Enoturismo
Há tempo, sou passageiro desse barco sem bússola e sem rumo, chamado turismo, navegando ao sabor da curiosidade, que sempre me convida a buscar novos ares, diferentes paisagens urbanas e a viver novas emoções. Assim, estava eu em Santiago e não resisti ao chamado da nova proposta, que a gente de rodas nos pés apelidou de enoturismo. Fui visitar três vinícolas, inclusive a Concha y Toro, maior do Chile, país conhecido pela grande produção de bons vinhos.
No caminho, conheci um jornalista da Editora Abril que ali estava para uma reportagem e acabei entrevistado. Disse-lhe, em tom de brincadeira, que após mais de mil horas em museus e catedrais góticas, queria conhecer um pouco da vitivinicultura.
Queria ver os campos cultivados com as diversas cepas viníferas e percorrer os corredores escuros, cheios de paranho, verdadeiros labirintos por onde passam os operários do trabalho duro e, de uns tempos para cá, também os curiosos turistas. Queria subir e descer escadas, em meio a tanques, tonéis, barricas e empoeiradas garrafas guardando o precioso líquido das safras ditas especiais.
O périplo começa junto aos parreirais, sempre escutando a ladainha decorada sobre a vindima, a uva madura colhida por mãos de tesoura, encestada e levada para o sacrifício do esmagamento por máquinas. Neste trabalho, há muito, os pés humanos foram aposentados e já não realizam mais a marcha ou a dança eufórica da transformação do fruto maduro no suco vinífero, que a linguagem da viticultura chama de mosto.
A via-crúcis prossegue no interior da vinícola, com uma parada diante de enormes tanques de madeira. Tudo muda e a modernidade chegou na versão inox, onde o mosco fermenta, esquenta, ferve, no milagre químico de conversão da uva em vinho, a purpúrea bebida alcóolica, minha companheira de jantar há mais de 60 anos. Afinal, se Cristo serviu vinho aos seus apóstolos na sua última ceia, penso que dois cálices a cada noite, se bem não faz a ninguém, mal também não.
Depois, vem a estação do envasamento, garrafas em contínuo movimento para receber o líquido vermelho, que um dia vai ser ostentado, chacoalhado e levado aos lábios, numa taça de cristal para o gole final.
A última parada sempre termina, todos já fatigados pelo subir e descer das escadas, na sala de degustação, ritual conduzido pelo guia a dizer que o vinho ali servido cheira a cravo da Índia, canela, anis, um pouco a lavanda, a jasmim e outras lorotas de seduzir mentes excitadas pela curiosidade.
E, todos concordam com o discurso do encantador de serpentes, que muito fala e nada diz. Finalmente, passam no balcão para compras que fazem a alegria do proprietário da vinícola.