A vinda do Conselheiro que deu o nome a Brusque
Paulo Vendelino Kons, historiador
Há exatos 20 anos, quando os brusquenses celebravam o 138º aniversário de fundação da Colônia que originou o Município, materializou-se uma antiga aspiração de nossa gente.
Após dez anos de articulação, como presidente da Comissão Organizadora do Traslado (decreto nº. 4.083/98), em 31 de julho de 1998, de Pelotas (RS) conduzimos a urna, contendo os restos mortais do Conselheiro Francisco Carlos de Araújo Brusque e familiares, até o quartel da 1ª. Companhia de Polícia Militar (hoje 18 º. BPM).
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Na recepção do Conselheiro, que comandou a Marinha e o Exército brasileiro e que presidiu duas províncias do Império, com honras de Chefe de Estado, os soldados do Exército foram comandados pelo oficial Danilo Pacheco Escaramusa e a tropa da Polícia Militar chefiada pelo Coronel PM Edson Ivan Morelli.
Às 20h do dia 3 de agosto seguinte, solene recepção na Prefeitura. No dia 4, após encerrar o desfile na avenida Cônsul Carlos Renaux, que reuniu e emocionou milhares de brusquenses e visitantes, a urna foi conduzida para a Igreja Matriz São Luís Gonzaga. Às 16h, foi oficiado culto solene em ação de graças a Deus pela vida do Conselheiro Brusque e pelo município que recebeu seu nome.
Após a liturgia, os restos mortais foram depositados, sob os acordes do pistão de Pedrinho Knihs, no monumento construído junto à Casa de Brusque, com a lápide original, esculpida em mármore de Carrara há mais de um século.
Não tive o privilégio de participar de nenhuma cerimônia de recepção ao Conselheiro em Brusque. Gravemente enfermo, quando do retorno a Brusque, permaneci longos dias no Hospital Azambuja.
Transcorridos 112 anos de sua morte, de forma pública e solene, expressamos nossa gratidão pela vida, realizações e legado do presidente da província de Santa Catarina que determinou a instalação e acompanhou, em 24 de julho de 1860, o transporte das 10 famílias precursoras, lideradas pelo barão austríaco Maximilian von Schneéburg, que viriam a instalar o núcleo colonial hoje transmudado na nossa querida cidade de Brusque.
Ainda nos anos 80, após receber a visita do Dr. Paulo Brusque Maulaz (bisneto do Conselheiro Brusque), anotei diligentemente os contatos do responsável pelo acervo da família, Francisco José Brusque de Moraes, último neto vivo. Dentre outros contatos, na efeméride do 170º. aniversário de nascimento do Conselheiro, além de publicar artigo de página inteira no jornal O Município, enviei telegrama de congratulações a Família Brusque, assinado pelo idealizador da Casa de Brusque, historiador Ayres Gevaerd, e pelo prefeito Ciro Roza.
Chefe do setor jurídico do Paço Municipal, no início da gestão Danilo Moritz, Dr. Nathan Ben Hur Braga me entregou a última carta que recebemos de Francisco Brusque, que viria a falecer na véspera do Natal do Senhor de 1994.
Os contatos continuaram com a esposa de Francisco, a gentil senhora Hermínia Couto de Moraes.
Com Rubens Kormann obtendo franquia total junto à Varig para nossos deslocamentos no ar (eu, o Conselheiro e sua família), os irmãos Nelson e Pedrinho Sirotsky nos disponibilizando a mobilidade em terra (veículos da RBS) e o apoio do prefeito Hylário Zen e o quarteto formado pelos secretários municipais Antônio Cervi, Mauro Cadore, Rubens Aviz e Ricardo Vianna Hoffmann, passamos do sonho à realidade.
O evento teve tamanha repercussão que foi a principal notícia dos veículos de comunicação de Santa Catarina e, mesmo, no Rio Grande do Sul. Jornais do vizinho estado publicaram matérias de página inteira. Já o Diário Catarinense, na sua edição de 5 de agosto de 1998, ocupou toda a capa com a cobertura da vinda do Conselheiro.
Schneéburg e Teffé
Recebi de Francisco José Brusque, neto do Conselheiro, cópia fotostática de uma carta manuscrita em Lausanne, na Suíça francesa, pelo Barão de Teffé, analisando os acontecimentos por ele presenciados em 24 de julho de 1860, na Canhoneira Belmonte, que transportava, da capital Desterro à barra do rio Itajaí, o primeiro grupo de imigrantes que viriam a instalar a Colônia em 4 de agosto.
Segundo afirma o Barão de Teffé, na carta dirigida ao almirante Raphael Brusque (filho do Conselheiro),Schneéburg e os oficiais da Canhoneira Belmonte procuram homenagear o Presidente Brusque, dando seu nome à nova colônia. Araújo Brusque recusou terminantemente.
Entretanto, a teimosia de Schneéburg marcou mais que a determinação do Presidente Brusque. Apesar de oficialmente denominada Colônia Itajahy, o barão grafava ‘Itajahy-Brusque’ ou ‘Brusque’, isoladamente, nos sete anos que a administrou.
Com a criação da Colônia Imperial Príncipe Dom Pedro, no confluência do ribeirão Águas Claras com o rio Itajaí Mirim, a região passou a contar com uma segunda colônia, majoritariamente de língua inglesa.
Com a unificação administrativa das colônias, ocorrida em 6 de dezembro de 1869, a denominação foi alterada para colônias Itajahy e Príncipe Dom Pedro. Alçadas à categoria de Freguesia (paróquia) em 31 de julho de 1873, foi escolhido como orago São Luiz Gonzaga.
Criado o Município, em 23 de março de 1881, é adotada a denominação São Luiz Gonzaga.
Após proclamada a República, em 17 de janeiro de 1890, o governador Lauro Severiano Müller alterou a denominação de São Luiz Gonzaga para Brusque, em reconhecimento à honradez, justeza e desprendimento do Conselheiro e pelo fato de a região também ser conhecida por Brusque.
Marcando a efeméride dos 30 anos de falecimento do Conselheiro Brusque, o governador Felipe Schmidt sancionou a lei que elevou a Vila de Brusque à categoria de Cidade, em 23 de setembro de 1916.
Araújo Brusque
Francisco Carlos de Araújo Brusque nasceu em Porto Alegre da Capitania de São Pedro do Rio Grande, em 24 de maio “do Anno da Graça de Nosso Senhor Jesus Christo” de 1822, filho do Coronel Francisco Vicente Brusque e de Delphina Carlota de Araújo Ribeiro Brusque.
Seu avô, Nicolau Bruschi (somente em 1846 adotou-se, no Brasil, a grafia Brusque) era um nobre florentino que emigrou para Portugal no ano de 1762 e se casou com Ana Joaquina Vieira de Aguiar e Almada. Exerceu o elevado cargo de Mordomo-mor do Paço Real português.
A transferência da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1807, determinou a separação dos Bruschi. Nicolau, que permanecera em Portugal, como administrador e intendente geral dos bens da Família Real, conservara em sua companhia a esposa e os filhos José Luís e Maria Amália. Os dois outros filhos, João e Francisco Vicente (pai de Araújo Brusque), militares, acompanharam a Real família no seu êxodo para o Brasil, aqui chegando em 1808. Francisco Vicente, após ocupar vários postos da hierarquia militar, é nomeado Ajudante de Ordens do Governador da Capitania de São Pedro do Rio Grande, em 1814. É promovido a Coronel de Milícias efetivo, em 1818. Após, casou-se com Delphina Carlota de Araújo Ribeiro.
Araújo Brusque passou sua infância com a família, em Porto Alegre. Aos 18 anos, matriculou-se na Academia de Direito de São Paulo, onde obteve o grau de bacharel, em 17 de novembro de 1845. Regressando ao Rio Grande, foi eleito para a Assembleia Provincial nas legislaturas de 1849, 1854 e 1856. Nomeado auditor de guerra, em 1851, pelo Governo Imperial, obteve, no ano seguinte, a medalha de ouro do mérito militar e as honras do posto de Coronel do Exército Imperial.
Presidente Brusque
Para presidir a Província de Santa Catarina, Brusque foi nomeado, em 6 de setembro de 1859, com o texto “Francisco Carlos de Araújo Brusque – EU, o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, vos envio muito saudar. Tendo atenção ao vosso distinto merecimento e patriotismo, HEI por bem Nomear-vos Presidente da Província de Santa Catharina”. Prossegue o documento: “E vós, depois de prestardes o juramento nos termos da Carta de Lei de 3 de outubrode 1834, entrareis no exercício do dito cargo, e fareis manter a religiosa observância das Leis, para liberdade, segurança e prosperidade dos povos da Província, transmitindo à respectiva Secretaria d’ Estado os esclarecimentos exigidos na Circular de 11 de março de 1.848, no Palácio do Rio de Janeiro, em seis de setembro de mil oitocentos e cinqüenta e nove, trigésimo oitavo da Independência e do Império. IMPERADOR“.
Assumiu a administração da Província, solenemente, em 21 de outubro de 1859, após uma década de administração do seu antecessor, João José Coutinho. Apesar das desavenças políticas internas entre os partidários do Partido Liberal e do Conservador, Brusque teve boa acolhida no início de sua gestão. Lembro que Brusque era membro do Partido Liberal, mas fora indicado para o cargo por um Ministério Conservador, liderado por Ângelo Muniz da Silva Ferraz.
Na sua gestão, além da Colônia Itajahy (Brusque), foram instaladas as colônias Teresópolis e Angelina, todas em 1860, o que acentua o caráter empreendedor do Presidente Brusque.
Em 20 de março de 1861, atendendo a apelos do Imperador, concordou em assumir a Presidência da Província do Gram-Pará, a maior de todas, constituindo-se de áreas hoje compreendidas pelos estados do Amazonas e o Pará. Deixou Santa Catarina, acompanhado de sua família, a 22 de abril de 1861. Foi substituído no Governo de Santa Catarina pelo Dr. Inácio Galvão, interinamente e, em novembro do mesmo ano – em caráter efetivo – pelo Padre Vicente Pires da Mota.
Na Província do Gram-Pará dedicou-se, além de implementar melhoria na infraestrutura pública, ao estudo de hábitos e costumes das tribos indígenas. O trabalho de Brusque resultou na evangelização, proteção e na fundação de uma aldeia com os índios Tambés, que encontravam-se dispersos, com a denominação Santa Leopoldina. Propiciou bases para o desenvolvimento econômico e social desta aldeia. Incentivou, também, os núcleos da aldeia de Araraudena.
Foi durante sua gestão que os vapores de guerra peruanos Morona e Pastaza tentaram violar a soberania brasileira no Gram-Pará. O Presidente Brusque respondeu com enérgico protesto e com as armas.
Conselheiro Brusque
Após deixar a presidência do Gram-Pará, assumiu o Ministério da Marinha, durante a Guerra do Paraguai. Exerceu, em caráter interino, a função de Ministro da Guerra do Império.
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Até 1875, foi um dos colaboradores de maior proximidade com o Imperador Dom Pedro II, sendo seu Conselheiro. Após desiludir-se com práticas políticas vigentes, transfere-se da Capital do Império para a cidade sul riograndense de Pelotas.
Entre outras honrarias, o Conselheiro Brusque foi condecorado com o Oficialato da Ordem da Rosa, Hábito de Cristo e Gran Cruz do Leão Neerlandez.
Na Pelotas, da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, faleceu Araújo Brusque em 23 de setembro de 1886.
A Família Brusque
O Conselheiro Brusque, além de proeminente estadista, que marcou a história brasileira através da dignidade, honradez e desprendimento com que exerceu os mais altos cargos do Império, soube ser exemplo dignificante de esposo e pai. Compulsei documentos que comprovam esta dimensão do Conselheiro e que são guardados como verdadeiras relíquias pela Família Brusque.
Araújo Brusque era casado com Cecília Amália de Azevedo Brusque e teve como filhos Francisco Carlos, José, Arthur, Raphael, Emma, Heráclito, Cecília e Francisca.
Em 28 de outubro de 1874, quando a esposa Cecília completava 40 anos, Araújo Brusque ofereceu-lhe, em nome dos seis filhos que o casal já possuía (nasceriam mais duas meninas, uma em dezembro seguinte e a outra em 1877), um lindo e perfumado álbum, com capa de sândalo, artisticamente esculturada, com a dedicatória: “À nossa cara Mãe – ‘O homem não deve existir só’ – dice Deos na Bíblia, e creou a mulher. Porém se esta mulher tivesse sido o que Sócrates queria que fosse, em tudo semelhante ao homem, dotado absolutamente das mesmas qualidades, partilhando os mesmos exercícios, os mesmos deveres, com tal companhia o homem teria ainda ficado só. Que esta solidão a dois tenha sido evitada, não duvidamos. Porém a obra da civilização, a obra fecunda havia precisamente enriquecer o homem e a mulher, com uma multidão de oposições e de contrastes, que os tem unido, separando-os. Aqui, pois, o que o homem precisa na mulher não é uma sombra que lhe duplique a vida, mas um ser que o complete. Eis a razão do casamento. Complemento da vida de nosso Pae, e primeiro elo da cadeia de nossa existência. Somos seis, que comemoramos hoje mais um aniversário natalício, saudamos o dia em que veio ao mundo a mulher que nos deu seu ser, pedindo a Deos que a conserve para nosso amparo e consolo de nosso Pae.” Assinam: Francisco Carlos (15 anos), José (12), Arthur (11), e o próprio pai por Raphael (4), Emma (3) e Heráclito (1 ano).
Em julho de 1886, dois meses antes de sua súbita morte, a filha Emma completava 15 anos. Brusque presenteou a filha com um quadro de Nossa Senhora do Carmo, em cujo verso escreveu: “Emma! Crê querida filha, que te rodearão perigos na vereda que seguires por entre a multidão das paixões que cercam a vida por toda a parte, nos festins da mocidade, nos encargos de família e nos exemplos que ficam à beira do sepulcro … À Maria, Mãe de Deos, entrega tua alma, na peregrinação por este mundo. Ama a Deos, ama a virtude. Lembrança de teo Pae”.
Uma espécie de premonição estava consubstanciada na sentença “… nos exemplos que ficam à beira do sepulcro”. O Conselheiro Brusque falecia dois meses após. Mas sua vida, sua dignidade, seu amor, estavam indelevelmente gravados nas almas de seus filhos, tão jovens, mas com caráter forjado na têmpera do bem. Faleceu pobre o Dr. Francisco Carlos de Araújo Brusque, Conselheiro Imperial. Deixou, porém, imensurável riqueza de lições para o Brasil, como homem público de visão, de talento, de realizações, todos exercidos com o máximo de capacidade, dinamismo e honradez. Sua família, toda ela impregnada de sua diretriz firme e ao mesmo tempo transbordante de amor, herdou as vigorosas sementes plantadas nos jovens corações de seus filhos que, embora enfrentando sérias dificuldades financeiras, mas com determinação, ajuda mútua, solidariedade para custear as despesas com a educação dos mais jovens, conseguiu alçar patamar singular nas áreas do Direito, Medicina, Farmacêutica, Marinha, Odontologia e outras.
De estatura pequena, magro, olhos pretos e vivos, cabelos escuros ao tempo de estudante, mas que se tornaram brancos já aos 40 anos, o exemplo do Conselheiro Francisco Carlos de Araújo Brusque continua a marcar a geração presente e as vindouras. Salve Brusque imortal!
*Paulo Vendelino Kons, 49, é historiador. Articulou, durante uma década, a vinda dos restos mortais do Conselheiro Brusque e familiares e presidiu a Comissão Organizadora do Traslado (Decreto nº 4.083/98).
Fontes:
- Arquivo de Francisco José Brusque de Moraes (neto do Conselheiro, falecido em24/12/94) e depoimentos de sua esposa, dona Hermínia Couto de Moraes, representante da Família Brusque nas gestões para o traslado do Conselheiro Francisco Carlos de Araújo Brusque e familiares do mausoléu no cemitério São Francisco de Paula, em Pelotas (RS), para Brusque (SC).
- Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas
- Arquivo da Casa de Brusque e depoimentos de Ayres Gevaerd.