Colonos e indígenas: a história por trás dos primeiros assassinatos documentados em Brusque

Disputa teve seu primeiro registro no ano de 1863

Colonos e indígenas: a história por trás dos primeiros assassinatos documentados em Brusque

Disputa teve seu primeiro registro no ano de 1863

Quando os primeiros colonos imigrantes chegaram a Brusque no ano de 1860, parte da terra já era povoada pelos indígenas da tribo Xokleng, conhecidos à época como botocudos ou bugres. Descritos como “malfeitores” pela maioria dos colonos, os indígenas já disputavam, antes da chegada dos imigrantes, porções de terras com outras duas tribos: os Guaranis e os Kaingangs.

 

Como era esperado, muitos confrontos entre colonizadores e indígenas foram registrados e envolveram roubos e mortes, inclusive chacinas. Entre os historiadores locais, acredita-se que os embates resultaram nos primeiros assassinatos que se tem registro no território do município. Os indígenas eram vistos, à época, como um prejuízo da civilização.

Para tentar obter algum controle da situação, em 1836 (antes de Brusque ser fundada), foi criada a Companhia de Pedestres, uma guarda armada que tinha como objetivo proteger e defender os colonos dos nativos. O movimento, embora ainda não tão grande, era um sinal do que viria pela frente.

Problema de vizinho

Relatos de problemas com os “botocudos” ecoavam de Blumenau quando Brusque estava para ser colonizada. Visando se proteger de possíveis ataques, o fundador e primeiro diretor da então Colônia Itajahy, Maximilian von Schneeburg, solicitou 10 soldados (já tinha cerca de 15 ou 16) para proteger as terras. Os homens foram divididos em pontos estratégicos do mapa da região, porém, sofriam com a falta de armamento adequado. Pedidos de novas armas eram feitos com frequência pelos imigrantes ao governo.

Porém, após três anos de colônia, nenhum conflito foi registrado, com isso, o governo solicitou o retorno dos soldados. Segundo o padre e escritor Dorvalino Eloy Koch (falecido em 2010), o primeiro ataque aconteceu mais de dois meses após a saída dos soldados.

De acordo com ele, no dia 13 de março de 1863, há quase exatos 160 anos, os “bugres” foram até uma serraria que pertencia a um colono chamado Francisco Salentim (Franz Sallenthien). O local ficava localizado onde hoje fica o bairro Águas Claras. No espaço haviam dois homens trabalhando e, a uns 300 passos dali, havia outros quatro que estavam concluindo uma cerca. Francisco não trabalhava mais no local. 

Ataque surpresa

De surpresa, mais de 30 indígenas saltaram do mato e, gritando, atiraram dezenas de flechas contra os trabalhadores. O alemão João Dieter morreu na hora com uma flechada no peito. Manoel Paranaguá, descrito como brasileiro (por não ter origem europeia), também morreu no confronto. Já o alemão Pedro Gorke começou a correr e atravessou um rio com uma flecha no peito.

Ao tentar se esconder na roça de um colono conhecido como Maag, dois indígenas o alcançaram e o mataram com a própria faca que o colono carregava. No final, os indígenas carregaram as armas e as ferramentas das vítimas. Os três mortos foram sepultados em Itajaí. 

As informações são consideradas fiéis e também podem ser conferidas em outras obras publicadas. A maioria dos registros são baseados no relato de um trabalhador sobrevivente que estava no local e presenciou o crime. Uma carta sobre o relato foi feita pelo diretor da Colônia, porém, o nome do sobrevivente não foi mencionado. 

Na descrição da cena o sobrevivente diz que recebeu uma flechada nas costas, mas que conseguiu escapar nadando pelo rio. Além disso, disse que ouviu um dos indígenas falando em português, o que levantou muitas suspeitas e teorias na época. Algumas flechas tinham pontas de ferro e chegaram a ser expostas na Agência de Correios de Itajaí tempo depois. A serraria foi vendida no mesmo ano por Francisco a Pedro José Werner e suspeita-se que a motivação seria o ataque dos nativos. 

Matador de indígenas

Por causa da relação conflituosa entre os colonos e os bugres, existiam homens que realizavam o trabalho de bugreiros, ou seja, perseguir, assustar e muitas vezes matar indígenas. Entre os mais conhecidos da época no Vale do Itajaí, está Martinho Marcelino de Jesus Martins, o Martinho Bugreiro. Em entrevista ao padre Dorvalino no ano de 1999, a filha de Martinho, Ambrosina, revelou algumas informações até então inéditas sobre o pai.

Martinho Bugreiro/Acervo de Ambrosina (filha dele)

Segundo a mulher, o pai teria nascido no ano de 1876 em Bom Retiro. Era casado e teve 16 filhos. Além desses filhos, segundo Ambrosina, Martinho teve outro casal de filhos com uma indígena. Ele teria começado na “profissão” após a casa de um conhecido ter sido invadida por indígenas. Na ocasião, Martinho teria auxiliado na busca da mulher de um dos amigos, sequestrada no momento da invasão. Porém, em outras obras é citada a possibilidade dele ter aprendido a caçar indígenas quando trabalhou em uma fazenda no município de Major Gercino. 

Táticas mortais

Depois das primeiras “caçadas” individuais pagas pelos próprios colonos, Martinho começou a receber recursos e armamentos do governo para realizar as expedições maiores e mais mortais. Alguns bugreiros, inclusive, cortavam as orelhas dos indígenas mortos e apresentavam ao governo como prova do feito.

“A principal tática dos bugreiros era atacar os indígenas enquanto dormiam, geralmente após as noites em que realizavam rituais e permaneciam acordados até altas horas da madrugada. Pegos de surpresa, sonolentos e ainda meio embriagados da festa, tinham poucas chances de reação”, diz um trecho retirado do Anuário de Itajaí de 2012.

Ainda segundo a publicação, o falecido historiador Darcy Ribeiro, que tinha os indígenas como foco de pesquisa, divulgou parte de um relatório escrito por Eduardo Hoerhann sobre a ação dos bugreiros.

“Sem conversarem e sem fumarem, aguardam a hora propícia. É quando o dia está para nascer que dão o assalto. O primeiro cuidado é cortar as cordas dos arcos. Depois praticam o morticínio. Compreende-se que os indígenas, acordados a tiros e facão, nem procuram se defender e toda a heroicidade dos assaltantes consiste em cortar carne de homens acordados de surpresa”.

Expedição em Brusque

No ano de 1905, a população de Brusque não tolerava mais a presença dos bugres na região. Para dar um fim na história, chamaram Martinho. No dia 4 de fevereiro daquele ano, Martinho e um grupo de homens partiram de carroça para Brusque e foram até uma localidade conhecida à época como Ribeirão do Ouro, hoje pertencente a Botuverá.

Durante a expedição, chegaram até um cruzamento de pegadas indígenas em um local hoje conhecido como Chapadão da Tiriva. Martinho pressentiu a aproximação de alguns bugres e subiu até o topo de uma árvore.

De lá, percebeu um grande ajuntamento de indígenas e foi picado por uma jararaca. Após fazer curativos, voltou para a base pois estava somente com três homens. Quando retornou ao Ribeirão do Ouro, solicitou ajuda não só dos 17 homens que já tinha, mas também de mais 7.

Grupo comandado por Martinho/Acervo de Alcindo (neto de Martinho)

Ataque

Acompanhado de 24 homens, no dia 23 de fevereiro daquele ano, o time de bugreiros descobriu vários ranchos rodeados de trincheiras. Foram colhidas no caminho 112 abelheiras e 62 jararacas foram encontradas. Chegando novamente no local, a invasão planejada foi executada.

Para evitar a dispersão dos homens, o líder caminhou até o local em fila indiana e com uma vela acesa na mão, enquanto puxava um cordão. O ataque aconteceu no dia 4 de março. Foram também recuperaram objetos coloniais que teriam sido furtados. 

“A chacina foi completa. Talvez com mais de 80 mortes. Comentava-se que o grupo vinha trazendo oito crianças apressadas no rancho. Com exceção de um menino de uns 6 ou 8 anos, o futuro João Indaiá Schaefer (João Bugre), todas (as outras crianças) teriam sido eliminadas durante a viagem. É bom não esquecer: todo caçador, inclusive o de indígenas, gosta de exagerar vantagens”, registrou o padre. 

João Indaiá Schafer: menino Xokleng adotado/Acervo de Dorvalino Eloy Koch

Existe um rumor de que uma menina também teria sido levada com vida após o massacre, mas que não sobreviveu por muito tempo. Porém, não há registros oficiais sobre isso.

Relatos na imprensa

As crianças indígenas capturadas tinham poucos destinos conhecidos. Segundo documentos históricos, eram mortas, adotadas ou vendidas para quem tivesse interesse. Muitas vezes também trabalham quase que como escravas de algumas famílias. Sobre as adoções, na maioria das vezes ocorriam por parte dos colonos que buscavam educar e evangelizar as crianças, acreditando que assim, elas poderiam “viver civilizadamente”.

A expedição de Martinho na região de Brusque foi noticiada no jornal impresso “Novidades”, à época com base em Itajaí. As publicações circulavam em Brusque de maneira semanal. O documento pertence ao acervo do Museu Casa de Brusque.

Otávio Timm/O Município

Na página do dia 12 de março de 1905, a matança é detalhada. A princípio, na região de Brusque, entende-se que esta seja a primeira divulgação de uma expedição bugreira na imprensa local. 

Vale lembrar que os atos citados nesta matéria foram apenas documentados, ou seja, nenhum das ações chegaram a ser julgadas de forma jurídica. O contexto social era outro e muitas ações não eram enxergadas como crime. Para compreensão completa é preciso entender o contexto daqueles anos e lembrar que muitas expedições para assassinar indígenas eram financiadas pelo próprio governo.

Otávio Timm/O Município

 

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