De padre a pai de família: conheça morador de Brusque que largou a batina após 12 anos de sacerdócio
Valério Eller se casou e virou pai após deixar função na Igreja Católica
Valério Eller se casou e virou pai após deixar função na Igreja Católica
O morador de Brusque Valério Eller, de 55 anos, tem uma história curiosa e rara: ele foi padre por 12 anos, mas decidiu largar a batina para constituir família.
Casado com Mara Eccher, 53, e pai de Miguel José, o ex-padre, em entrevista ao jornal O Município, revelou o motivo pelo qual optou por mudar para sempre sua própria história.
Nascido em São Martinho, no Sul de Santa Catarina, Valério conta que a região sempre foi famosa pela cultura e religiosidade. A localidade também é conhecida pela beata Albertina Berkenbrock. A jovem, que nasceu em Imaruí em 11 de abril de 1919, foi assassinada aos 12 anos após resistir a um assédio.
Sua beatificação pela Igreja Católica ocorreu em 20 de outubro de 2007. Após sua morte violenta, vários milagres foram atribuídos a Albertina, sendo considerada pelos católicos como mártir.
“Minha família viveu por anos na região, principalmente meus avós de parte paterna. Por lá fiquei por 12 anos e depois fui estudar para seguir meu sonho de criança que era ser padre. Estudei em Rio Negrinho e passei por Corupá, Curitiba e Jaraguá do Sul. Depois, conheci Brusque em 1991. Aqui estudei filosofia por três anos e fiz muitas amizades na comunidade, me identifiquei com o povo brusquense e me senti em casa”.
Posteriormente, Valério foi para São Paulo e trabalhou em um orfanato para crianças em situação de rua chamado São Judas Tadeu.
Após os anos 2000, Valério começou a trabalhar em Joinville. Do tempo que ficou na cidade, ele diz que foi um período de muita dificuldade.
“Quando você vira padre, o início de muita coisa se revela. Você tem uma missão. Para isso tive que me reorganizar como pessoa. O trabalho era muito puxado e eu não tinha tempo para nada, porém, encarei tudo como se fosse um desafio para, de fato, organizar minha vida. Fiquei quatro anos lá e aprendi a ser um padre de verdade. Estar à disposição da comunidade. Quando se é padre, você é muito visado, é exemplo”, lembra.
Após Joinville, Valério foi enviado para a paróquia São José de Corupá, e lá começou seu primeiro trabalho como pároco. Depois, começou a servir em Vidal Ramos, no ano de 2007. Após um ano no município, foi convidado para ser pároco em Botuverá.
“Lá tivemos bastante mudanças a nível religioso. Começaram os acampamentos e tudo ficou agitado. Percebemos que a vida religiosa poderia ser diferente e o acampamento virou essa força. Foi nesse momento que eu senti que poderia fazer mais. Estava realizado como padre, porém, senti que ainda não estava no meu lugar ainda”.
Desde o tempo que passou em São Paulo, Valério diz que começou a perceber que se sentia ‘em cima do muro’ e que deveria tomar uma decisão sobre sua própria vida.
“Lá eu já tinha começado a ver a vida de uma outra forma, porém, já vinha pensando em ter uma vida diferente. Queria ser feliz, sem me preocupar com o que os outros pensavam sobre mim ou sobre minha vida como padre. Para mim, era para ser um caminho mais alegre, porém, me sentia amarrado pelos olhares dos outros“.
Anos depois, entre 2011 e 2012, Valério conta que percebeu que não sentia preenchido com a vida que levava. Relata que apesar de fazer de tudo como sacerdote, ainda não se sentia bem. Foi nesse período que uma das decisões mais importantes da sua vida começou a ser tomada.
“Olhava para os colegas padres e percebia que muitos não se sentiam realizados profissionalmente e vocacionalmente. Quando olhei para mim, percebi que queria ser diferente. Queria ter a paz no coração e isso era algo que eu não tinha. Queria sentir alegria e felicidade em vez de me sentir sozinho. Vale dizer que muitas vezes me condenei por isso. Achava que estava cometendo erros como sacerdote. Porém, em uma procissão que fiz numa manhã de Páscoa, levei o Cristo Eucarístico e ouvi uma resposta que dizia: ‘eu também não te condeno‘. Esse foi meu divisor de águas. Percebi que poderia viver a vida que eu buscava. A partir dali, comecei a mudança”.
O ex-padre diz que sua saída foi na verdade uma oportunidade de mudança dada pela própria vida. “Foi necessária muita coragem. Não é fácil você sair dessa posição para viver uma vida totalmente diferente como eu fiz, ao casar e ser pai”. A dispensa de Valério foi realizada através da Arquidiocese de Florianópolis. Já a dispensa de Roma viria anos depois, no dia 19 de junho de 2016.
Após deixar de ser padre, Valério conheceu Mara, sua atual esposa e mãe do seu filho. O relacionamento começou em forma de amizade, após Mara realizar um acampamento religioso. Questionada sobre como foi o início da amizade levando em conta o passado de Valério, Mara admite que não foi um período fácil.
“Conheci não só a história dele mas também suas dores. Percebi que ele estava feliz no sacerdócio, mas também necessitava da família. Eu o via como um sacerdote fazendo um bom trabalho, mas também o via como um homem que buscava ser feliz. Quando começamos a nos perceber de maneira diferente, percebi todo o julgamento. Quando o outro nos julga é uma coisa, mas quando nos olhamos de fato, percebemos todo um processo terapêutico dentro de nós”.
Após muitos diálogos e Valério já como ex-padre, os dois iniciaram um relacionamento. O casamento dos dois aconteceu no dia 23 de julho de 2016, no Santuário de Azambuja. Os dois se dizem católicos e que, inclusive, realizaram e ainda realizam trabalhos na igreja, principalmente com casais.
“Eu o admiro muito, principalmente pelo fato de ter vivido intensamente no sacerdócio durante todos esses anos. Sinto orgulho dele como pai e marido, principalmente pelo que ele foi e pelo que é agora. Nós como casal e família temos um testemunho positivo para passar para as pessoas”, complementou Mara.
Os padres não podem constituir família e muito menos ter filhos. Afastado da função e pronto para começar uma nova vida, Valério logo se deparou com algo que, até então, era incompatível com a vida que levava anteriormente: ter um filho. Questionado sobre o assunto, o ex-padre revelou que, de início, a situação foi considerada inesperada.
“Ao mesmo tempo que foi um pequeno choque no início, também me senti pai rapidamente. Foi uma alegria muito grande. É lógico que quando você começa um novo vínculo, uma nova família, é preciso saber lidar com este ‘novo’. Foi, inclusive, uma forma de tornar minha adaptação a esse novo estilo de vida mais rápida. Eu precisava desse impulso e força. O nascimento do Miguel José me fez conhecer uma nova realidade. Comecei a viver realmente como um pai”, lembrou.
Após o nascimento, Valério começou a trabalhar como eletricista em uma empresa. Disse que, inclusive, pensou em montar um negócio próprio no ramo, mas a ideia não foi para a frente.
“Um fato marcante nesse meu tempo de eletricista foi quando me acidente e perdi dois dedos em um acidente. Tudo acontece em uma serra de mesa. Essa foi a primeira rasteira que senti na minha nova vida. Depois de três meses voltei e fiquei na empresa até o ano passado. Tive a ideia de me aposentar, porém, ainda queria fazer algo diferente. Senti que ainda tinha algo para fazer. Foi assim que eu conheci a constelação familiar sistêmica e a Mara a parapsicologia. Juntos, começamos a trabalhar na criação de um espaço que juntasse o conhecimento dos dois para ajudar outras pessoas”.
Dialeto bergamasco falado em Botuverá pode ser extinto nas próximas décadas: