Editorial: Mentiroso
Com este adjetivo, o filho do presidente, Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), classificou o então ministro Gustavo Bebianno na semana passada por meio do Twitter. A reação do filho do presidente foi motivada pela declaração do ministro de que este teria falado três vezes com o presidente para tratar do assunto levantado pela Folha e retransmitido pelo site Antagonista.
O assunto que estava em pauta era a revelação de uma candidata fantasma do PSL em Pernambuco. A candidata a deputada federal Maria de Lourdes Paixão recebeu R$ 400 mil do PSL durante o pleito do ano passado e fez apenas 274 votos. Mesmo com um nome inexpressivo, Paixão foi a terceira mais contemplada em todo país com verba do PSL. Desse valor, 95% foi para uma gráfica que não existe.
Como sabemos, o desfecho deste episódio foi o apoio do presidente ao filho, confirmando que não houve conversa com Bebianno e promovendo a sua exoneração. Assim o presidente entendeu que o assunto estaria superado.
Esta semana, porém, assistimos um novo capítulo, com a revelação, pela revista Veja, dos contatos via WhatsApp que o presidente manteve com Bebianno. Em um áudio o presidente trata exclusivamente do assunto da candidatura fantasma e ainda se posiciona como inimigo de um setor da imprensa.
Também nesta semana o governo teve a primeira derrota na Câmara ao derrubar o decreto que ampliava a lista de servidores com poder para classificar documentos sigilosos. O vice-presidente Hamilton Mourão, que assinou o decreto quando assumiu a presidência, reagiu com descontração: “Perdi. Perdeu playboy” e minimizou a derrota declarando-o “decreto-chulé”.
Esses acontecimentos vão dando o tom do perfil de conduta e gestão do governo Bolsonaro. Se até agora existia um discurso de honestidade, transparência, seriedade, os fatos em questão vão o colocando à prova.
Como vimos, o presidente de fato falou com Bebianno e faltou com a verdade. O episódio das candidaturas fantasmas e desvio de recursos do fundo eleitoral é muito sério para não ter que ser explicado, ainda mais com o surgimento de novos casos suspeitos como a da candidata Carmem Flores, no Rio Grande do Sul, Claudenir Barbosa em Minas Gerais e agora o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio.
Estamos só no começo do governo e Bolsonaro ainda desfruta de boa aprovação popular, mas a cada dia tem dificuldade em exercer o que prometeu em campanha.
Bolsonaro ainda desfruta de boa aprovação popular, mas a cada dia tem dificuldade em exercer o que prometeu em campanha
Na quarta-feira, até a ala militar do governo teve um encontro com o presidente para expressar a queixa do setor sobre a crise política e influência do filho do presidente em questões do Estado. Na ocasião pediram um “freio de arrumação”, sob pena de perda de apoio militar.
O presidente precisa se explicar melhor sob pena de perder rapidamente o prestígio que o levou à presidência. Sua atuação atabalhoada e a ingerência da família são fissuras que podem romper uma barreira de credibilidade.
Colocar a culpa na imprensa dos problemas do filho Flavio e agora Carlos já não cola mais. Também alegar perseguição por conta das atuais denúncias só minimiza, ainda mais, seu status.
O Brasil quis mudança e não pode conviver com estas situações. Bolsonaro precisa urgentemente tomar o controle sobre si, sobre sua família, sobre seu partido, sobre seu governo e esclarecer de uma vez por todos estes episódios, doa a quem doer, para ser realmente o presidente que todos acham que ele é.
Do contrário será só mais um oportunista do poder, utilizando das mesmas práticas e condutas que até então criticava.