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Vidas Secas

A
seca no Nordeste voltou a ser assunto nos noticiários nos últimos dias. É uma
absoluta vergonha que na segunda década do século XXI esse problema ainda ronde
o Brasil. Há décadas a seca afugenta os nordestinos de suas terras e incha as
grandes cidades do país. A seca é tema de grandes composições, como as célebres
canções “Asa Branca” e “Último Pau de Arara” de Luiz Gonzaga, e “Carcará”, de Chico
Buarque, um dos maiores sucessos da carreira de Maria Betânia, além dos livros
“Os Sertões”, de Euclides da Cunha e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.

Na
década de 1960, Antonio Callado criou o termo “indústria da seca” para
denunciar o desinteresse das autoridades públicas em resolver o problema, a fim
de tirarem proveito eleitoral da necessidade e da ignorância dos sertanejos.

Quando
eu era um pouco mais jovem e simpatizava (apesar de uma lívida desconfiança)
com as ideias políticas da “esquerda”, acreditava que quando as “forças
democráticas” do país finalmente estivessem no poder, isso certamente acabaria.
Pois bem, aqueles que se diziam os representantes das forças democráticas já
estão no poder há muitos anos. Muito barulho eleitoral foi feito, alardeando-se
a solução definitiva para o problema, mas eis que ele retorna com força para
mostrar que a “indústria da seca” não era obra apenas dos “coronéis” da
direita.

O
ex-presidente Lula iniciou o que se dizia ser a grande obra para acabar com o
problema: a transposição das águas do Rio São Francisco. A obra foi cercada de
polêmicas ambientais e valeu uma greve de fome de Dom Luiz Flavio Cappio, bispo
de Barra, na Bahia. Estimada em mais de 8 bilhões de reais, está simplesmente
abandonada, com a vegetação tomando o espaço dos canais de concreto já
construídos. Onde está o dinheiro? Onde está a empresa responsável? Onde está o
governo? O ministro da Integração Nacional afirmou recentemente que 30 bilhões
estão sendo investidos no Nordeste, para acabar com a seca. Se o investimento
seguir o caminho da transposição das águas do São Francisco, esses bilhões vão
evaporar no calor do semiárido e o sertanejo vai continuar na miséria.

O
pior de tudo é que o problema não é tão difícil de ser solucionado. Há regiões
muito mais problemáticas no planeta que são poços de prosperidade. Não é
preciso haver chuvas regulares. É preciso inteligência e boa vontade política para
saber lidar com o clima, seja ele qual for. Sem isso, a seca vai continuar a
inspirar músicos e escritores e encher os bolsos e as urnas de políticos
corruptos.