Você acredita no Woody Allen?
Não dá para evitar: nesse tempo de denúncias necessárias de assédio e outras violências sexuais, em que verdade a gente deposita a nossa fé? Não tem como deixar de dar ouvidos e credibilidade para as vítimas, é claro. Mas (e peço desculpas pelo “mas”!) não tem como não pensar que entre as vítimas reais é bem fácil infiltrar alguém que tenha interesse em prejudicar o denunciado. Ainda mais nestes tempos em que, antes de qualquer julgamento complicado, os acusados recebem sanções sociais e profissionais.
Antes de falar do Woody Allen, vamos falar de outro diretor de cinema. Paul Haggis. O roteirista e diretor de Crash (filme que ganhou o Oscar em 2004) já tinha sido acusado de estupro em 2013. Alegou inocência e processou a suposta vítima por extorsão. Agora, em meio à chuva de denúncias – de novo, reforçando que elas são extremamente necessárias – ele foi novamente acusado, por três mulheres que permanecem no anonimato, de agressões sexuais. Isso reforça a culpa do diretor? Aparentemente, sim. Mas será que é isso, mesmo?
Não é o que pensam a atriz Leah Remini e seu companheiro da série Escravos da Cientologia, Mike Rinder. Eles divulgaram uma carta aberta em que afirmam que a campanha contra Haggis é orquestrada pela Cientologia, já que ele (assim como os dois signatários) é um ex-cientologista que faz questão de fazer críticas pesadas à religião. E, pelo que a série costuma mostrar, a Cientologia se acha no direito de revidar acusações com acusações à reputação de seus ex-membros, ainda que totalmente desprovidas de base real.
E então? Será Paul Haggis culpado ou vítima? Como saber? No que acreditar? “Acreditar” é suficiente ou é o primeiro degrau para a tal caça às bruxas que, dizem alguns, pode se transformar os movimentos #MeToo e Time’s Up. Como ir além da mera crença, especialmente em crimes que dificilmente produzem provas definitivas, como assédio ou estupro ocorrido anos antes da denúncia?
E agora chegamos a Woody Allen. Era de se esperar que, com a onda de denúncias, ele fosse lembrado pela mídia. Dylan Farrow reafirmou, em uma entrevista, todas as acusações que faz há mais de 25 anos a seu pai adotivo. Aquelas mesmas acusações de abuso sexual infantil que não foram consideradas pela justiça, na época. Mais uma vez, tanto Woddy Allen, que sempre se declarou inocente, quanto o filho adotivo Moses, declararam que Mia Farrow fez uma espécie de “lavagem cerebral” na filha e que ela, a filha, acredita em uma agressão que não aconteceu. Dylan pergunta: não é mais fácil acreditar na minha história do que nessa história louca de lavagem cerebral?
Aí é que está. Será mais fácil? E o mais fácil, será mais real? Será suficiente? Na dúvida, vários atores já declararam que não voltarão a trabalhar com o diretor ou doaram os cachês recebidos em seu filme mais recente. É um resultado mais concreto do que o que foi conseguido em todos esses anos de “ele disse, ela disse”.
A decisão da justiça, na época, de não processar Allen, está sendo questionada. E agora? Se não podemos contar com uma sentença judicial, onde colocar o limite entre inocentes e culpados? Seremos todos culpados, até uma impossível prova em contrário? O #MeToo e o Time’s Up são movimentos que estão chacoalhando o sistema. Ainda bem. Mas quem determina culpas e inocências?
Ah, sim… Toda essa situação pede que a gente reveja um filme que não é nem de Allen ou de Haggis: As Bruxas de Salém, de 1996. Aquele com Daniel Day-Lewis e Winona Ryder, a mãe do Will, em Stranger Things. Talvez não dê para tirar alguma conclusão… mas pelo menos vai servir para colocar mais dúvidas necessárias nas nossas cabeças.
Claudia Bia – jornalista cheia de dúvidas