Vítimas da liberdade
Na última semana, numa reportagem televisiva, um especialista estimou em algo próximo de cinquenta milhões o número de pessoas acometidas de algum distúrbio psiquiátrico no Brasil, incluindo uma quantidade enorme de dependentes químicos.
A dependência química não apenas consome verbas públicas (nunca suficientes), mas implica prejuízos de diversas outras ordens. O dependente químico é uma pessoa que poderia estar perseguindo seus sonhos de felicidade, para seu próprio bem e para o bem da sua família e da sociedade. Ao optar pela “sensação” da droga, destrói (ou limita demasiadamente) suas possibilidades. Para cair no poço, basta se distrair por um minuto e deixar a lei da gravidade atuar. Para sair lá de baixo, o esforço pessoal não é suficiente. É preciso o envolvimento de muita gente, aparato clínico, profissionais capacitados e muito apoio familiar.
O uso de drogas, além do cabeludíssimo problema de saúde pública, é fonte de outro problema grave, na área da segurança. Se não houvesse uso e, consequentemente, tráfico de drogas, a polícia teria muito menos trabalho, e poderia concentrar seus esforços na solução de outros problemas. Sem abuso do álcool, grande parte dos acidentes de trânsito e muitos crimes sairiam das estatísticas.
Essa desgraça toda começa quando, do lado de cá do balcão do vício, alguém imagina que está exercendo sua liberdade para se afirmar ou para experimentar uma sensação diferente. A ideia de ser livre e fazer tudo o que se quer, quando se quer, é uma ilusão infantil. Toda vez que, exercendo nossa liberdade, tomamos uma decisão, tal decisão limita, necessariamente, as ações seguintes. Antes de dar o primeiro passo, posso optar por qualquer direção, mas depois que opto por uma, ela limita a liberdade anterior, pois os caminhos que não escolhi já não estarão à minha frente, a menos que eu resolva retornar, se puder.
Escolhas maduras e conscientes devem ser antecipadas pela noção das consequências. A falta dessa noção tem levado muita gente à prisão da dependência, ao desequilíbrio afetivo e a uma espiral de infelicidade e violência, que costuma acabar em tragédia. No entanto, os que decidem retomar o rumo – normalmente em instituições religiosas, como a Comunidade Bethânia ou as “Fazendas da Esperança” – descobrem que as Dez regras básicas que negligenciaram, porque parecia que lhes cerceava a liberdade, era o que poderia ter-lhes mantido livres.
A liberdade é um dos temas mais complicados da filosofia, mas não é difícil perceber que pretender usufrui-la sem limites é o modo mais rápido de perdê-la.