Viví minha infância numa época em que as doenças infecciosas eram muito mais frequentes que atualmente, eu mesmo fui acometido pela maioria das doenças infecciosas da infância, naquela época eram frequentes os casos de sarampo, varíola, catapora, caxumba, poliomielite, coqueluche, todas estas doenças hoje em dia controladas pelas vacinas, talvez para descontentamento das hordas cada vez mais frequentes de militantes anti-vacinas.
Ainda estudante de medicina percebíamos que as doenças infecciosas provocadas por todo tipo de bactérias, vírus, fungos e parasitas eram extremamente frequentes, eram épocas em que a oferta de antibióticos era limitada e ainda não existiam nos hospitais as comissões de infecção hospitalar. Uma atenção especial ao problema das infecções hospitalares começa nos países do primeiro mundo na década dos 70 e no Brasil na década dos 80.
A micropaleontologia que se ocupa do estudo de fósseis microscópicos data o aparecimento dos microrganismos ao redor de 3,8 bilhões de anos atrás, se considerarmos que o gênero Homo de onde descendemos apareceu na África há 2,5 milhões de anos e o Homo sapiens aparece na África Oriental há apenas 200 mil anos, podemos afirmar que somos calouros numa terra que é dos microrganismos, eles continuam sendo muito importantes para bem e para mal, a recente pandemia é uma amostra disso.
Durante milhares de anos esses microrganismos causaram doenças e mortes sem que os humanos imaginassem sequer sua existência, somente na segunda metade do século passado e após o descobrimento do microscópio por Antony Van Leeuwenhoek é que cientistas renomados como Pasteur e Koch começaram a descrever as bactérias causadoras de diversas doenças, em 1876 Robert Koch associou o Bacilus Antracis descoberto pelo francês Devaine como o causador da doença conhecida como Antrax, bacilo este que foi um dos preferidos agentes de experimentação na guerra bacteriológica nos tempos da chamada Guerra Fria.
Albert Neisser descobriu em 1879 o gonococo (bactéria causadora da gonorreia), pouco tempo depois Hansen descobre o bacilo da lepra, em 1880 Pasteur descobre o estreptococo e o estafilococo. Em 1882 Robert Koch descobre a micobactéria causadora da tuberculose e assim por diante, nos próximos anos foram descritos uma série de bactérias causadoras de diversas doenças, muitas dessas descobertas feitas por discípulos de Koch. Robert Koch foi agraciado no ano de 1905 com o prêmio Nobel de Medicina.
Já o reconhecimento da existência dos primeiros vírus aconteceu anos depois, o primeiro vírus identificado foi o que produzia uma doença nas plantas de fumo chamada Mosaico do tabaco, identificado por Beijerinck em 1898, já o primeiro vírus humano identificado foi o da febre amarela em 1901. Durante essas décadas iniciais os vírus eram chamados de agentes filtráveis porque atravessavam filtros que as bactérias com seu tamanho maior não conseguiam passar. Foi somente em 1931 com o descobrimento da microscopia eletrônica que os vírus puderam finalmente ser visualizados, a microscopia eletrônica foi um grande avanço para a medicina e para as ciências em geral. A cada ano se descobrem de 3 a 5 novas espécies de vírus.
De forma incrível as primeiras micoses (provocadas por fungos) foram descritas décadas antes da primeira bactéria conhecida, seu tamanho maior facilitou sua identificação e sua posterior associação como causantes de doenças. Entre os primeiros identificados em 1729 estão os do género Aspergillus. Quando falamos de parasitas o primeiro nome a ser lembrado é o do médico francês Alphonse Laveran, ele descobriu os protozoários plasmodium como agentes causadores da malária, recebeu o prêmio Nobel de medicina de 1907 por esta grande descoberta. Os parasitas seguem provocando milhares de infecções e mortes principalmente em países do terceiro mundo, lembro de um professor japonês totalmente admirado ao conhecer uma casuística de milhares de casos de neurocisticercose (cisticerco é o nome do popular bichinho da carne de porco) do Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto, no Japão essa doença não existe como transmissão local.
Mesmo os microrganismos provocando doenças e mortes não podemos esquecer que eles são muito importantes para manter nossa saúde na forma de nosso microbioma, microbioma são os trilhões de microrganismos que habitam nossa pele, cabelo, cavidade oral, trato gastrointestinal, vias respiratórias, etc. e que são importantes para nosso metabolismo e principalmente para desenvolver e manter ativo nosso sistema imunológico. Esse mundo microscópico fantástico que tanto nos ajuda quanto nos ataca tem sido também usado no passado como arma de guerra biológica, algo que esperamos que não se repita nunca mais na história da humanidade.
Finalizando quero externar o nosso agradecimento para todas as pessoas da área da saúde da linha de frente que continuam, mesmo visivelmente esgotados, trabalhando para salvar vidas e levar conforto a pacientes de Covid-19 e familiares.