Aos 90 anos, Edino Krieger celebra carreira: “música é a minha vida”
Compositor brusquense completou nove décadas em março e foi homenageado com diversos concertos
Compositor brusquense completou nove décadas em março e foi homenageado com diversos concertos
“A música sempre fez parte da minha vida. Aos três, quatro anos, eu assistia aos ensaios de carnaval da Jazz Band América, ouvia as serestas que meu pai e os irmãos dele faziam na porta de casa. Eu nasci ouvindo música, a casa era cheia de instrumentos”, relembra Edino Krieger. O compositor brusquense, filho do maestro Aldo Krieger, nasceu em 17 de março de 1928 e completou recentemente seus 90 anos.
Durante todo o mês de março, o compositor recebeu diversas homenagens, como o concerto realizado pela Orquestra Sinfônica Nacional da Universidade Federal Fluminense (UFF), e o convite para abrir a série “O compositor do ano” de 2018, do programa Música e Músicos do Brasil, da rádio MEC FM (EBC).
O concerto da Orquestra Sinfônica Nacional foi realizado em Niterói no dia 11 de março, e foram apresentadas apenas composições do homenageado, como “Passacaglia para o novo milênio” (1999), “Fantasia cromática e Fuga” (2013), “Canticum Naturale” (1972) e “Terra Brasilis” (1999). A orquestra tocou sob a regência de Tobias Volkmann, que buscou escolher canções de diversas épocas da carreira de Krieger. A mesma apresentação aconteceu uma semana depois, no dia 17, data do aniversário do compositor, no Rio de Janeiro, onde ele reside.
Em 2012, no dia de seu aniversário de 84 anos, foi lançada a biografia do compositor, escrita pela musicóloga e professora Ermelinda A. Paz, com um concerto comemorativo na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Krieger ocupou, de 1998 até 2005, a cadeira de número 34 da Academia Brasileira de Música (ABM) – cujo patrono é o compositor e regente porto-alegrense José de Araújo Vianna – no cargo de presidente da instituição por três mandatos consecutivos.
Assim como Edino teve a influência do pai para seguir carreira na música, seus três filhos também tiveram formação musical. Dois são músicos profissionais, e um atua na área de documentação, com acervo de música, no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. “Meus filhos músicos são mais inteligentes do que eu, com trabalhos de mais reconhecimento, mais sucesso, fazendo trilhas para novelas e filmes”, conta.
Sobre visitas à cidade natal, ele diz que costuma vir a Brusque pelo menos uma vez por ano, para participar das atividades da Semana Aldo Krieger, em julho. “E agora criaram, em Florianópolis, um festival de música com o meu nome. Esse ano vai ser a segunda edição. Se eu puder e a minha saúde permitir, estarei presente lá também”, afirma.
“Música é a minha vida”, diz ele, enfático. “Tive várias atividades, mas sempre relacionado à música. Eu me interessei pela composição, toquei violino até uns 20 e poucos anos. Em todos os lugares, era música. Dirigi instituições, fui crítico em jornal, tive programa na Rádio MEC, dirigi a Funarte… A música sempre fez parte da minha vida e da minha atividade. Sempre tem sido isso.”
Formação musical
Edino Krieger iniciou os estudos de violino aos sete anos com o pai, Aldo Krieger. Ainda adolescente, aos 15 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro com o intuito de dar continuidade à sua formação como musicista. Iniciou então os estudos no Conservatório Brasileiro de Música, sob a orientação do compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter.
O pai e o professor alemão foram os grandes mestres de Edino, as pessoas que forneceram as bases musicais e o fizeram enveredar para a música clássica. “Todas as experiências que eu tive e os estudos que fiz foram contribuições importantes, mas a base da minha formação eu devo a essas duas pessoas.”
Foi o pai, Aldo, que ensinou a Edino as primeiras notas no violino, e foi com ele que aprendeu a tocar o instrumento. Mas, se Edino gosta e faz uso da MPB em suas composições, é devido à versatilidade de Aldo: “Ele me ensinou o violino clássico, aprendi a tocar Bach, Corelli, Mozart, Schumann com meu pai. Mas ele, ao mesmo tempo, me possibilitou o contato com a música popular que ele fazia, com a Jazz Band, que era música de carnaval, e o choro, a seresta, como se fazia no Rio de Janeiro e em São Paulo”.
“Com o Koellreutter eu aprendi todas as técnicas de composição, tudo o que é preciso para um compositor registrar suas ideias. São os dois grandes mestres que tive na minha vida. Os outros foram experiências que me acrescentaram conhecimento, mas a base já estava dada por esses dois.”
Krieger conta que, aos poucos, abandonou o violino, instrumento que estudava desde a infância. “Cheguei ao ponto de estar com uns 30 anos e nem ter um violino. Emprestei para um aluno, ele nunca me devolveu”, ri.
Experimentação estética
Em 1945, Krieger passou a integrar o quinteto Grupo Música Viva, ao lado de Koellreutter, Eunice Katunda, César Guerra Peixe e Claudio Santoro. Krieger conta que foi acolhido como o “caçula” do grupo, que se interessava por experimentar novas linguagens, criando uma música de vanguarda.
“Isso é normal, todo jovem músico passa por essa fase de experimentação”, ri. Segundo ele, o tempo de Música Viva foi uma experiência que todos os integrantes do grupo puderam incorporar aos conhecimentos que já tinham. “Depois de um período experimental com essa música de vanguarda, nós voltamos a fazer música com linguagens mais tradicionais. Uma experiência muito útil, mas a gente não ficou nela: depois de alguns anos, a gente evoluiu para um tipo de criação mais liberal, mais livre, que incorporava as linguagens modais, tonais e atonais também. Os processos novos a gente incorporou, mas não ficou vinculado a uma estética única.”
O grupo experimentou compor música com base no dodecafonismo, técnica em que as notas musicais são usadas sem hierarquia. O quinteto se desfez em 1948, devido à divergências políticas entre o mestre H. J. Koellreutter e os alunos integrantes, filiados ou simpatizantes de partidos de esquerda, ideologia com a qual o regente não concordava.
Nesse mesmo ano, Krieger foi escolhido num concurso para estudar no Berkshire Music Center, em Massachussets, nos Estados Unidos. Lá, frequentou também a Juilliard School of Music, em Nova Iorque, uma das mais renomadas universidades de música do mundo. Foi o representante da Juilliard no Simpósio de Compositores dos Estados Unidos e Canadá, em Boston, e atuou como violinista da Mozart Orchestra, em Nova Iorque.
Esse ano que passou nos Estados Unidos, e mais tarde, um ano de estudos na Inglaterra, foram anos de formação para Edino. “Para os Estados Unidos eu fui com 20 anos, para a Inglaterra, com 25. Cheguei lá ainda numa fase de aprendizado. Já tinha feito alguns trabalhos e até tido algum reconhecimento, mas estava em formação. Fui para lá com o objetivo de aprender ainda mais, e foi isso que aconteceu.”
Krieger, em todos os anos de carreira, transitou por muitos estilos, e afirma que sua música não possui rótulos. Ele lembra que a primeira composição foi em estilo barroco; a segunda, impressionista; e, mais tarde, partiu para a vanguarda. “A partir de um certo ponto”, lembra, “passei a utilizar todas essas minhas experiências, de todas as fases. Uso muitos estilos, linguagens e formas de composição, sejam elas tradicionais ou não. É um tipo de música mais descompromissada com os rótulos”.
“Não dá pra classificar. Não dá para dizer que é, por exemplo, música ‘nacionalista’. Tem, sim, elementos da música popular brasileira, mas não é uma obrigação ou um compromisso estético. Uso isso junto com procedimentos que aprendi quando fazia música de vanguarda. Minha música é a mistura de tudo o que aprendi ao longo desses 90 anos.”
Assim como transitou por entre estilos, a música de Krieger não se limitou a peças de concerto, concebidas para orquestras. Ele transitou também pelas formas: fez trilhas sonoras para comerciais de rádio e televisão, e também para 14 filmes. “Inclusive, os primeiros filmes dos Trapalhões têm trilha sonora minha”, conta. Fez também a trilha de “Meu pé de laranja lima”, “Massacre no supermercado” e “Aleijadinho”.
“A trilha sonora é um tipo de música aplicada”, explica. Para ele, compôr uma trilha não é a mesma coisa que escrever uma peça para orquestra ou um jingle para televisão. “As duas usam a mesma linguagem musical, mas são estilos e formas diferentes. A cada demanda, você tem que se adaptar e fazer uma música que sirva para aquele fim. É diferente fazer música para ser ouvida em concerto e fazer um fundo musical para um filme em que, muitas vezes, quase não se percebe que tem música. São experiências diferentes, com o mesmo tipo de matéria-prima.”
O retorno ao Brasil aconteceu em 1949, para atuar como produtor de programas musicais para a Rádio MEC, onde foi diretor musical e organizador da Orquestra Sinfônica Nacional. Até 1952, foi crítico musical no jornal Tribuna da Imprensa.
Cenário nacional contemporâneo
Em 1969, Krieger criou, organizou e dirigiu os Festivais de Música da Guanabara, dos quais se originaram as Bienais de Música Brasileira Contemporânea, dirigidas por ele da primeira edição, em 1975, até a 12ª, que ocorreu em 1997. As bienais, segundo ele, são espaços para a revelação de muitos compositores, artistas que se projetaram e são reconhecidos no Brasil e no exterior. “Temos compositores muito talentosos. O futuro da música brasileira está garantido”, afirma.
Rindo, Edino diz que não quer citar ninguém, até porque, “se esquecer de alguém, vai ficar feio, ‘poxa, esqueceu de mim!'”. Mas garante que o Brasil tem hoje uma posição de relevo na criação musical contemporânea – e que é até mais reconhecido no exterior do que no próprio território.
“Não dá pra falar de uma música contemporânea”, explica. “São várias músicas contemporâneas, e as próprias bienais são hoje um retrato disso: elas são abertas a todas as tendências estéticas, desde quem escreve em dó maior até quem escreve o dodecafônico.”
Segundo Krieger, o Brasil hoje tem tanto compositores que seguem uma linha mais tradicional, ligados à música e às tradições nacionais, quanto outros que cultivam experiências realizadas na Europa, nos anos 1960. “Há uma diversidade de tendências, e isso é muito bom. O que importa é que se faça música de qualidade.”