Família doa corpo de morador de Brusque para universidade
Se antes a maioria dos corpos destinados aos laboratórios eram de indigentes, hoje, a doação espontânea cresce na região
Se antes a maioria dos corpos destinados aos laboratórios eram de indigentes, hoje, a doação espontânea cresce na região
Morador de Brusque há quatro anos, Anderson Fraga dos Santos, 48 anos, morreu no começo da noite do dia 3 de outubro, após sofrer um infarto fulminante enquanto pilotava sua moto. Diferente da imensa maioria, ele não foi sepultado ou cremado. Anderson teve seu corpo doado para a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), logo após o velório.
A iniciativa de utilizar o corpo para estudos era uma vontade dele. A esposa, Josi Garcia dos Santos, 38 anos, conta que o casal tinha um acordo de que se algo acontecesse para algum deles, não haveria velório e nem enterro, apenas a doação do corpo.
“Como nossa condição financeira sempre foi bem justa, o nosso acordo era não ter esse tipo de despesa caso acontecesse alguma coisa comigo ou com ele”, diz.
“Essa sempre foi uma das nossas preocupações em relação à morte, um não deixar despesa para o outro. Sempre consideramos velório, custos com caixão, cemitério, desnecessários”, completa.
Mesmo diante de todo o sofrimento da perda, Josi cumpriu o desejo do marido. Realizou um velório porque familiares do Rio Grande do Sul se deslocaram para Brusque para prestar as últimas homenagens, e da capela mortuária, o corpo de Anderson foi levado pela funerária direto para o Laboratório de Anatomia da Univali.
Anderson não foi o primeiro da família a realizar este gesto. Antes dele, dois tios tiveram os corpos doados para universidades do Rio Grande do Sul. A mãe dele, inclusive, também tem essa vontade e já assinou um documento autorizando a doação.
Josi afirma que o processo para doação do corpo para estudo é bastante simples e rápido. No próprio Hospital Azambuja ela foi auxiliada e só precisou assinar uma declaração autorizando a doação do corpo do marido.
“Geralmente as pessoas deixam um documento assinado demonstrando a sua vontade. No caso dele, não tínhamos esse documento. Era apenas um acordo verbal entre nós e a família. A universidade somente exigiu que a pessoa responsável, no caso eu, como esposa, falasse que era a vontade dele e assinasse o documento”.
Considerado um dos maiores do país, o Laboratório de Anatomia da Univali conta com mais de 170 cadáveres, que são utilizados por acadêmicos de 13 cursos da instituição, incluindo Medicina e Odontologia.
Um dos professores do laboratório, Fábio Aureliano Rafael, explica que a universidade tem um convênio com a Secretaria de Segurança Pública do Estado e, por isso, os corpos dos indigentes são encaminhados para o laboratório.
Por outro lado, também há aqueles que demonstram o desejo de serem doadores ainda em vida. Muitos vão até o local, conhecem a estrutura, e recebem uma carteirinha de doador e documentos em duas vias para assinar. “Nesses casos, a pessoa precisa assinar e mais dois parentes de primeiro grau como testemunhas, autenticar em cartório e nos trazer uma das vias”.
Quando a pessoa morre, toda a documentação já está pronta. O professor destaca que a universidade respeita o tempo da família para se despedir do ente querido. “Há possibilidade de fazer velório, seguir todo o ritual religioso da família, e aí trazer o corpo pra Univali”, diz.
No caso de Anderson, que tinha o desejo de ser doado, mas não tinha nenhum documento comprovando, o processo também foi bastante simples.
“Quando faz a doação do corpo para a universidade, é preciso o registro em cartório comunicando que o corpo está na instituição. Quando ele chega, é embalsamado, acondicionado e disponibilizado para dissecação e pesquisa”, afirma.
Na Universidade Regional de Blumenau (Furb), o processo é semelhante. A pessoa pode demonstrar seu desejo de doar o corpo ainda em vida por meio de um documento autenticado em cartório. Já no caso de a pessoa não ter o documento, a família também consegue fazer a doação, sem tanta burocracia.
O professor da Univali observa que antes a maioria dos corpos que chegavam ao laboratório eram de indigentes. Hoje, a maior parte são doadores, como o morador de Brusque.
O professor também destaca que o laboratório recebe doação de fetos e de ossos. “É possível, quando autorizado pela família, fazer a doação dos restos mortais que já estão enterrados”.
No caso dos indigentes que são enviados ao laboratório, se o familiar de algum deles fazer o reconhecimento tardio e quiser levar o corpo para fazer o enterro, a universidade faz a ‘devolução’.
O professor do laboratório da Univali afirma que o doador está prestando um serviço à comunidade. “O custo para a família é zero e nos auxilia muito na área da saúde, principalmente para pesquisa. Hoje, mesmo com todas as tecnologias existentes, homem virtual, boneco, nada substitui o cadáver”.
Na Furb, a técnica de laboratório Mary Anne Pasta de Amorim afirma que nove cursos fazem uso do Laboratório de Anatomia, onde estão os cadáveres. Ela destaca a importância da doação.
“Eu mesmo tenho duas familiares que já fizeram o termo de doação. Sabem da importância desse gesto. Cada pessoa tem uma particularidade. A anatomia nos livros é igual, mas nenhum corpo é igual ao outro. Com os cadáveres, podemos mostrar aos alunos como é o corpo de uma idosa, de um jovem”, afirma.
Na Univali, o professor explica que leva-se, em média, dois semestres do curso de Medicina para fazer toda a preparação de um cadáver novo, para só então, utilizá-lo nos estudos.
Os estudantes de Medicina são os responsáveis pela dissecação do cadáver, ou seja, a separação dos órgãos. “Quando está dissecado, todos os outros cursos vão fazer uso do corpo”, diz.
O professor afirma que o laboratório da instituição conta com cadáveres que estão sendo estudados há mais de 20 anos. Quando não é mais possível, o cadáver é desmembrado e as partes que não são mais aproveitáveis, são cremadas.