Gabriela Khatif, 18 anos | Foto: Bárbara Sales

Após decidir vir ao Brasil, a família ainda demorou dois meses para juntar o dinheiro necessário para comprar as passagens de ônibus. A viagem levou em torno de uma semana, até elas finalmente chegarem em Boa Vista, capital de Roraima.

“Ficamos um mês dormindo na rodoviária. Minha irmã foi trabalhar em uma fazenda. Ficou um mês e com o primeiro pagamento conseguimos alugar. Muitas igrejas ajudavam, levavam roupa, comida”.

A situação que já era complicada, ficou ainda pior porque alguns imigrantes cometeram alguns crimes na região. Os venezuelanos ficaram com má fama e ficou ainda mais difícil conseguirem se estabilizar.

“Começaram a roubar e o brasileiro não queria trabalhar com venezuelanos. A única que tinha trabalho era eu, ganhava diária de R$ 2, R$ 5, mas isso não era o suficiente, então ficamos na rua de novo”.

Após mais um tempo na rua, a família foi para um abrigo e ficou sabendo que alguns imigrantes seriam enviados para Santa Catarina. Ela e a mãe conseguiram vir. As duas irmãs ficaram em Roraima.

“Foi muito bonito quando chegamos aqui. Eu pensava que chegaríamos em um abrigo de novo, mas tinha muita gente na igreja nos esperando, fizeram festa, nos levaram para nossas casas. Foi emocionante”.

Instaladas em Balneário Camboriú, Maria Gabriela foi em busca de emprego. Realizou entrevista na Sancris, mas já no momento informaram que não seria possível contratá-la, pois tinha 17 anos e era menor de idade.

No entanto, após algumas conversas, o emprego se concretizou. A data marcada para os venezuelanos iniciarem na empresa brusquense era 23 de outubro, justamente no dia em que ela completou 18 anos. “Foi um grande presente de aniversário”, diz.

Agora, a jovem espera a chegada das irmãs, mas sente muito a falta do pai que preferiu ficar na Venezuela para cuidar da avó, já de idade. Maria se emociona ao lembrar que faz mais de um mês que não tem contato com o pai, que ainda não sabe que ela e a mãe estão em Santa Catarina. “Consegui mexer no meu Facebook ontem (domingo) e tinha uma mensagem dele dizendo que estava precisando muito de arroz, macarrão, farinha de trigo, não tem o que comer”.

Com a oportunidade que ganhou em Brusque, Maria espera reconstruir a vida ao lado da família, já que tudo o que tinham ficou para trás. “Pretendo construir a vida em Santa Catarina. Quero uma casa, não quero voltar para lá. Para melhorar acho que vai demorar muito. Acho que vou morrer e vai estar assim”.

Nova vida para o filho

O engenheiro civil Jhonatan Jose Crespo Aparicio, 28 anos, chegou ao Brasil pela primeira vez em novembro do ano passado. Ele ficou cerca de um mês no país, mas decidiu voltar para a Venezuela porque sua esposa ficou lá e estava grávida.

Ele ficou em Macaray, onde morava, até abril, cerca de um mês depois do nascimento do filho, Diego Luciano. Retornou ao Brasil e só três meses depois conseguiu trazer a esposa e o filho para cá.

Na primeira vez que chegou ao país, ele trabalhou como ajudante de pedreiro com o tio que já estava no Brasil há dois anos. Em um mês, ele conta que ganhou em torno de 30% a 40% a mais do que ganhou em um ano e meio trabalhando na prefeitura de sua cidade como engenheiro.

Jhonatan Jose Crespo Aparicio, 28 anos

Foi com esse dinheiro que ele e a esposa conseguiram se preparar para a chegada do filho. “Quando eu estava na Venezuela, nunca imaginei morar em outro país, mas depois que minha esposa ficou grávida eu comecei a pensar melhora na situação. Não dava pra comprar fralda, remédios, leite, comida, nem roupinha para o bebê. Foi ali que tomei a decisão de sair da prefeitura e vir para o Brasil”.

Quando retornou para a Venezuela, a situação estava ainda mais crítica, por isso, resolveu voltar para o Brasil. Nesse retorno, trabalhou plantando abacaxi em uma fazenda em Boa Vista. Depois foi a Pacaraima, onde estava o irmão, e ali trabalhou vendendo café, chocolate, cigarros nas ruas para ajudar a família.

Depois que a esposa e o filho chegaram ao Brasil, eles voltaram para Boa Vista, ficaram em abrigos até surgir a oportunidade de vir para Santa Catarina.

“Quando fui fazer minha carteira de trabalho em Boa Vista, escutamos sobre a interiorização, averiguamos e falaram dessa oportunidade em Santa Catarina. Ninguém imaginava que a igreja ia ajudar, só falaram que ia chegar em Santa Catarina, teria aluguel e comida por dois meses e depois nós teríamos que procurar emprego. Mas foi muito diferente. Chegamos aqui com festa, as pessoas estavam felizes”.

Jhonatan diz que quando ficou sabendo que a empresa de Brusque contrataria alguns venezuelanos foi um alívio. “Chegamos aqui para trabalhar, começar de novo, dar um futuro para família. Imaginávamos que seria como trabalhar lá em Roraima, trabalhar um, dois dias, mudando de emprego sempre, ninguém imaginava que conseguiria trabalhar dentro de uma empresa no Brasil”.

Aos poucos, a vida de Jhonatan está entrando nos eixos, mas ele ainda quer trazer seus pais que ficaram na Venezuela para o Brasil. “Quero muito trazê-los, mas primeiro precisamos nos estabilizar”.

A ideia é que a esposa também consiga um emprego no futuro e que o casal consiga comprar uma casa. “Sonhamos muito com que a Venezuela mude, tenho vontade de voltar, mas ainda não”.

“Eu nunca estive de acordo com o socialismo na Venezuela, sempre votei contra o governo, mas (Hugo) Chávez pelo menos estabilizou a Venezuela, tirou da pobreza as pessoas, da indigência, depois que o (Nicolás) Maduro assumiu piorou, tudo se tornou muito difícil”, resume.

Em busca da sobrevivência

Grecelda de Jesus Gomes Rondon, 57 anos, deixou filho e netos em Cumaná, no estado de Sucre, na Venezuela. Ela está no Brasil desde julho, acompanhada de três sobrinhas. Elas chegaram e Pacaraima, em Roraima, em busca de uma vida melhor. “Viemos pela situação da Venezuela. Não tem emprego, comida, se não fosse aqui, seria em outro país”, diz.

Na Venezuela, Grecelda trabalhou como secretária e também era dona de um comércio. Como a situação no país se agravou, precisou fechar as portas. “A comida se acabou e eu pensei que a situação não podia seguir assim. Se eu não trabalho, eu não como, se não como, eu morro”.

Greselda de Jesus Gomes Rondon, 57 anos

Para juntar o dinheiro necessário para sair da Venezuela, ela vendeu algumas coisas. Ela tinha casa própria em sua cidade, mas a decisão de vir para o Brasil foi tão rápida, que não deu tempo de vender. Ela saiu e deixou a casa com o filho e os netos.

Ao chegar ao Brasil, ela e as sobrinhas compraram alguns panos para vender nas ruas de Pacaraima e assim, conseguir algum dinheiro para comer. “Dormimos na rua. Cada dia em um ponto. Comia uma vez por dia, salsicha com arroz. Não tomava banho, nada”.

Quando ficou sabendo da oportunidade de se mudar para Santa Catarina, não pensou duas vezes. O que ela mais quer é conseguir juntar dinheiro para trazer o filho e os netos, que ela não fala há algum tempo.

“Em Boa Vista pagava chamada internacional, era R$ 0,50. Mas aqui é difícil, não tenho telefone. Só fico pensando o que meu filho e meus netos estão comendo”.

Saudades da família

Yolanda Josefina Patino, 47 anos, tinha uma empresa que não suportou a falência da economia da Venezuela. Foi obrigada a vender o maquinário para conseguir comprar remédios para a filha que é cega, autista e sofre com falta de cálcio e potássio no corpo.

“Minha filha estava quase desnutrida. Ela perde massa muscular do corpo, muito líquido e isso foi o que me obrigou a sair de lá. Não se conseguia comida, remédio, tudo muito caro”, diz.

Na companhia de duas filhas, uma de 17 e outra de 21 anos, ela chegou no Brasil há um ano. Elas chegaram em Pacaraima após uma longa viagem de ônibus. Lá, dormiram durante quatro meses na praça da cidade, em cima de papelões. Depois, passaram outros quatro meses em abrigo, até chegarem a Santa Catarina.

Yolanda Josefina Patino, 47 anos

Mesmo com a nova chance em Brusque, Yolanda não esquece da Venezuela, principalmente porque deixou outros quatro filhos e sete netos no país. “Todo dia meu filho me manda mensagem para eu mandar passagem. Eles querem muito vir”, diz, com lágrimas nos olhos.

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Ela conta que os filhos são militares, trabalham para o governo, e mesmo assim, a situação é bem complicada. “Meus netos não sabem o que é um sorvete, um chocolate. É horrível viver sabendo que tua família está passando fome e não poder ajudar. É terrível”.

A esperança de Yolanda é conseguir juntar dinheiro para trazer o restante da família e dar uma vida melhor a eles. Voltar para Venezuela não está nos seus planos. “Não quero mais voltar. Tenho fé que algum dia a Venezuela vai voltar a ser o que era antes, uma pátria rica. A Venezuela é muito rica, só não sabemos onde está essa riqueza”.

Ela também faz um apelo aos seus ‘hermanos’ venezuelanos. “Quero pedir aos meus irmãos venezuelanos que retribuam esse carinho e apoio que os brasileiros estão dando, o bem se paga com bem, Deus não dá carga maior que se pode suportar. Vamos aproveitar essa oportunidade que nos estão dando”.