O escritor Aldous Huxley dizia que “a medicina tem avançado tanto que já ninguém está sadio”, seu irônico enunciado foi certeiro em prever com 7 décadas de antecipação a realidade atual.  Nas últimas décadas muitos problemas comportamentais, comuns e frequentes no cotidiano tem sido “medicalizados”, há vários motivos para isto acontecer. 

Entre eles podemos citar o fato de que a medicina como ciência tem a pretensão de resolver todo tipo de doença seja física, mental ou emocional. Também o estilo de vida atual, numa sociedade altamente competitiva em que não há tempo para o diálogo, a atenção, o abraço, a companhia e o cuidado. 

Sem esquecer os interesses dos grandes grupos farmacêuticos. Um de cada cinco adultos americanos usa algum psicotrópico, 11% desses adultos usam algum antidepressivo. Estamos falando de um país de primeiro mundo que frequentemente é colocado como modelo. 

No Brasil não dispomos de estatísticas confiáveis porém sabemos que o uso de psicotrópicos é frequente e indiscriminado, predominando o uso dos benzodiazepínicos (popular faixa preta) e os antidepressivos. 

Vários trabalhos mostram a facilidade com que pessoas de baixa renda são prescritas com antidepressivos na atenção básica de saúde. Problemas sociais e culturais são medicalizados.  

Além de não solucionar o problema o paciente inicia uma dependência farmacológica. 

Há mais de uma década o Dr. Allen Frances denunciava no seu livro “Voltando ao Normal” a pressão que os grandes conglomerados farmacêuticos exercem sobre as sociedades médicas.

Tudo tem que ser chamado de transtorno ou doença, mesmo alterações comportamentais mínimas ou transitórias e dessa forma aumentar as prescrições de fármacos. 

Esse é um dos motivos pelos quais a cada nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Problemas Mentais existe um aumento no número de transtornos identificados. Não é raro atendermos pacientes polimedicados sem que houvesse necessidade. 

Lembro de um paciente que tinha sido prescrito com um medicamento para melhorar sua atenção e ter melhor rendimento no seu trabalho de contador.   

Ele não era portador de Déficit de Atenção, pouco tempo depois começou a tomar um antidepressivo porque estava um pouco desanimado, tampouco tinha critérios para diagnóstico de Transtorno Depressivo. 

Esses medicamentos provocaram gastrite, porém teve sintomas de abstinência ao tentar parar a medicação, a solução foi começar a tomar um medicamento contra gastrite.  O uso dos psicotrópicos provocou insônia e teve que iniciar o uso de um medicamento para induzir o sono.  Sendo que estava perdendo o apetite e perdendo peso foi prescrito um estimulante do apetite. 

Em resumo, o paciente estava dependente de vários medicamentos quando na verdade não tinha indicação para ter iniciado sequer a primeira droga. 

Estamos  acostumados a querer resolver tudo de forma rápida com o uso de algum remédio que o próprio paciente não percebia que tinha entrado numa cascata de erros. 

O médico deve ser o responsável de proteger o paciente evitando sempre o uso de medicamentos desnecessários. Estudos mostram que muitas pessoas normais usam psicotrópicos enquanto pessoas com problemas de saúde mental estão desassistidas e não tem acesso a nenhum tipo de tratamento, seja farmacológico ou psicoterápico 

A proliferação de farmácias é uma das consequências desta medicalização da vida que nos atinge como sociedade.  Hoje em dia as próprias farmácias conhecem mais sobre nossos hábitos, nossas doenças e nossa saúde que o nosso médico particular.  

Bancos de dados não autorizados pelos clientes e que deveriam ser sigilosos são comercializados livremente. Em breve uma das especialidades médicas de maior procura deve ser do especialista em desmedicalizar, o especialista em retirar os medicamentos desnecessários em um paciente com dependência farmacológica.