Vítimas da “peste”: conheça a história do cemitério abandonado de Guabiruba

Local foi criado em 1891 para sepultar as vítimas de doença contagiosa

Vítimas da “peste”: conheça a história do cemitério abandonado de Guabiruba

Local foi criado em 1891 para sepultar as vítimas de doença contagiosa

Há 130 anos, doenças infecciosas, chamadas pela população de “peste”, assustavam a região. Nove moradores de Guabiruba, que naquela época ainda pertencia a Brusque, foram vitimados pela “peste” em 1891, e sepultados em um cemitério que hoje está abandonado.

O cemitério foi criado especificamente para enterrar as vítimas da doença contagiosa, que alguns acreditam ser varíola, e outros, tifo. O cemitério abandonado está localizado nas terras que na época eram de propriedade da família Pellenz, no bairro São Pedro. Atualmente, está inacessível para visitação, razão pela qual não foi possível fazer fotografias do local exato onde foram realizados os sepultamentos

João Pellenz foi quem fez a doação do terreno que serviu como cemitério, pois seu filho Pedro, de apenas 23 anos, foi a primeira vítima da “peste”, em agosto de 1891. 

“O famoso Pedro Pellenz teve o mesmo nome do irmão que morreu desta doença anos antes dele nascer. Temos dois Pedro Pellenz, o que está enterrado neste cemitério e o que todo mundo conheceu, que foi enterrado anos depois no cemitério normal”, conta João Vili Dietrich, 61 anos, morador do bairro São Pedro, que cresceu ouvindo histórias sobre o antigo cemitério.

A partir de então, as outras vítimas também foram enterradas no local. O primeiro sepultamento, de Pedro Pellenz, ocorreu em 16 de agosto de 1891. O último foi em 25 de novembro de 1891, de Batista Brem, de 22 anos. Com o fim da doença e das mortes, ninguém mais foi enterrado no local.

João Vili Dietrich cresceu ouvindo histórias sobre o cemitério | Foto: Bárbara Sales

João Dietrich conta que até a década de 1950, o cemitério foi cuidado pela família Pellenz. “Era sempre limpo e conservado. Ao redor era tudo pasto e o cemitério ficava no meio, em um morrinho. Eu ia muito com meu pai lá pra caçar de estilingue. Quando meu pai nasceu já ninguém mais era enterrado lá”.

O morador recorda de missas que eram rezadas no local, principalmente no Dia de Finados, quando era criança.

“Lembro que alguns idosos ainda iam visitar os túmulos. Muitos caçadores passavam na região também e paravam no cemitério. Outros diziam que era mal assombrado. Tem muitas histórias”.

Em suas memórias de infância, João Dietrich recorda que as sepulturas eram feitas de barro, com cruzes em cima. O local era cercado com sarrafos e também havia um portão. Com o passar dos anos, entretanto, o cemitério foi sendo esquecido e tomado pelo mato. 

Até a década de 1950, o bairro São Pedro não tinha um cemitério. A população poderia ter utilizado o local e transformado no cemitério oficial da comunidade, porém, isso não foi feito. Os moradores entendiam que, mexendo naquela terra, poderiam fazer a doença voltar. Então o cemitério foi fechado e os novos mortos da comunidade voltaram a ser sepultados em outros locais de Guabiruba e em Brusque.

As nove vítimas da “peste’” entretanto, permaneceram enterradas lá. “Quem foi enterrado lá, ficou. Primeiro pelo motivo que poucos se interessavam em tirar, e também pelo medo de mexer nos defuntos por causa da doença. Então deixaram ali”, afirma o morador.

No livro História da Igreja Católica em Guabiruba, o padre Eder Claudio Celva destaca que a abertura de cemitérios provisórios para enterrar vítimas de doenças contagiosas aconteceu em vários lugares da Europa atingidos por graves epidemias.

“As epidemias obrigavam a iniciação de novos cemitérios e após o grassar das pestes, passavam de utilidade pública para memorial de fé, dor, esperança e até preconceito. Iniciado novo cemitério na comunidade, este foi aos poucos perdendo importância, até porque os que tinham lá seus entes queridos já não mais viviam”, escreve.

Passados 130 anos, o cemitério está localizado em uma propriedade privada, sem acesso da população. No local, já não existem vestígios de que há mais de um século, ali existiu um cemitério, pois o mato e as árvores escondem as sepulturas e as cruzes. 

O cemitério permanece somente na memória dos moradores mais antigos do bairro São Pedro, que cresceram ouvindo histórias sobre o local, no famoso morro do Pedro Pellenz, no limite entre Brusque e Guabiruba.

Nasce um tradição

A epidemia de 1891 fez nascer uma tradição que perdura até hoje em Guabiruba. 

Naquela época, os tratamentos de saúde eram bastante precários e a população se apegava muito à fé para atravessar o momento difícil, com uma grande devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

O maior foco da “peste” estava na Peterstrasse, como era chamada a rua São Pedro naquela época. Com a impossibilidade de sepultar as vítimas da doença nos cemitérios de Brusque ou de Guabiruba, a igreja concedeu a permissão para a criação de um cemitério próprio para isso, em um lugar isolado.

Com o passar dos dias, as orações rogando a Deus pelo fim da doença se intensificaram e dali surge a promessa denominada ‘rogações’, que consiste em procissões partindo de diversas localidades de Guabiruba até o Santuário de Azambuja, em Brusque. Naquele ano, a população prometeu fazer esse caminho durante nove semanas, antes da solenidade da Ascensão de Jesus, sempre às terças-feiras.

O livro da Missa das Rogações, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, produzido pelo padre Silvano João da Costa, conta que naquela época tudo relacionado à saúde era muito precário e, inclusive, havia dificuldade em se chegar a um diagnóstico. 

No livro, o padre relata que antes de se completarem as nove semanas de procissão, os focos da doença foram desaparecendo e em janeiro de 1892, a doença foi controlada e muitos doentes começaram a se recuperar.

Mesmo com a epidemia extinta, a população continuou a caminhada até o Santuário de Azambuja anualmente. Sempre durante nove semanas antes da Ascensão de Jesus.

Monumento em homenagem às vítimas foi construído em 2016 | Foto: Bárbara Sales

As procissões se tornaram tradição e seguiram até a década de 1990, quando perderam força. O pároco da época, padre João Heidemann, consultou a comunidade e promoveu mudanças, com missas à noite e sem a procissão.

“A promessa já foi cumprida pelos que a fizeram. Hoje é tradição. Quando a promessa foi feita, não existia automóvel (foi inventado naquela década). Não há razão para caminhar a pé. Quando a promessa foi feita, a missa era celebrada só de manhã. A missa vespertina foi introduzida 50 anos depois. A missa, portanto, poderá ser à noite”, disse.

Atualmente, as missas das rogações acontecem somente na igreja matriz de Guabiruba, nas nove terças-feiras antes da Ascensão de Jesus, que ocorre sempre entre os meses de março e abril.

“Esta é uma tradição muito linda de Guabiruba. Mexe muito com a população. É uma grande demonstração de fé”, destaca o padre Silvano.

Monumento em homenagem às vítimas

Em maio de 2016, passados 125 anos do início do cemitério, a paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ergueu um monumento em homenagem às vítimas da epidemia de 1891.

O monumento está na rua São Pedro, próximo ao início da subida do morro do Pedro Pellenz, no lado esquerdo da rua, sentido Guabiruba a Brusque. No monumento consta o nome e a data do falecimento das nove pessoas que foram enterradas no cemitério abandonado.

São eles: Pedro Pellenz, 23 anos (16/8/1891); Catarina Fischer, 26 anos (15/9/1891); Adão Fischer, 30 anos (17/9/1891); Anselma Hoerner, 4 meses (18/9/1891); Sofia Baron, 1 ano e 4 meses (23/9/1891); Cristhiano Putsch, 14 anos (27/9/1891); Susana Hassman, 17 anos (3/10/1891); Luiza Brunner, 49 anos (9/11/1891) e Batista Brem, 22 anos (25/11/1891).

Grupo de amigos após missa realizada no local há alguns anos | Foto: Arquivo pessoal

População sofreu com doenças

O livro Guabiruba de Todos os Tempos, de Saulo Adami e Tina Rosa, além de mencionar o cemitério abandonado do bairro São Pedro, também traz um relato das doenças infecciosas que assolaram a população nos primeiros anos do século 20.

A obra traz uma pesquisa do sanitarista Arnaldo Cerulli, de 1942, que faz parte do acervo da Casa de Brusque, que aponta que o tifo, a febre tifóide, a malária e a tuberculose foram as causas da morte de mais de 280 pessoas em Brusque.

De acordo com a pesquisa, o tifo fez 47 vítimas entre 1920 a 1937. A febre tifóide deixou 51 mortos entre 1920 e 1936. Já 90 pessoas morreram de tuberculose entre 1920 a 1939. No mesmo período, morreram 94 pessoas de malária.

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