Gol contra antológico de Valdir Appel faz 50 anos em 2019
Ex-goleiro conta detalhes sobre o episódio, cujo aniversário teve repercussão nacional;
Ex-goleiro conta detalhes sobre o episódio, cujo aniversário teve repercussão nacional;
Este sábado, 16, foi o 50º aniversário de um dos gols que marcaram a história do futebol carioca e também do futebol brusquense: o goleiro Valdir Appel, o Chiquinho, jogou a bola contra o próprio gol, com as mãos. Ele marcou o gol de empate do Bangu contra o seu clube, o Vasco, na partida que terminou com o placar de 1 a 1 no Maracanã, em 16 de março de 1969.
Chiquinho em São Januário Valdir chegou ao Vasco em 1966, depois de uma atuação excelente em um amistoso contra o cruzmaltino enquanto defendia o América-RJ, que ficou marcada na memória da comissão técnica adversária. Durante seus tempos de América, ele conciliava as atividades no clube com os deveres no Exército, já que estava servindo no Rio de Janeiro. Em uma fase conturbada dos vascaínos, que viviam um jejum de títulos, com elenco inchado e frequentes trocas de técnico, o brusquense alternou períodos importantes na titularidade com a reserva. “Só fui vaiado pela torcida do Vasco jogando contra”, lembra.
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16 de março de 1969
Não há sequer uma imagem em vídeo do gol contra, já que a TV Tupi, que transmitiu a partida, perdeu seus arquivos depois de um incêndio em outubro de 1978. O incidente comprometeu o futuro da emissora, tanto que foi extinta dois anos depois. Restam os arquivos das rádios que transmitiram a partida, os arquivos e imagens dos jornais e as lembranças de quem estava no Maracanã naquele domingo.
“Criou-se um folclore, até hoje muitas pessoas, inclusive de Brusque, me disseram que viram o gol, mas me descreviam de maneira errada. Eu apenas escutava, mas sabia que na verdade elas não tinham visto. Por exemplo, o Canal 100, que passava os lances nos cinemas, não tinha gravado o gol. Eles costumavam gravar os lances, e logo depois, as reações da torcida, então provavelmente não registraram o momento.”
O placar foi aberto aos 20 minutos pelo Vasco, quando Adilson aproveitou rebote do goleiro Devito após cabeceio de Valfrido. Um minuto depois, José Roberto Bougleaux, o Buglê, perdeu pênalti, batendo por cima da meta.
Em entrevista ao Esporte Espetacular, da TV Globo, na reportagem que relembrou os 50 anos do gol, o ex-atacante Dé Aranha explica que minutos antes do fatídico lance ocorreu uma das jogadas mais bonitas que fez na carreira, driblando pelo menos três vascaínos, mas o gol foi evitado por Valdir. “Eu virei as costas e xinguei o Valdir de tudo quanto era nome que eu sabia. Pê da vida. Injuriado. Porque era impossível ele defender aquela bola”, relata.
Valdir fez uma boa e difícil defesa, segura, caindo no canto direito e encaixando a bola, sem deixar rebote, sem deixar a bola escorregar no gramado molhado do Maracanã, que estava encharcado pela garoa que caía. O primeiro tempo da partida acabaria praticamente naquele momento.
Era uma saída de bola simples, com Eberval, lateral-esquerdo. Ao arremessar a bola, Valdir se desequilibra. Antes que ela saísse totalmente de seu controle, há ainda um último toque, que muda a direção do arremesso. O desvio leva a bola até a trave esquerda e, finalmente, para dentro do gol.
Hoje, Valdir acredita que a ausência das imagens reforça o folclore sobre o gol e também a sua fama. Com o vídeo ainda arquivado e público, a falha bizarra teria sido amenizada pela ótima atuação do goleiro no resto do jogo. Caso Buglê tivesse marcado o gol de pênalti, o gol do Bangu marcado pelo brusquense teria sido um detalhe infeliz em uma vitória vascaína com atuação segura do goleiro.
O árbitro da partida, Arnaldo Cezar Coelho, sequer estava olhando para o lance naquele momento, já voltava para o meio-campo esperando a saída de bola do Vasco. Ao ouvir a torcida gritar e ver o auxiliar correr para o centro do campo, ele dá o gol. Os jogadores do Bangu vão abraçar Dé Aranha, que forçou a defesa de Valdir. Na súmula, o gol é marcado como contra.
O narrador Waldir Amaral, falecido em 1997, assim descreveu o lance na Rádio Globo: — Já atirou Pedrinho, lançando na ponta esquerda para Dé, vai descendo o ataque do Bangu, entrou na área, Dé, vem Brito pela frente, e chuta! Defende o arqueiro Valdir, estupendo o tiro de Dé! — De repente, a surpresa — Gooool! Gooool do Bangu! Agarrou Valdir, parece que ficou tonto com o tiro de Dé, e jogou a bola no fundo das redes! Um lance inédito, inédito, inédito! Defendeu o tiro de Dé. No giro, ele, Valdir, fez o gol contra!
Soa o apito para o intervalo, e os repórteres de campo vão ao goleiro brusquense perguntar, afinal, o que diabos havia acontecido. O goleiro classifica o icônico lance como um acidente de trabalho, o que de fato foi. E as manchetes estavam entregues. Desde aquele momento no Maracanã até hoje, assim é definido o gol por seu autor.
“Um dos repórteres me perguntou se eu jogaria no segundo tempo. Eu só respondi ‘não, é a sua mãe que vai jogar, ô filho da p…’. Não estava com cabeça para aquilo”, comenta.
Nos vestiários, o preparador de goleiros do Vasco, Carlos Alberto Parreira, separou Valdir do resto do grupo. “Ele não me deixou pensar na m… que tinha acontecido. Foi bater bola comigo para eu me manter ativo e poder voltar bem para o segundo tempo.”
Na volta para a etapa complementar, um dos repórteres traz fones de ouvido para Valdir. Barbosa, grande goleiro da história do Vasco e da seleção brasileira, estava assistindo a tudo. Queria consolar o jovem arqueiro de 23 anos, citando inclusive o famoso gol de Ghiggia, que deu o título mundial ao Uruguai no Maracanã na Copa de 1950. Comparação dolorida para Valdir. Ao fim do jogo, Barbosa foi pessoalmente consolar o brusquense.
Bola pra frente
Os dias seguintes foram doloridos, de reflexão e esforço para a renovação do contrato, que foi concretizada. Em Brusque, todos já sabiam do acontecido, pois aqueles que acompanharam a partida pelos rádios já haviam espalhado a notícia. O goleiro conta que, a princípio, a família ficou preocupada sobre sua titularidade e sua permanência no Vasco. No entanto, logo perceberam que Valdir continuaria no elenco.
Depois de algumas semanas, durante a temporada, por outros diversos fatores, como troca de técnico, ele vai para o banco, e chega a ser emprestado para o Sport por quatro meses. Uma das causas foi a chegada de uma concorrência do mais alto nível: Andrada chegou no mesmo ano. O goleiro da seleção argentina foi dono da posição até 1975 e levou o milésimo gol de Pelé, com o brusquense sendo testemunha ocular do banco de reservas.
Appel ainda atuou pelo Vasco até 1973, e em 1970 faturou o Campeonato Carioca. Uma conquista que havia encerrado um jejum de 12 anos sem títulos do clube. Até recuperar a titularidade em 1971, substituindo o lesionado Andrada, houve altos e baixos, com propostas de empréstimo vindas de América do México e Cruzeiro. O goleiro recusou a proposta mexicana para não perder mercado no Brasil. No caso do Cruzeiro, o Vasco voltou atrás no último instante e frustrou os planos de Valdir.
Ele ansiava pela titularidade, e a reconquistou por um período. Mas antes, em 1970, uma lesão no menisco o impediu de aceitar proposta do Ajax, da Holanda. Em 1971, ainda lesionado, o técnico Paulo Amaral queria levá-lo para o Porto, clube que havia acabado de assumir, mas a transferência não se concretizou por causa da lesão. O brusquense pendurou luvas e chuteiras em 1982, aos 36 anos, no Rio Verde (GO). “Havia cansado de ter sido pago com cheques sem fundo”, afirma. Antes, teve também boas passagens por Goiânia e Atlético Goianiense, e marcou seu nome na história do Volta Redonda, sendo o primeiro goleiro do clube.
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A folclórica frase “o Pelé precisou de mil gols para ficar famoso, eu precisei de um” foi dita pela primeira vez em uma rádio potiguar, quando Valdir defendia o América-RN. Ele estava em uma mesa redonda de uma rádio local pela segunda vez. Por todo local que passava, pediam para que ele descrevesse o gol. Mas desta vez, o mesmo jornalista perguntou sobre a falha, no mesmo programa, menos de um ano depois. A resposta inusitada serviu como defesa e ainda divertiu os jornalistas.
Aos 72 anos, Valdir Appel olha para trás com orgulho da carreira que teve. Enxerga a marca do gol contra com maturidade e humor, servindo de exemplo para os goleiros. “Falhas como a minha já aconteceram em vários lugares do mundo, existem diversos vídeos parecidos com o que houve naquele dia. Há quem não lide bem, há histórias de pessoas que largaram o esporte após estas situações. É muito sobre superação”. Afinal, todo grande goleiro já levou um frango um dia.