Editorial: Educação para o trânsito
A discussão sobre habilitar motoristas aos 16 anos não faz muito sentido num país que dá atenção zero para a educação para o trânsito. A população inteira, de todas as idades, classes sociais e níveis de instrução transita a pé, de bicicleta ou outros veículos, nas ruas. O trânsito, portanto, não é composto apenas de automóveis, motocicletas,caminhões e ônibus. E saber portar-se nesse ambiente não é coisa que interessa apenas aos habilitados a conduzir automotores.
Querem discutir a sério o trânsito e os problemas (e vítimas) causados por ele? Então comecem, senhores e senhoras legisladores, a pensar como fazer com que todas as crianças sejam educadas, desde muito cedo, para o trânsito.
Países com níveis muito baixos de acidentes de trânsito (e poucas vítimas) instruem crianças do ensino fundamental sobre como e onde atravessar as ruas, por onde circulam os veículos e por que. Aprendem muito cedo o que significa a sinalização de trânsito. E tantas outras informações que ajudam a criar uma consciência nacional, geral, de como conviver em sociedade e deixam mais claro por que devemos respeitar as convenções a fim de que menos pessoas morram ou fiquem aleijadas.
Habilitar jovens de 16 anos para dirigir parece apenas uma forma de incluir nas estatísticas fatais mais uma faixa etária
E depois de ser informado desde criança sobre o trânsito, como funciona, como devem portar-se pedestres e demais participantes, o jovem poderá, se quiser, obter uma habilitação pra conduzir um veículo com motor. Mas, de novo, não deveria só passar por um exame burocrático, que nem sempre avalia adequadamente as habilidades ou a capacidade de entender os riscos, mas enfrentar uma espécie de vestibular, com nível de dificuldade condizente com a letalidade da arma que ele ou ela irá pilotar.
Não somos um dos países em que mais se mata e morre no trânsito por acaso. O Brasil está na quarta posição entre os países com mais mortes em acidentes de trânsito no mundo, de acordo com estudo de 2019 da Organização Mundial da Saúde (OMS), ficando atrás apenas da China, Índia e Nigéria.
A falta de educação para o trânsito nas escolas, a falta de policiamento correto e punição justa dos infratores, o descaso com que tratamos a vida em sociedade, tudo contribui para essa tragédia.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina no Tráfego, “no Brasil, os acidentes de trânsito são a segunda causa de morte não natural evitável”. Em 2019 morreram 80 pessoas por dia em acidentes de trânsito: 31.307 no total. E 70% dessas vítimas são jovens entre 18 e 34 anos.
Quando legisladores e governos “aliviam” a pressão sobre os controles do trânsito, retirando radares, desestruturando a fiscalização, estão ajudando a criar o clima para que essa tragédia, que mata, causa lesões permanentes, infelicita famílias e nos envergonha a todos seja ampliada. O trânsito desordenado, com motoristas agressivos e impunes, é um importante sinal de subdesenvolvimento, de baixo nível educacional e sobretudo de desrespeito para com a vida.
Nesse cenário, habilitar jovens de 16 anos para dirigir, sem qualquer outra medida de educação para o trânsito, parece apenas uma forma de incluir nas estatísticas fatais mais uma faixa etária.