Em tempos de “Ordem e Progresso”, é conveniente refletir um pouco mais sobre ordem, lei e autoridade. A formação da sociedade brasileira sempre esteve ligada, de um lado, pela desordem, e por outro, por ordem arbitrária, emanada da vontade individual dos “senhores”. Nenhuma das duas combina com civilização e com democracia.
Nossa mania de dar um jeitinho criou um profundo sentimento de desleixo pelas leis. Desde a época dos senhores de engenho, seguir a lei era opção para os fracos, que não tinham alternativa. Quem tinha poder ou oportunidade fazia como achava melhor. Na alma do brasileiro, então, formou-se essa espécie de horror à ordem, vista como regra emanada de autoridades arbitrárias e opressoras, que deveriam ser burladas conforme a oportunidade. Entre os que sofriam essas arbitrariedades, a grande satisfação era encontrar ocasião para “descontar” em alguém. Fazer outra pessoa sofrer sobre minha arbitrariedade desafogaria a frustração de ter que obedecer a alguém mais forte que eu.
Uma figura que encarnava bem esse espírito era o “capitão do mato”. Lembro-me do personagem de Tony Tornado na novela “Sinhá Moça” (a original), em que ele, como escravo liberto e capitão do mato, odiava que o chamassem de negro, descontando seu ódio na caça de outros escravos fugitivos. Assim, se sentia, de algum modo, pertencente a esse estirpe superior, dos que podem impor sua vontade aos outros.
Mas uma civilização não pode se fazer com a imposição da vontade de uns sobre os outros. Como nos ensinaram os filósofos liberais, a lei deve ser a expressão da vontade da maioria, e deve ser seguida, indistintamente, por todos. Num país civilizado, o indivíduo é governado pelas leis justas e equilibradas, não por pessoas. As pessoas que exercem cargos de mando devem fazê-lo de acordo com as leis, não podendo ter tanto espaço para decidir do jeito que bem entendam.
Não é difícil perceber o quanto estamos longe disso. Mas isso não depende apenas dos que chefiam. Cada um de nós deveria se submeter à lei como um ser autônomo, que não obedece por fraqueza, mas por entender que a ordem que a lei estabelece é a melhor forma de conduzir a nação. Admiramos países em que não há guardas nas estações de metrô nem cobradores nos trens, e onde todos pagam a passagem, simplesmente porque devem pagar.
O grande desafio da nossa educação é formar cidadãos com esse tipo de consciência moral, que compreendam seus deveres e suas responsabilidades. Quando formos melhores filhos, estudantes, profissionais, motoristas, cidadãos, etc, aliviaremos o peso daqueles que tão arduamente tentam exercer autoridade: pais, professores, chefes, policiais. Não podemos ser um país ordeiro apenas com base na vigilância e na repressão. A ordem e o respeito pelas leis devem emanar do nosso jeito de ser. Mas, dada nossa história antiga e recente, este é um desafio gigantesco.