Festa dos Motoristas de Dom Joaquim: 69 anos de tradição
Evento, que iniciou com seis caminhões, hoje reúne mais de mil veículos
Na época, Luiz Tabarelli, o seu Lula, João Toscan e Ernesto Merizio eram caminhoneiros e estavam no Centro da capital paulista. Durante um bate-papo, eles viram uma imagem de São Cristóvão e decidiram que trariam para Brusque, já que havia bastante caminhoneiros na região.
No município, com apoio de Alexandre Merico, seminarista e muito conhecido no Dom Joaquim, dava-se início a primeira festa, que aconteceu em uma ferraria, que foi de várias pessoas (de Osvaldo Hort e por último João Knihs), onde hoje é a Pizzaria da Mama.
Foi neste rancho e entre amigos, com apenas seis caminhões, que a festividade ocorreu. Eles deram uma volta ao redor da igreja – que terminou de ser construída um ano antes -, comeram churrasco e beberam cerveja.
No entanto, antes do bairro Dom Joaquim ficar marcado pela festa em homenagem aos motoristas, já ocorria a Festa de Santa Catarina, padroeira da paróquia. Mas por São Cristóvão ter mais “fama” e logo ter ganhado adeptos, conquistou o espaço de destaque que tem até hoje.
66 anos de dedicação
“Quando contam de como a festa começou, com poucos motoristas, nem dá para acreditar que se tornou tão grande como é”, diz o técnico têxtil Aldo José Tabarelli, 62 anos, filho de Lula.
Ele recorda que na época o pai tinha 25 anos e que os festejos foram um marco na sua vida e de toda a família. Das 69 festas, Lula, que faleceu em 2015 com 91 anos, participou de 66, sendo que a única em que faltou foi em 2007, quando sofreu um infarto e precisou ficar em recuperação.
Além de organizador e de sempre estar à frente dos preparativos, Lula também levou o santo durante diversos anos.
Para Aldo, a devoção do pai é um exemplo. Ele diz que em quase 50 anos vivendo como caminhoneiro, Lula nunca se acidentou, e que isso se devia à proteção que recebia. Por influência do pai, outros dois irmãos e dois sobrinhos continuam na profissão.
“Graças a iniciativa destas pessoas, a festa do bairro Dom Joaquim cresceu e hoje traz gente de muitos lugares. Nos orgulha muito saber que meu pai estava à frente”, afirma.
Aldo conta que as primeiras missas não eram realizadas na igreja, e sim, em cima do caminhão, que ficava estacionado próximo a um campo de futebol que havia lá. Era uma espécie de missa campal, onde o altar e o santo ficavam no veículo e as pessoas ao redor. Após isso iam para o salão, onde ocorriam os festejos.
Fabriqueiros de mão cheia
Os cunhados e primos-irmãos Pedro Werner, 88, e Romano Quirino Bambinetti, 83, têm boas histórias para contar sobre a festa. Eles foram uns dos primeiros fabriqueiros do evento, ou seja, as pessoas que ajudavam na preparação. Ambos ajudaram desde a primeira edição.
Werner fez parte da diretoria da igreja por 16 anos. Com a voz trêmula e com alguma dificuldade em lembrar momentos da festa, ele conta que apenas não ajudou em três edições. Sua missão era picar e temperar o churrasco no sábado e assá-lo no domingo. “Eu tinha um pouco mais de 20 anos e fazia tudo. Era tipo a cozinha de uma casa de morada. Fazia o que me pediam, era uma correria de um lado, do outro”.
Ele recorda que naquela época não tinha fogão e os primeiros churrascos eram colocados na grelha, sobre a brasa no chão. “Sinto muita saudade, a gente passava trabalho, mas se precisava voltar a gente voltava e fazia de novo”.
Bambinetti, que somente não ajudou na festa em 1953, quando foi servir ao Exército, conta que a preparação dos alimentos – churrasco, galinha assada, cuca, bolo – era feita na casa do seu Lula. No domingo, com uma carrocinha, os pratos e as loucas eram levados até a igreja.
Ele, assim como Werner, eram tão dedicados ao trabalho, que chegavam a dormir no local dos festejos para ajudar. Nas primeiras duas décadas, pelo menos, a quantidade de churrasco vendido era muito maior do que é hoje. Eram cerca de 2 mil quilos de carne, uma média de 2,3 mil churrascos. Atualmente são comercializados aproximadamente 800.
A polenta também sempre teve muita adesão nas festas e era Bambinetti o responsável por marcar o horário do seu desligamento, para que não queimasse. Eram cerca de 80 pratos do alimento por evento. Além disso, ele acumulava outras funções, como a de cantar no coral e também auxiliar na roda da fortuna.
“Era bonito de ver. Todo mundo ajudava, se mexia. Muitas festas tinham geada e o pessoal não arredava o pé”, destaca.
Procissão
Mesmo pequena, a procissão de São Cristóvão, seguida da bênção dos veículos, sempre aconteceu, com chuva ou seu chuva, como afirma o organizador há mais de 30 anos, José Heil, o Zeca, 58 anos – sobrinho de Bambinetti e Werner.
Nos primeiros anos o cortejo iniciava em frente à Banca Jardim, na praça Barão de Schneeburg. Como não tinham muitos caminhões, bicicletas e cavaleiros vinham na frente do veículo que trazia o santo. “Era muita alegria”, recorda Bambinetti.
Atualmente a procissão inicia na rodovia Antônio Heil, em frente à Havan. O caminhão que traz o santo começa a ser preparado ainda no sábado. A família que traz a imagem é responsável pelos custos de enfeitar o veículo com flores. Geralmente o caminhão já fica estacionado próximo ao local da partida.
Conforme Heil, para 2018 e 2019 já têm dois candidatos a levar a imagem. Ele, bem como Lula, foram moradores que levaram a imagem mais vezes – três, pelo menos.
Uma das histórias mais curiosas da procissão ocorreu há cerca de 30 anos. Aldo conta que Vicente Fachini levaria o santo. No sábado, ao manobrar o caminhão para colocar do lado debaixo do salão paroquial, a imagem quebrou. Sem ter outra alternativa e com pouco tempo, eles improvisaram e colocaram São José no lugar de São Cristóvão. Como a imagem dos santos são relativamente parecidas – São Cristóvão tem Jesus Cristo no ombro e o cajado, e São José o menino Jesus no colo -, as pessoas não perceberam.
Recorde de público
Um dos anos em que a procissão mais atraiu veículos e visitantes foi em 1986. Foram cerca de 4 mil pessoas e centenas de carros, motos e caminhões. Heil diz que a Transportadora Bissoni solicitou à concessionária Mevepi, de Itajaí, auxilio para a festa.
Porém, não imaginou-se que a empresa seria tão solícita. Eles doaram um caminhão Scania que foi leiloado em 20 de julho de 1986, durante o evento. O veículo foi arrematado por mais de 1,23 bilhão de cruzeiros (moeda da época). O lucro – cerca de 662 milhões -, foi destinado às obras sociais da paróquia.
“Veio muita gente de fora e o comprador do caminhão era de Joinville”, diz Zeca, que completa: “Uma procissão que iniciou com seis caminhões e que hoje tem mais de mil carros, uns 300 caminhões. Pra mim é uma grande alegria fazer parte desta história e estar à frente da procissão”.